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Vinício Carrilho

Dia da Constituição - 25 de março


Dia da Constituição - 25 de março  - Gente de Opinião

Vinício Carrilho Martinez (Dr)

Associate Professor at Federal University of São Carlos (UFSCar)

Líder do Grupo de Pesquisa Sociedade e Educação (UFSCar/CNPq)

https://www.youtube.com/@ACienciadaCF88


Sem considerar os detalhes críticos sobre a técnica – como o eixo deslocado para fora do umbigo –, utilizarei a figura de Leonardo Da Vinci, o Homem Vitruviano, para pensar e reagir na comparação com a nossa Constituição Federal de 1988 (CF88). Dia 25 de março é o seu dia, e deveria ser o nosso dia também – se entendermos a CF88 como um guarda-chuva que nos abriga e obriga a fazer ou deixar de fazer.

Dia da Constituição - 25 de março  - Gente de Opinião

A figura geométrica desse gênio do Renascimento é icônica, instigante, resplandecente em sua perfeita harmonia. Para efeito de nossa comparação, pensemos (podemos supor) que o quadrado significa o Direito Internacional, a ONU, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a ordem internacional. O círculo pode simbolizar a dinâmica social, a sociedade, as taxas flutuantes da política e dos níveis de interação social, sempre oscilando entre mais e menos efeitos reativos, regressivos, repressivos ou inclusivos, expansivos.

         O Homem Vitruviano, mesmo com o eixo de equilíbrio fora do umbigo (se colocássemos um compasso ficaria claro), indica toda a nossa organicidade em movimento: às vezes estamos mais concêntricos, enquanto Nação, em outras fases nos movimentamos para além dos círculos de determinação e de contenção.

         Também penso que cada célula do Homem Vitruviano representa um de nós, uma cidadã e um cidadão, guardados nesse corpo chamado de Constituição. Portanto, hoje, o Homem Vitruviano fará a representação constitucional. Cada célula também tem implicações com os direitos, os deveres, as garantias, as liberdades ali guarnecidas – sendo ainda o próprio sistema imunológico (os remédios constitucionais) em combinação com o sistema circulatório. Com Justiça Social, o sangue constitucional é vermelho vivo.

         As pernas do Homem Vitruviano são, respectivamente, a separação/contenção dos poderes constituídos e a defesa intransigente dos direitos fundamentais. As pernas são a base, a sustentação, a força e o equilíbrio de toda a massa muscular que mantém a ossatura societal em pé.

Os braços são nosso alcance, nossa coordenação motora fina, aliada à força e ao movimento de pinça (polegar e indicador) a nos diferenciar das demais espécies. Não são apenas a longa manus de uma ordem expedida, mas sim o objetivo que traçamos para alcançar e realizar. Braços, mãos e dedos articulados nos fizeram humanos – assim como a teleologia constitucional está imbricada nos Direitos Humanos. É a mesma teleologia de olhos agudos, astutos, atentos, mirando o futuro a ser construído com o devir, o vir-a-ser de cada um, cada uma, de todos nós.

A figura não está em três dimensões (3D), todavia, ainda que estivesse, nós veríamos que o Homem Vitruviano apenas se movimenta para os lados – às vezes alargamos a Democracia, a própria eficácia do conjunto complexo dos Direitos Humanos, às vezes sofremos rescaldos andando para a direita –, porém, a CF88 nunca anda para trás. A CF88 obedece ao Princípio do não-Retrocesso Moral/Social e por isso não se admitem mudanças constitucionais que mitiguem direitos já auferidos.

Diria que a cabeça do Homem Vitruviano significa, sintetiza, os postulados, os expedientes motivacionais, os princípios constitucionais e humanistas que conferem a forma constitucional desde 1988. Do Estado Democrático de Direito, da solidariedade e da dignidade humana ao Processo Civilizatório, à diversidade cultural, ao pluralismo político e ideológico (não-regressivo); passando pelo Princípio da Unicidade Constitucional, pela negação ao Direito de Sedição e pela garantia constitucional (explícita) do chamado Direito a ter direitos. Então, nossa cabeça tem mente e corpo, emoção (empatia, Utopia) e razão: a Constituição Dirigente (ou Constituição Cidadã) deve nos guiar e não servir de argumento para a inércia, a letargia, a procrastinação institucional.

Infelizmente a Constituição tem um “Tendão de Aquiles”, um ponto fraco – aparentemente o Homem Vitruviano também. No nosso caso, diria que é o desenho privatista que se locupletou desde a feitura da Constituição e o exemplo mais simples está no capítulo destinado à Ciência e tecnologia. Trata-se de uma suposta Teoria da Tríplice Hélice, colocando-se em paralelo a Universidade Pública, o Estado e o mercado. Como se essas três dimensões/representações tivessem o mesmo escopo e fundamento no cerne da sociedade nacional. Quando foi que o mercado investiu em Ciência, no Brasil? Outro exemplo é o quase inexistente controle externo sobre o Poder Judiciário – fenômeno que nos faz lembrar sempre de uma máxima: autonomia sem auditoria é autocracia. Isto restou evidenciado no Golpe de Estado de 2016 e na Lava Jato – até, praticamente, seu desbaratamento.

Por essa linha, também diria que a CF88 adquiriu um problema de bílis, as inúmeras emendas constitucionais antipopulares, o severo controle (e corte) dos gastos públicos nas áreas sociais, com o acréscimo da conhecida Reserva do Possível – que torna impossível investir na contenção da miséria humana –, além do inchaço do Presidencialismo, um superpresidencialismo, em eterna barganha com o Legislativo. Sem que se supere o patrimonialismo, o poder local, e com pouca capacidade diante das forças internacionais, o presidencialismo de coalizão só faz aumentar sua coleção de colisões destrutivas, improdutivas, reativas e reacionárias. 

A CF88 tem um coração pulsante, apesar das reformas e dos atentados sofridos desde a década de 1990, ou seja, desde o seu nascimento. O efeito pulsante está em todos os pontos fortes da Constituição Dirigente, como a defesa do meio ambiente sustentável e equilibrado, realçando-se o meio ambiente como sujeito de direitos (no Estado Ambiental), a aposta na educação pública – mesmo com abertura ao mercado privado, há uma garantia à Educação Permanente, isto é, ao longo de toda a vida –, e a arquitetura da Saúde Pública: o famoso SUS.

Os olhos da CF88, como em todo bom Homem Vitruviano (que não é, de perto e nem longe, o “cidadão de bem”), estão alongados no tempo; às vezes precisamos de óculos, trocar de lentes. No entanto, não é uma Constituição estrábica ou de cegueira aprofundada. Pode, sim, ser acusada de uma ou outra miopia, como vemos na baixa e limitada (burocratizada) inclusão do povo nas formas de participação política. Deveríamos ter avançado no modelo de um constitucionalismo plurinacional, no aprofundamento dos meios da democracia direta e na aposta do Princípio da Corresponsabilidade (pública). Perdemos em alguns desses momentos, contudo, não há nada que não possa ser revisto no momento certo, e que não é agora.

É por isso, e por tantas outras, que podemos dizer que a Constituição faz gritar os direitos no ouvido do povo – o que nos resta a fazer é ouvir, com atenção, para assim agir e requerer a nossa melhor plenitude constitucional.

Nossa Constituição de 1988 ainda poderia ser referenciada como jovem e adolescente, se olhássemos com carinho pelos direitos das crianças e dos adolescentes defendidos desde 1988 – ou como uma jovem mulher na casa dos 30 anos, como Balzac a definiria. Mas, essa história ficará para outro dia.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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