Domingo, 24 de novembro de 2024 - 09h38
Veremos de modo mais extensivo que entre a emancipação e a autonomia se apresentam realidades e conceitos – igualmente impositivos – que suportam a base tanto da emancipação quanto da autonomia. Trata-se da liberdade, da isonomia, da isegoria, da equidade. No entanto, a fim de melhor articularmos essa teia conceitual, iniciaremos com um contexto, uma apresentação de alguns elementos da atual conjuntura brasileira, chegando a elementos da Constituição Federal de 1988 (CF88). Em seguida, apresentaremos uma perspectiva denominada aqui de Autoeducação política para a descompressão, em que se destaca uma premissa política, social, epistemológica, jurídica, em que as referências à autonomia somente fazem sentido quando precedidas (e acompanhadas) pela emancipação individual e societal: social, política, econômica, cultural, ambiental. Tomamos a opressão como oposta à emancipação.
Pensamento
escravo-fascista
Iniciamos a abordagem acerca da
emancipação x opressão a partir de um contexto que julgamos necessário, tanto
quanto explicar o subtítulo já nos faz avançar neste curso – o “pensamento
escravo-fascista”. Assim, o subtítulo remete a uma junção de dois pontos: o que
apelidamos de pensamento escravista e os laivos vivos de manobras, técnicas e
subjetividade fascista. Vamos explicar.
Começaremos com um exemplo hipotético que explica a lógica econômica embutida no subtítulo. Pensemos: uma fazenda escravista produz uma laranja ao custo de 10 reais e, com algum lucro, seria vendida a 12 reais. Uma fazenda equivalente, mecanizada, capitalizada, produz uma laranja igual, só que a 8 reais e a vende a 11 ou 12 reais. Enquanto a fazenda escravista vende a laranja com lucro de dois reais, a fazenda capitalista pode vendê-la com lucro de três a quatro reais. A fazenda capitalista pode vender a laranja mais barata do que a produção da fazenda escravista ou no mesmo preço, mas com uma lucratividade muito maior. É essa lógica econômica que iremos explorar mais um pouco.
Lógica
econômica
Por
pensamento escravista aludimos a uma somatória intempestiva, atemporal – mesmo
que seja uma “ideia fora de lugar” – entre o racismo lancinante, inegável em
todos os lugares, estruturas e relações sociais e de poder, e a exploração do
“trabalho análogo à escravidão”. Neste caso, além de disruptivo socialmente, em
que faz fluir a degeneração da dignidade humana e potencializa em exponencial a
miséria humana, os “restos das práticas da escravidão” estão em flagrante
descompasso com o próprio sistema capitalista e suas formas hegemônicas de
dominação. É como se a história não tivesse fechado suas contas no Brasil, pois
seguem atuantes (economicamente falando) formas pré-capitalistas de exploração
da força de trabalho.
Sabe-se
que, historicamente, o Capitalismo permite formas regressivas de produção, como
meio ou indicador de sobrevalorização de suas mercadorias (Marx, 1991). Há uma
sobretaxa na mercadoria relativamente comum à produção capitalista, pois, o
“preço” (valor) da produção pré-capitalista é mais “caro”. Então, a produção
capitalista eleva seus preços (valores) aos preços e valores indicados pelas
formas arcaicas de trabalho: ganha-se na exploração capitalista da mais-valia
(mais valor do trabalho) e na comparação, fixação, de um valor nominal maior
ainda – uma vez que a tabela é precificada pelo “trabalho análogo à
escravidão”. Uma enorme fatia do agronegócio segue essa esteira de produção,
essa combinação entre “trabalho análogo à escravidão” e produção mecanizada.
Desse
modo, a soma simples entre racismo (perturbador e desqualificador da pessoa
humana, se entendida “como fim e não meio”) e a exploração, brutalização, do
trabalho análogo à escravidão formam a espinha dorsal do pensamento escravista.
Pensamento arcaico, fora de lugar, mas que ainda nos reserva grandes laços com
o patrimonialismo, coronelismo, patriarcalismo, cartorialismo. Além de
expressar um silogismo, afinal de contas, não há analogia à escravidão fora da
escravidão: trabalho análogo à escravidão revela uma redundância, um típico
escapismo para atenuar a brutalidade imposta pela negação do “trabalho livre”.
Quer dizer, trata-se de exploração de trabalho escravo e ponto. Só quem está
submetido a essas condições sabe, de fato, o quanto o arcaísmo é escravizador e
impostor: com as dores do corpo destruído e da alma diluída pela
pré-modernidade.
Politicamente, essa lógica econômica
tem reflexos nos poderes institucionais. Sua base de ação, enquanto grupo de
pressão, é mais conhecida como Bancada ruralista – que, por sua vez,
articula-se com a Bancada BBB: boi, bíblia e bala. São os setores mais
conservadores ou reacionários em funcionamento político no Brasil atual. Talvez
se deva, também, somar as pressões das Bets (empresas de apostas online) e dos
bancos e, assim, teríamos uma Bancada BBBBB.
Apesar de atuarem em setores
diferentes, estão alinhados nas pautas regressivas. Obviamente que o Poder
Público os abastece direta ou indiretamente – seja por ação seja por omissão.
Neste conjunto ainda é importante frisar que a banca evangélica (e também a
católica) sinaliza com o retrocesso moral, impondo-se por meio de pressões
controlativas dos costumes – ou simplesmente atua para obter algum regresso. Um
exemplo nítido está na tentativa de criminalizar toda forma de aborto, até
mesmo a tipologia considerada legal hoje em dia: anencefalia do bebê
(natimorto), risco de vida da mãe e quando resultado de estupro.
Já as Bets têm um impacto sobre a
economia do país todo, assim como se viu (vê) em muitos países. Trata-se de um
filamento econômico absolutamente improdutivo e destrutivo de partes do sistema
produtivo. Além de atuar com base no “jogo de azar” – de muito azar, por sinal,
uma vez que na prática impede-se qualquer aposta vencedora –, as Bets ainda
levam famílias inteiras à falência, ao endividamento. Não é à toa a decisão do
STF de proibir qualquer uso dos recursos do conhecido projeto Bolsa Família
nesses mecanismos de exploração da ingenuidade (desconhecimento do sistema de
azar) ou da ganância popular.
Não é difícil supor a enorme pressão parlamentar que esses grupos impõem. Tanto quanto essa pressão se notabiliza na ausência de regulação, na imperícia ou ausência de ação (inação), ou ação sempre tardia do Poder Político em buscar a contenção, a prevenção, a regulamentação eficaz. Dito de outro modo, não é difícil presumir que o Estado age parcamente (ou porcamente – salvo exceções) porque também não tem interesse econômico em conter esses abusos e ilegalidades. Lembremos que o Estado brasileiro é o maior rentista da Bolsa de Valores, é o maior vencedor da retribuição dos dividendos e dos proventos advindos do capitalismo improdutivo, especulativo. É desse nicho que extraímos alguns itens do Fascismo Nacional.
Laivos
fascistas
Entendemos Fascismo como um conjunto
de ações regressivas, de repressão social e de mobilização de estratos, bases,
lapsos culturais que se escondem no pior da formação brasileira. Além do
próprio conteúdo racista que se espalha em toda a sociedade, basta pensarmos
nos movimentos anti ciência, antivacina (diziam-se “autovacinados”), na
insegurança pública que retroalimenta um tipo de Narcoestado em gestação: a
troca do policiamento regular por milícias é apenas uma parte visível do
problema.
A par disso, esse mesmo policiamento
ainda recebe treinamentos nos moldes fascistas, como vimos nas ações da Polícia
Rodoviária Federal (PRF), no Sergipe de 2022, asfixiando Genivaldo de Jesus
Santos numa “câmara de gás”. Imobilizado, foi morto no porta malas da viatura,
quando policiais acionaram uma granada de gás, com o carro fechado, sem
ventilação suficiente. As câmaras de gás foram a engrenagem do Nazismo,
pretendendo-se o genocídio do povo judeu, no bojo da Segunda Guerra Mundial.
Se é fato que qualquer semelhança não
é coincidência, é lícito investigar porque o “adestramento” de policiais, no
Brasil de 2024, não absorve nenhum traço do Princípio da Dignidade Humana, como
consta nas Declarações de Direitos Humanos. A par da definição dos “aparatos
repressivos do Estado”, temos que identificar a vinculação histórica (quase
ontológica) do Estado brasileiro (e do Direito) com as formas predominantes do
capitalismo em determinadas épocas. No passado escravista, a identificação dava
guarida ao senhor de escravos e ao capitão do mato. No passado mais recente
(pós-1964) houve identificação com o capital internacional, com os interesses
geopolíticos dos EUA. Ao menos desde 1970 vem se efetivando a ascensão e a hegemonia
do capital especulativo, como é o sistema financeiro, e daí o fortalecimento da
exploração global da sociedade brasileira – incluindo-se todos os produtores.
Em 1988 incutiu-se a dignidade humana
como pressuposto na Constituição Federal (para além de um princípio norteador).
E seria de se supor que, sendo obrigatório o ensino de disciplinas com conteúdo
de Direitos Humanos – além de se postular constitucionalmente por penas severas
aos “crimes de tortura” –, desde a formação de praças, até o comando, que as
aberrações, truculências e letalidades ilícitas (fora do escrutínio do “estrito
cumprimento legal”) seriam mitigadas. Porém, como vemos todos os dias, não é
esse o padrão impetrado pelas forças de segurança pública no país todo.
O caso da PRF eliminando o Genivaldo em
tática nazista, já contido, algemado, nos aproxima dos traços marcantes que o
Fascismo ainda injeta na realidade de todos – a não ser os albergados no “andar
de cima”. Por sua vez, numa comunhão das mais aterrorizantes, esse pacto do
andar de cima com as forças policiais e de mera repressão social se associa com
o que de pior se construiu na sociedade brasileira: o capitão do mato, um homem
negro que perseguia em desejo de morte a outros negros fugidos da escravidão.
Um policial negro julgando, enquadrando e sufocando outro homem negro, já algemado,
é uma ilustração desse sentido, dessa síndrome social.
Essa imagem – que apelidamos de
Síndrome do Capitão do Mato – nos traz de volta aos resquícios do pensamento
escravista, ao mesmo tempo em que nos faz deparar com as piores formas
regressivas e repressivas da atualidade. Da criminalização de qualquer forma de
aborto ao emprego de câmara de gás, sem falar da imensa quantidade de
defensivos agrícolas (venenos) nos alimentos, essa somatória nos aproxima de
uma síntese perversa entre o passado mais rançoso (os grotões da escravidão) e
a presença atuante dos “laivos fascistas” (até nazistas, se lembrarmos da
asfixia de Genivaldo pela PRF).
Por isso, o subtítulo (“Pensamento escravo-fascista”) nos leva a pensar o passado e o presente da economia, da cultura, da política, da sociedade e do Estado brasileiro. Tudo indica que estamos absorvendo e fazendo fluir o que se projetava como o pior de tudo do passado da escravidão (Síndrome do Capitão do Mato), com o que pode haver de pior no momento presente: o capital especulativo e disruptivo, em sua face negacionista, exploratória e em crise. Os laivos fascistas seguem como recursos de controle social, afinal de contas, “não pode haver prosperidade para todos”. Alguns deverão pagar a conta, sobretudo, com a marca projetada na sua cor de pele.
O Fascismo despolitiza
- o Fascismo não politiza as massas
Está equivocada uma tese surgida nesses tempos pós-modernos, ao
aplicar-se a um senso comum derivado de um erro conceitual: o Fascismo não
politiza as massas, ao contrário disso, despolitiza ao atacar frontalmente a
Política (Polis).
Se a Polis é o em espaço público atualizado, onde o ser social se
converte em “animal político”, ao deslegitimar a Política, o Fascismo destrói
os espaços políticos e, por óbvio, qualquer possibilidade ou chancela de
emancipação e de autoeducação política para a descompressão.
Se o Fascismo se institui (e age) em conformidade com o dominus (dominação
baseada na opressão), e se a Política é o lugar da afirmação da condição humana
– fazer-se política” –, então, ao retirar validação, deslegitimar, propor a
destruição da Política, o Fascismo tem o único objetivo da despolitização – e
que, em essência, equivale à desumanização.
Também apelidada de alienação (massificação), as massas na
pós-modernidade estão cada vez mais distantes da coisa pública, dos espaços
democráticos – onde seriam propostas as pautas de liberdade, inclusão,
reconhecimento da práxis política, da transformação individual e social.
Alienadas, quer dizer, retiradas da cena política que debate, institui,
promulga políticas (ou dominação legítima), “retiradas de si”, desumanizadas,
as massas pós-modernas são constantemente atacadas como alvos da
despolitização.
Sob o Fascismo, simplesmente, a Política não é mais o eixo, o centro, a
convergência da própria condição humana, no qual se legitimam todas as formas
de afirmação do Humano; em seu lugar ocupa-se o consumo, o entretenimento, a
massificação, a destruição social, ambiental.
Não convém ao Fascismo o “fazer-se política”, pois o requerimento por
mais humanidade (emancipação) insurge-se contra as formas de negação, alienação
(“tirar de si”) e opressão.
Em suma, se a Política inclui os sujeitos (individuais e coletivos) no
processo de sua libertação, construção da consciência social e individual
(autoeducação política), da incessante luta pela emancipação, isto ocorre em
meio à inclusão do Humano na Política. A sua negação (pelo Fascismo), portanto,
só pode acentuar a negação, a exclusão, a suspensão da validação dos espaços
públicos democráticos em que a cidadania possa se expressar e agir por ainda
mais espaços de “realização de si” (reconhecimento e afirmação dos processos de
humanização); o Fascismo, efetivamente, não politiza.
A lógica simples nos leva à obrigatória conclusão de que o Fascismo
despolitiza as massas: exemplo mais claro disso é o senso comum afirmar que
“todos os políticos são iguais”, pois, todo ser social é político, faz
política.
Enfim, se a Política é o “local preferencialmente público”, em que há a
fluência do “fazer-se política” – fazer-se pela política, fazer-se em meio à
política, fazer-se por meio da política (práxis) –, ao revés disso, o Fascismo
se afirma pela incursão de mecanismos, ações que possam agir contra a
politização (afirmação da humanidade: o “fazer-se política”), contra a
emancipação (conscientização de si e da classe social), contra a liberdade –
sendo a mais básica instância de afirmação da igualdade – e contra a
humanização.
Enfim, o Fascismo despolitiza ao máximo, nos distancia o mais que pode da
condição humana, que é a transformação do ser social em animal político
consciente (“ciente” do “fazer-se política”) e emancipado. A política se define
pela capacidade de decisão, antagonicamente ao Fascismo que aliena para castrar
a emancipação. Assim, o resultado só pode ser a obstrução da ação/realização
política, a despolitização.
Se o Fascismo destrói a práxis política (ação transformadora que se
inicia na reflexão), apela para o fechamento de instituições republicanas e
democráticas (o Legislativo, a “Casa do Povo”, a instituição de ocorrência da
democracia representativa), ao golpe civil e/ou militar[1],
a quebra institucional, ou golpe à Constituição, “intervenção militar” (ou
divina e sideral), o uso de um “Poder Moderador”[2],
e se se institui por meio da corrupção da própria Política (e dos fechamentos
dos canais de profusão das requisições populares), é evidente que o Fascismo
não propõe a emancipação; ao passo que a Política vigora onde se manifesta e
repercute a emancipação política e a afirmação humana.
Afinal, o objetivo da Política é instruir e elevar (do indivíduo ao ser
social e deste ao “animal político”), em oposição (de antagonismo) ao Fascismo
que propõe destruir e amalgamar, condicionando seres indiferentes, em “efeito
manada”, em indivíduos despolitizados (“analfabetos políticos”).
Por Fascismo Nacional, leia-se extrema direita, extremadura da direita, neofascismo, necropolítica, Necrofascismo (Martinez, 2022) e qualquer gênero autocrático que tenhamos em 2024. Por seu turno, a oposição aos laivos fascistas advém com a afirmação da condição política, da emancipação social, econômica, cultural.
EMANCIPAÇÃO
A afirmação do sujeito de direitos
A negação da negação é a afirmação.
Também pode-se entender como visto na aritmética simples de que “menos com
menos dá mais”. Porém, o mais correto seria observar que uma força positiva se
impõe contra outra, negativa – a invertendo, revertendo-a, até que seja
anulada. É este o caso do abolicionismo em relação à escravidão, as lutas por
independência e afirmação da soberania, as lutas por descolonização, ou ainda
as revoluções socialistas contra o capitalismo, formas sistêmicas assemelhadas
ou até pré-capitalistas.
O
que, em síntese, condiz com a ideia de emancipação: a emancipação das pessoas
libertas do cativeiro, os produtores afirmando-se contra a expropriação, exploração
da força de trabalho, o cidadão, a cidadã subordinados em uma segunda categoria
de institucionalidades, mas sempre lutando pela libertação e afirmação social,
humana, cultural, política. Neste caso, em comum há a imposição de forças que
lutam pela afirmação da dignidade humana, que se voltam contra todas as formas
de opressão que se apresentarem.
Em comum ainda há uma forte composição
individual e social que luta pela liberdade (libertação da opressão[3]), pela categorização da
isonomia, da igualdade entre pares, iguais em dignidade, direitos, aspirações,
sonhos e utopias. O sujeito que luta já é livre, ainda que não tenha o status
da igualdade assegurado. Porém, livre já é. Em posse da igualdade primária –
mesmo que não tenha sido consubstanciada como “igualdade real” –, passa a lutar
por sua materialidade. Na condição de não-servo, que já se reelaborou na luta
contra a opressão[4]
e a negação da liberdade e da igualdade, afirma-se como sujeito histórico, ao
fazer-se livre para impor o ideal da justiça, da dignidade humana.
Como sujeito que faz parte da sua
história, à medida em que participa de sua própria história de libertação e de
afirmação, o sujeito histórico já não está presente no ideal, pois é uma
realidade histórica e coletiva. Ninguém é livre e igual se estiver só. Apenas
coletivamente é que a subjetividade participa das condições reais, efetivas e,
assim, encontra-se com a materialidade que conforma a todos os sujeitos
históricos.
Neste
momento, o que era uma expectativa de direitos (a luta pela libertação, contra
o jugo) experimenta um salto impositivo em sua qualidade, no momento em que,
coletivamente, o sujeito histórico interpõe a obrigação de que o direito à
liberdade seja concretizado. Neste sentido, a expectativa do direito se converte
em fruição do direito.
É este o surgimento do sujeito de
direitos, sabedor que se fez pela história política de sua autoafirmação, em
coletivos que se impulsionam e se completam, de forma efetiva
(materializando-se em outra substância social) e é assim que se emancipa,
encontrando-se, reencontrando-se com a libertação inicial da opressão,
afirmando-se em isonomia (na igualdade que cabe na dignidade), impondo-se
(outra vez) pela materialidade em que a justiça não seja idealizada, nem
consentida, mas conquistada, “obrigada a ser”. Esta é a equidade.
Tanto
quanto este sujeito histórico, afirmado enquanto sujeito de direitos, passa a
ser o porta-voz da liberdade, da afirmação (negação da negação imposta pelo
servilismo), e, porquanto seja um porta-voz do “novo mundo”, seja senhor das
suas palavras, afirmativas, e que são exposições impositivas da libertação de
todas as formas de opressão e de negação da liberdade, da isonomia, da
equidade.
Este
é o “fazer-se política” da emancipação, impondo-se “pela sua vez e por sua
voz”, no pleno exercício da isegoria: o direito substancial de denunciar,
claramente, publicamente, as injustiças, as negações da dignidade e,
concomitantemente, afirmar-se como dever de ser o porta-voz que não só
denuncia, mas que se pronuncia – consciente, racionalmente, eficazmente, em
atos políticos sequencias de negação da negação, de afirmação do que se quer.
Isso é práxis: entre a liberdade e a igualdade, entre a opressão e a conquista
racional, política, organizada, da afirmação da dignidade humana. A autonomia
exercida unicamente em si, para si, não é práxis, é consumerismo do mesmo, do
indivíduo que não passa ao Outro.
A emancipação político-eleitoral é ilustrativa, exemplificativa do processo de amadurecimento, crescimento, no sentido de que a emancipação é um processo libertador à medida em que se contrai mais responsabilidades e obrigações. Iniciando-se pelo voto facultativo aos 16 anos e incluindo-se a inclusão do voto dos analfabetos (artigo 14, § II, da CF88), a ideia de soberania popular destacou-se como Princípio Pedagógico do aprendizado e da educação política.
Artigo
14 da Constituição Federal de 1988
No capítulo IV da Constituição Federal
de 1988 (CF88), Dos Direitos Políticos, o artigo 14 tem suma importância
ao descrever e regular a soberania popular. Desde a inclusão de mecanismos da
democracia direta, no contexto em que vige a democracia representativa
(parlamentar ou semidireta) e o Princípio do sufrágio universal, como o
plebiscito, o referendo e a iniciativa popular, o artigo 14 ainda nos revela
uma espécie de escada ou espiral em que a idade configura as postulações e as
possibilidades encetadas com o advento de outras fases (sucessivas) da
maturidade individual, moral, política.
No sentido crescente (e inverso na
ordem em que é apresentada na CF88), a idade de 18 anos é a baliza de quem se
congratula com a vontade de se candidatar à vereança (artigo 14, § 3º, VI, d).
Aos 21 anos de idade, quem assim o desejar, poderá se candidatar a Deputado
Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz
(artigo 14, § 3º, VI, c). Com 30 anos pode-se postular o cargo de
Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal (artigo 14, § 3º,
VI, b). No final da escalada disso que apelidamos de emancipação
político-eleitoral, o sujeito de direitos poderá pleitear o direito de se
candidatar aos cargos mais notabilizados da liderança político-institucional do
país: aos 35 anos haveria o direito político de se candidatar para Presidente e
Vice-Presidente da República e Senador (artigo 14, § 3º, VI, a).
Essa seria uma forma simples e
objetiva de se apresentar o sentido geral disso que chamamos de emancipação
político-eleitoral, um processo de amadurecimento pessoal, moral e político,
com o incremento, crescimento normal de experiências de vida que permitem a
contração de maiores responsabilidades e obrigações.
Ainda podemos visualizar que a
emancipação tem uma série de requisitos, formais (idade) e informais
(experiências de vida) e a autonomia, para seguirmos no mesmo exemplo, estaria
recôndita na escolha política perpetrada na filiação partidária. Sob a condição
do sufrágio eleitoral[5], a autonomia se avalia na
declinação do voto em si: branco, nulo ou indicativo de algum/a candidato/a. A
abstenção, ausência de votação, configura uma rejeição ao sistema como um todo,
ao se recusar a votar (salvo exceções) o indivíduo diz que aquele sistema
eleitoral – ao menos naquele momento – lhe é de profundo desagrado. No voto em
branco, a pessoa indica que qualquer candidatura é válida e, no voto nulo, o
sujeito diz que nenhum dos postulantes merece sua anuência. A diferença entre o
voto nulo e a abstenção está em que, apenas anulando, diz-se que o sistema
eleitoral é validável – afinal, houve comparecimento às urnas.
Uma outra construção conceitual nos permite observar esses fenômenos (emancipação e autonomia) sob algumas das condições denominadas de “narrativas” – no exercício conceitual que apresentaremos os fatos estão presentes, não foram subsumidos[6]. E que ainda nos indica uma síntese conclusiva.
DA EMANCIPAÇÃO À
AUTONOMIA
- Autoeducação política para a descompressão
O próprio conceito que
formulamos para a Autoeducação política para a descompressão é mais amplo, nos
remete a uma compreensão das circunstâncias e condições objetivas atuais que
fogem ao escopo desse texto, como a impostação do Fascismo Nacional, do reticente
e atuante “pensamento escravista”, de uma realidade geopolítica que nos desafia
com projetos de desumanização baseados na desconstrução da Política (Martinez,
2023), e, obviamente, sob severos efeitos regressivos e repressivos.
Entretanto, é necessária
a afirmação do pressuposto da emancipação a fim de que as posições disruptivas,
individualistas, capitalistas, sejam entendidas e enfrentadas em todos os
espaços, a começar pela sala de aula da escola pública. Esse texto, em que pese
não seja limitado ao alcance do objeto, tem o objetivo central de propor uma
reflexão acerca da Autoeducação política para a descompressão (individual e de
classe) no contexto da educação pública.
A seguir, para efeito de ilustração, trazemos um mapa conceitual em que a práxis constituída em compasso com a emancipação permite vislumbrar uma clara composição entre reflexão e ação. Os conceitos apresentados no mapa serão retomados em duas partes que se completam num só texto – por isso, o mapa em si não é tratado especificamente, após sua exibição.
Breve conclusão inicial: A emancipação não é apenas “dar normas a si mesmo” (auto + nomia), mas, sobretudo, a interface entre a ação, o direito, a política, em que não há mais nenhuma tutela – a não ser a vigilância da consciência, do Bom Senso agindo de forma ética, honesta e crítica. Com aportes de Paulo Freire (1985) este sentido se esclarece melhor.
Uma questão para refletirmos, seguindo Paulo Freire
“De tanto ouvirem de si mesmos que são incapazes, que não sabem nada, que não podem saber, que são enfermos, indolentes, que não produzem em virtude de tudo isso, terminam por se convencer de sua incapacidade” (Freire, 1985, p. 54).
Ainda, não nos basta a autonomia, indisposta à emancipação: ainda mais se e quando a autonomia venha limitada, tutelada, sem a própria consciência de sua limitação – e mesmo que seja uma passagem natural da vida, um processo digno, ético de aprendizagem e de crescimento.
Sob essa provocação, gradativamente, traremos uma compreensão da ideia da emancipação em Paulo Freire (enquanto processo, luta pessoal e social, e “autoeducação política”[7]) e a noção básica sobre a necessária, obrigatória, luta e conquista da maioridade, que chamaremos de “maioridade societal”: sendo individual, moral, política, social, cultural, jurídica, econômica. Vejamos o início dessa implicação no texto luminar sobre o Esclarecimento (Iluminismo – Aufklarung):
A preguiça e a cobardia são as causas par que os homens em tão grande parte. após a natureza os ter há muito libertado do controlo alheio (naturaIiter maiorennes) continuem, no entanto, de boa vontade menores durante toda a vida; e também por que a outros se toma do fácil assumirem-se como seus tutores. E tão cômodo ser menor. Se eu tiver um livro que tem entendimento por mim, um diretor espiritual que tem em minha vez consciência moral, um médico que por mim decide da dieta, etc., então não precise de eu próprio me esforçar. Não me é forçoso pensar, quando posso simplesmente pagar; outros empreenderão por mim essa tarefa aborrecida [...] é perfeitamente possível que um público a si mesmo se esclareça. Mais ainda, é quase inevitável, se para tal lhe for dada liberdade. Com efeito, sempre haverá alguns que pensam por si, mesmo entre os tutores estabelecidos da grande massa que, após terem arrojado de si o jugo da menoridade, espalharão à sua volta o espírito de uma avaliação racional do próprio valor e da vocação de cada homem para por si mesmo pensar. [...] um público só muito lentamente pode chegar à ilustração. Por meio de uma revolução poderá talvez levar-se a cabo a queda do despotismo pessoal e da opressão gananciosa ou dominadora, mas nunca uma verdadeira reforma do modo de pensar. Novos preconceitos, justamente como os antigos, servirão de rédeas à grande massa destituída de pensamento. Mas, para esta ilustração, nada mais se exige do que a liberdade [...] (Kant, 1990, p. 02).
De certa forma, todos nós já passamos por essas inquietudes e reflexões – então, a novidade talvez esteja em pensarmos, avaliarmos, “o que fizemos”, “como” avançamos nessas condições[8]. Essa ponderação tanto se inclina a observar o papel social desempenhado pelo indivíduo (autoeducação política) quanto se materializa na transformação e no avanço social, agora na perspectiva coletiva trazida pela própria luta social pela descompressão. Vejamos um sentido a partir de um caso, uma relação, muito próxima de nós.
Um exemplo concreto
Jovens de 16 anos, autônomos (até mesmo para decidir sobre o voto facultativo), têm total controle sobre sua emancipação ou estão em desenvolvimento e formação?
Com mediações adequadas (boas, belas e justas – belas enquanto estéticas antirracistas), suportes inclusivos, conteúdos lastreados por paradigmas éticos e científicos (processo civilizatório), esses jovens estariam numa fase que podemos chamar de "mediação no processo de produção do conhecimento"?
Se sim, podemos pensar que estão relacionados com outros sujeitos do conhecimento, que estão inseridos em amplos processos de reflexão (e ação).
Contudo, ainda que autônomos e inseridos no processo de produção do conhecimento, podemos vê-los como sujeitos do conhecimento? Já são capazes (emancipados) de escolhas éticas e filosóficas acerca da própria vida?
Se sim, seriam sujeitos emancipados, porquanto já teriam alcançado a "maioridade moral" (Aufklärung)[9].
Se não, se ainda estão em processo de inclusão participativa no processo de produção do conhecimento (científico, filosófico e ético), é possível presumir que eles têm mais autonomia, mas não acessam plenamente o significado de Aufklärung (esclarecimento, Iluminismo, autonomia intelectual, ética, política). E, neste caso, como é que podemos dirigir a esses jovens (ainda não emancipados enquanto sujeitos do conhecimento) o "direito de livre escolha" acerca dos roteiros de conhecimento que se dirigem a eles, sob a forma de "itinerários formativos"?
A internet está recheada dos famosos coachs, pessoas que muitas vezes não têm conhecimento algum sobre determinado tema, mas ocupam lugar de destaque nas redes sociais dando conselhos, dicas e até cursos (pagos) sobre o tema em questão. A nova moda são os coachs mirins – crianças de oito, dez, doze anos que participam de podcasts falando sobre sucesso profissional, desenvolvimento pessoal ou dicas de negócios, empreendedorismo e enriquecimento. Há ainda as crianças que fazem interpretações conservadoras sobre a sociedade – mas não por uma convicção informada que as colocou nessa posição politico-ideológica, mas o contrário, por uma total falta de compreensão das teorias que envolvem os assuntos que abordam. A cereja do bolo foi a criança coach dizer que aprender Aristóteles ou sobre a Segunda Guerra Mundial não tem utilidade na vida cotidiana, aliás, a escola em si não teria muita serventia[10].
É justo o "direito de livre escolha e acesso" a conteúdos, significados, composições da práxis (reflexão e ação), se esses jovens não têm entendimento profundo? Ou é arriscar (em nome do neoliberalismo: autonomia sem emancipação) com suas vidas, seus conhecimentos e suportes ainda em fase inicial de formalização?
E mais, diante do contexto contemporâneo de extrema (vital) dependência do digital – que repercute, reproduz-se, no "servilismo empreendedor do famoso produtor/produto de conteúdo" (sic) – qual é a autonomia que tem sido produzida? Um jovem “influencer”[11] disse que não quer ir à escola aprender sobre a Segunda Guerra Mundial ou sobre o Sistema Solar, que se ele for à escola, será como professor, para ensinar os jovens a “ganhar dinheiro, faturar com o digital”. Ou seja, há uma identificação plena com esse "novo" escravismo.
No Brasil, a modernidade é continuamente desfeita pelo anacronismo e agora também recebe os impactos solventes do pós-moderno mundo digital. O servilismo digital – trabalhar de graça para o Google, por exemplo – é uma forma de digitalização do “pensamento escravista”: o racismo somado à exploração do trabalho análogo à escravidão.
É importante saber que 84% da população brasileira acessa à internet[12]. Existe uma diferenciação de classe nesse quadro, no qual as classes C, D e E registram menor acesso. Conforme a pesquisa Tecnologias de Informação e Comunicação Domicílios de 2023, 25% nas classes D e E compartilham a internet com vizinhos, o que denota barreiras à conectividade, sejam elas técnicas ou econômicas. Ainda: 26% dos domicílios com internet têm conexão com velocidade dos planos mais básicos (até 50 megabits por segundo), mas 27% não tinham banda larga fixa[13].
Voltemos aos jovens autônomos, mas não emancipados: são eles principalmente que são consumidores (e consumidos, por serem produtos) da internet. São eles que recebem os conteúdos – quanto mais fácil for a digestão da indigesta besteira oferecida, melhor a comercialização e maior e mais profunda será a colonização do servo feliz (ávido consumidor de tecnologias: todas elas). Não é possível nos livrarmos do digital e do servilismo voluntário e feliz: até na Lua tem Wi-Fi.
Fala-se de racismo algorítmico:
(...) para explicar como tecnologias e imaginários sociotécnicos em um mundo moldado pelo privilégio branco fortalecem a ordenação racializada de conhecimentos, recursos, espaço e violência em detrimento de grupos não brancos. Então, muito além dos detalhes das linhas de programação, falamos aqui da promoção e implementação acríticas de tecnologias digitais que favorecem a reprodução dos desenhos de poder e opressão que já estão em vigor (Batista; Silva, 2023, online)[14].
As tecnologias algorítmicas são construídas a partir de bases sociais que refletem estruturas patriarcais e coloniais, resultando em uma forma de inteligência artificial que, na prática, reforça opressões como o racismo estrutural. Ainda assim, essa inteligência é apresentada como imparcial, apesar de suas limitações e vieses.
O capitalismo de dados precisa criar youtubers em cada esquina – o produto é um click. O Brasil tem milhões de enganadores profissionais, além dos que investem na futilidade e na infantilização. Estamos diante de um pensamento escravista neoliberal, que prega autonomia, mas que embute um processo de negação e de exclusão.
A questão final, que traz um “que fazer”, nos leva a pensar uma educação que consiga competir com essa destruição digital da vida social, e que não separe autonomia de emancipação.
O que já sabemos, com séculos de antecipação, é que não é válida (é ilegítima) a escolha entre condições epistemológicas tão díspares entre si, como escolher entre robótica e sociologia, ética ou filosofia.
Reflexão: entre o passado e o futuro
Escrito em 1964 e 1968, no exílio (Chile), Pedagogia do Oprimido (Freire, 1985) é um livro ímpar, dentro e fora do seu tempo – e para nós pode figurar como uma leitura entre o passado e o presente. Quando escrito já retratava o passado brutalizado do país, que teimosamente se fazia presente no pós-golpe de 1964. Ali estão incutidas as formas mais perversas de negação, estranhamento e até o limite da chamada “crise ontológica”[15].
Todo ato de conquista implica num sujeito que conquista e num objeto conquistado [...] Desde logo, a ação conquistadora, ao “reificar” os homens, é necrófila [...] O antidiálogo se impõe ao opressor, na situação objetiva de opressão, para, pela conquista, oprimir mais, não só economicamente, mas culturalmente, roubando ao oprimido conquistado sua palavra também, sua agressividade, sua cultura (Freire, 1985, p. 165-175).
De lá para cá o Brasil conheceu a redemocratização, a Constituição Federal de 1988, a eleição direta para presidente, uma certa estabilidade institucional (institucionalidades democráticas), um golpe de Estado em 2016, a eleição do Fascismo em 2018. E neste ponto, além da reforma trabalhista de 2017, o passado-presente ou passado praticamente presente se encontra sempre com o passado que Freire denuncia: o passado brasileiro do golpismo, do servilismo, do negacionismo (nega-se o povo pobre e negro tanto hoje quanto na década de 1960 – e antes dela).
Com isso, é possível visualizar problemas estruturais, funcionais, como se o passado se eternizasse; entretando, junto a isso há o surgimento ou crescimento (exponencial) de desafios e dilemas que juntam novas pontas àquele passado. Hoje, temos em ação o pensamento escravista – racismo e “trabalho análogo à escravidão” – e um tipo de servilismo pós-moderno. No caso do pensamento escravista há instituições públicas atuantes todos os dias em seu desbaratamento, ainda que o volume do pensamento escravista seja alto demais. Mas, ao contrário disso, o servilismo pós-moderno cresce sem controle – uma vez que é capitalizado e estimulado, se pensarmos na terceirização, na uberização, na pejotização: tudo isso é extremamente útil ao neoliberalismo e utilizado pelo país afora.
Também devemos acrescentar a isso um tipo de servilismo voluntário, bastante fora do radar e que move a roldana mais rentável do capitalismo atual: na base das relações, condições de produção, está a financeirização do capital (todo o vasto sistema financeiro, incluindo o Banco Central), e em compasso de ação está a total digitalização da vida social e produtiva. Dessa digitalização integral – não há ilhas paradisíacas em que nos furtemos da modernidade – insurge outro fenômeno. Lembrando-se de que as condições, relações materiais de produção, fomentam subjetividades específicas; neste ano de 2024, ainda no início do século XXI, não só no Brasil, estranha-se o mundo do trabalho, a Polis, o espaço público, a sociabilidade, a empatia e, obviamente, refuta-se qualquer educação que aponte para a emancipação.
Autonomamente, seja como trabalho uberizado (“empreendedorismo” falsificado) seja como youtuber, há a mesma “sensação de liberdade” – tão livre que o Uber se livra dos direitos e das garantias fundamentais, assim como o youtuber se livra da própria noção de trabalho: se por trabalho entendermos a aplicação de energia em algo produtivo, que faça sentido para a sociedade, que lhe proporcione algum bem-estar, produto, serviço ou ideia (projeto) útil e transformadora socialmente – que é precisamente onde se encaixa a educação.
Se esta dimensão do trabalho é humanizadora, visto que nos coloca no centro da fabricação humana (sentidos, noções, projeções de nós próprios enquanto humanos), então, pela lógica, festejarmos o quanto mais longe estivermos da capacidade produtiva humana só nos distancia de qualquer projeto social que não beire à sociopatia. A cada clic que damos, alimentamos essa máquina moedora da humanidade: trabalhamos de graça para as Big Techs e para o mecanismo da terceirização e uberização da vida social.
Enfim, como pensar em emancipação se mal nos demos conta que, à nossa volta, vigora um tipo de autonomia que violenta integralmente a liberdade?
Tanto não temos autonomia (diante do esfacelamento das relações sociais protetivas) como também não temos liberdade, especificamente se pensarmos que servos voluntários (infelizes e aptos ao consumo intempestivo)[16] não são livres. Aliás, são parte da engrenagem, ou o próprio miolo dessas engrenagens, como miolo humano, em profunda negação de si e, pari passu, cristalizando-se “sua identificação” com o processo de alienação integral (desprovendo-se da humanidade).
Não há vítimas, há identificação com a precarização, com seus agentes, produtores e consumidores da negação que nos cerca. Isto é um pouco da subjetividade digital, em arranjo com a expropriação maior da vida social sob os tais “produtores de conteúdo” que capitalizam com a dessocialização imposta pelas redes antissociais.
E também pode-se dizer que esse escrito seja a Cosmovisão (visão de mundo) de quem nasceu e cresceu no mundo analógico – em que as relações, condições materiais de produção tinham outras implicações na formulação das nossas subjetividades.
O futuro, é claro, dependerá do quanto mais essas formas antissociais (tecnológicas, financistas e de produção de clics) se aprofundarem ou, sob algum movimento de controle social que se projete em emancipação (saindo do julgo da negação), anunciarem uma reviravolta – o segundo ponto parece o mais distante. Se isto vier a se concretizar, por fim, pode-se afirmar que o futuro é o presente potencializado em negação. Dizemos que o “futuro é” e não “o futuro que será” porque suas potencialidades de negação estão por demais presentes.
Não é difícil afirmar que não há emancipação sob o reino da negação. Ou seja, o desafio não é mais forjar uma educação para a emancipação, os golpes institucionais já produziram todo o efeito possível em termos de autonomização, esfacelando-se o ser social.
Toda condição, relação material tem/produz sua subjetividade, e a nossa é essa: extrema (vital) dependência dos mecanismos que gerem o "servilismo empreendedor do famoso produtor/produto de conteúdo".
O menino que abandonou a escola, por não ver uma renda direta saindo dali, aquele que não via importância em Aristóteles ou na história de uma grande guerra mundial, é só um exemplo da "subjetividade digital" – venda-se e fique rico. Ou seja, há uma identificação plena com esse "novo" escravismo. Para o lugar da "alienação" sugere-se trocar por identificação.
Desse modo também há estranhamento, mas não é em relação às condições de trabalho (empreendedor de sucatas), mas sim "estranhamento com quem trabalha" (chamado ostensivamente de otário, porque trabalha).
Também temos aí algum insumo pra pensarmos que está furtada a tese de que "a educação é um elevador social". Por isso também é possível dizer que não há emancipação, mas sim apenas autonomia.
Portanto, parece-nos, o enorme desafio, como Utopia frente à desconstrução social, cultural, política e ambiental, está em enfrentar, desbaratar e propor um “que fazer?” que seja capaz, eficiente, de demover as distopias atuais – essas mesmas que são ofertadas “gratuitamente” pelos “produtores de conteúdos antissociais”.
De modo pragmático, pode-se entender a tentativa de golpe de 2022 como a somatização de processos disruptivos, distópicos, civis e militares, dentro e fora do Estado, ilegais e ilegítimos, que fizeram uso extensivo das tecnologias de comunicação, promovendo-se exaustivamente, massivamente, maciçamente, as redes antissociais. Por isso, antes de concluirmos, trazemos aqui um breve recorte dessa tentativa de golpe institucional.
Quando o Estado de Sítio é golpe
A intenção, a formulação de uma minuta de Estado de Sítio é a carta clara do golpista. Se não há anormalidade institucional, se vigem as regras fundamentais do Estado Democrático de Direito, formular-se uma minuta de Estado de Sítio é uma confissão de culpa, uma declaração clara de quem se propõe a gerar uma crise institucional para “vender” a fórmula salvadora do Estado de Sítio. No popular, equivale a gerar uma crise para aparecer como salvador: o autor da crise se coloca como maior beneficiado da própria crise que gerou.
O Estado de Sítio é uma defesa democrática, das instituições democráticas – e não um ato golpista –, quando o instituto do artigo 137 da Constituição Federal de 1988[17] é utilizado para impactar uma profunda crise social em andamento, sistêmica, tanto quanto a ameaça ou declaração de guerra por outro Estado.
Se o governante é o autor da crise que ele mesmo se propõe a debelar, é óbvio, que está agindo contra o Estado Democrático de Direito e não em sua defesa. Se essa for a defesa jurídica do autor da crise, por consequência, ele mesmo não pode ser levado à condição de gerenciador da crise. Esse governante é a crise, e não só seu autor.
Imaginemos que uma empresa da indústria farmacêutica – ou um governo – viesse a criar em laboratório uma doença, com efeitos proporcionais a uma pandemia (como tivemos com a COVID-19) – e, em seguida, ofertasse à população, ao seu governo e a outros países, uma cura milagrosa. Na metáfora, o que se praticou no país foram tentativas de Golpe de Estado – não foi apenas uma.
Neste sentido, ainda há que se lembrar que não se trata de mera intenção, planejamento formal, hipotético – não é um exercício especulativo –, mas, sim, um ato declaratório de quem conspira pelo golpe. Os crimes envolvidos são de organização criminosa, (ação para a) Abolição violenta do Estado Democrático de Direito (artigo 359 L do Código Penal), (tentativa de) Golpe de Estado (artigo 359 M do Código Penal). Além dos fatos que estão em andamento junto à Polícia Federal, some-se a intentona terrorista do 8 de janeiro de 2023, em que não somente se planejou a derrubada violenta dos poderes democráticos legitimamente constituídos, como, acima de tudo, colocou-se o terrorismo político-institucional em funcionamento.
Por isso também podemos/devemos pensar a educação como uma série de procedimentos, epistemologias, conhecimentos humanizados (e técnicos) contra as formas anunciadas de golpismos. A educação seria, assim, um remédio, um contragolpe – antes que o golpe se projetasse.
Luta pela emancipação
Como visto, a luta pela emancipação se oferece na indignação, isto é, na consciência acerca da ausência da mesma emancipação requerida. Indignação que se coaduna com a consciência, ainda que incompleta, se pensarmos que nem todas as condições e circunstâncias da opressão (ausência total da emancipação) estão claramente avizinhadas e compreensíveis de imediato – a exemplo das forças, movimentos, lógicas que se projetam na sociedade capitalista.
A luta pela emancipação corrobora o fato de que, mais ou menos concomitantemente, dá-se início também a um processo de reconhecimento. A indignação nada mais é do que o reconhecimento de condições de sujeição abjetas, indispostas à condição e à dignidade humana. Neste sentido, a luta pela emancipação equivale à consciência da indignidade humana e, em consequência, constitui um elemento da luta pelo reconhecimento, seja individual, dos direitos e das garantias essenciais, dos espaços de manifestação e afirmação cultural, seja social – requerendo-se formas de sociabilidade dignificantes –, política e econômica.
É este sentido inicial de emancipação que a faz equivaler à necessidade de afirmação, libertação, da retirada do jugo, da tutela, do domínio inconcebível – “eximindo-se do pátrio poder ou da tutela” (Cunha, 2010, p. 239). O exemplo mais simples traz o jovem que quer se emancipar do poder exercido pelos pais, sobre ele, ou ao completar 18 anos e iniciar uma fase da vida adulta em que será responsável por suas ações.
No sentido mais propriamente político, a emancipação – como luta pelo reconhecimento dos direitos e da dignidade humana – congrega, ainda que gradativamente, parcelas de autonomia, de criações ou de exigência na abertura dos campos de decisões e de ações, isto é, de uma consciência progressiva sobre tudo o que está relacionado ao poder, à política, às formas prevalecentes de organização social.
As decisões e ações apropriadas, quer dizer, conscientes de seus efeitos e circunstâncias mediatas e imediatas não só remetem à racionalidade crescente (elaboração, estratégia), como também nos direciona ao sentido do senso crítico. Neste caso, o senso crítico iniciado na fase da denúncia contra a indignidade se avoluma, transforma-se, em senso crítico que, ao pensar sob os códigos da “reflexão/ação” (medir o que fazer, adequar meios a fins), e consequentemente, consegue-se ultrapassar a limitação da indignação e da denúncia, sob a forma de proposição de um “que fazer”. Esse “que fazer” estruturado, escalonado em esforço estratégico (tático) indica uma espécie de encontro entre o senso crítico (“como fazer”) e a práxis (“que fazer”).
Considerações finais
Para efeito didático, separamos em dois grupos de ações ou inações: o servilismo voluntário (próprio das redes sociais) e o servilismo involuntário – que, para efeito de acentuar a distinção, denominamos de opressão. As inações, sempre sob o efeito da declinação da vontade, revestem-se de abstenção, a declinação propriamente dita, a inércia, a recusa como omissão proposital.
Desse modo, o contrário da emancipação é a submissão/opressão, que, quando consentida, é servilismo e, quando imposta (sem consentimento) é uma nítida opressão. Também vemos o resultado em dois verbos de movimento: emergir ou submergir. Emergir ou fazer emergir a consciência sobre a opressão (servilismo involuntário) ou submergir, conscientemente ou não, como fator inerente da opressão (no caso do servilismo consentido, o "servo voluntário")[18].
É neste sentido que educação significa autoeducação (autocompreensão) e, assim, educação significa civilização: consciência que se tem para a civilidade (ou ainda não). Portanto, a pedagogia do oprimido não é para ele/a, mas dele/a: autoconfirmação responsável, autoconfirmação libertária (emancipação com vistas à interação social). Um método de educação política que combinaria ação, decisão, compromisso (reflexão/ação).
Referências
CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro, Lexikon, 2010.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 14. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2021.
FREIRE, Paulo. Política e Educação. São Paulo : Cortez, 2024.
LA BOETIE, E. Discurso sobre a servidão voluntária. Lisboa-Portugal: Edições Antígona, 1986.
MARTINEZ, Vinício Carrilho. Necrofascismo: Fascismo Nacional, necropolítica, licantropia política, genocídio político. Curitiba: Brazil Publishing, 2022.
MARTINEZ, Vinício Carrilho. A destruição da política: a sociedade de controle entre a pandemia e o pandemônio político. Campina Grande: EDUEPB, 2023. Disponível em: https://zenodo.org/records/8298411.
MARX, Karl. Formações Econômicas Pré-capitalistas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
KANT, Immanuel. Resposta à pergunta: o que é o iluminismo. In: Kant, Immanuel. A paz perpétua e outros opúsculos. Lisboa: Edições 70, 1990. Disponível em: https://www.uel.br/cch/his/arqdoc/kantPDEHIS.pdf. Acesso em 05 nov. 2024.
[1] É preciso de um pouco de cautela nos paralelismos históricos e desse modo haver um cuidado ao associarmos o golpe de 1964 às várias tentativas de golpe transcorridas no pós-2016. O impeachment de 2016 (sem autoria e materialidade) foi um Golpe de Estado, assim como as tramas golpistas reveladas pela Operação Contragolpe da Polícia Federal (em novembro de 2024) que levou à prisão de quatro militares, sendo um general. Porém, o escopo, propriamente militar, do aparato militar empregado agora não é o mesmo, bem como o impeachment de 2016 não teve conteúdo militar – e ainda que 2016 seja responsável por 2018 (eleição do Fascismo Nacional) e por 2022/2023: com a culminância no famigerado 8 de janeiro de 2023, a intentona terrorista. Além desse mapa geral, em 2017, podemos ver um prefácio de Terrorismo de Estado, com ameaças institucionais a docentes e reitores de universidades federais, chegando ao cúmulo do suicídio provocado em Santa Catarina. Por isso, se contabilizarmos 2013 (revolução colorida infanto-juvenil), a formação do movimento MBL, é preferível anotar as movimentações reacionárias pela angular dos laivos do Fascismo Nacional, em que ainda se adaptam as guerras híbridas, pautadas na conhecida Operação Lava-Jato, depois em 2016, e a necropolítica assanhada pelo racismo policial – absurdamente letal contra o povo pobre, negro e oprimido. Ao final traremos uma breve reflexão sobre outros aspectos jurídicos referentes à tentativa de golpe de 2022.
[2] Sob a interpretação estapafúrdia, golpista, favorecida pela péssima redação conferida ao artigo 142 da Constituição Federal de 1988.
[3] “Que mais é preciso para possuir a liberdade do que simplesmente desejá-la?” [...] Tomai a resolução de não mais servirdes e sereis livres” (La Boétie, 1986, p. 26-29).
[4] Para combater a tirania, não é preciso combater fisicamente, bastaria não ceder: “Não é necessário tirar-lhe nada, basta que ninguém lhe dê coisa alguma. Não é preciso que o país faça coisa alguma em favor de si próprio, basta que não faça nada contra si próprio” (La Boétie, 1986, p. 25).
[5] “Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais” (grifo nosso). O artigo ainda nos revela o teor das cláusulas pétreas, que são regras impeditivas de se alterar a Constituição de 1988 em alguns aspectos essenciais. Uma dessas cláusulas impeditivas refere-se ao voto livre como substância da soberania popular.
[6] No entanto, em muitos casos, não somente os fatos centrais estão obscurecidos como a disputa semântica almeja uma importância suplementar. Lembrando-se, ainda, que as narrativas costumam conter ilações, além de suas retóricas impressionistas: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2024/11/escravo-ou-escravizado-o-debate-que-reflete-mudanca-de-como-brasil-enxerga-a-escravidao.shtml. Acesso em 21/11/2024.
[7] “É o uso da liberdade que nos leva à necessidade de optar e esta à impossibilidade de ser neutros” (Freire, 2024, p. 82 – grifo nosso).
[8] “A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao desvelamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura de esclarecimento, como sinal de atenção que sugere alerta, faz parte integrante do fenômeno vital. Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos” (Freire, 2021, p. 33 – grifo nosso).
[9] Kant (1990) definiu o Iluminismo como a saída do ser humano do estado de não-emancipação: não-emancipação como sendo a incapacidade de fazer uso de sua razão sem recorrer a outros, condição própria do aneu logou, daquele que é tutelado. Para Kant, têm-se culpa na não-emancipação quando ela não advém de falta da razão, mas sim da falta de decisão e de coragem para usar-se da própria razão sem as instruções ou ordens de outrem. Daí que a maioridade só advém com o Sapere aude! (ouse saber!): “Age sempre de maneira a tratares a humanidade em ti e nos outros sempre ao mesmo tempo como um fim e jamais como um simples meio" (segunda regra).
[10] Não divulgarei o canal de nenhuma dessas crianças e jovens, simplesmente para evitar dar engajamento a esse tipo de conteúdo. Mas, uma busca breve na internet mostra muitos desses conteúdos.
[11] É de se destacar que muitas dessas falas ocorrem em podcasts em que não se vê o entrevistador, apenas o entrevistado no microfone, o que levanta questionamentos sobre a veracidade da entrevista. Pode-se tratar, apenas, de um jovem falando em um microfone sozinho em casa, respondendo perguntas que fez para si mesmo.
[12] Disponível em: https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2024/10/31/acesso-a-internet-em-20-anos-pesquisa-tic-domicilios-2024.ghtml. Acesso em 03 nov. 2024.
[13] Disponível em: https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2023/11/16/acesso-a-internet-cresce-no-brasil-e-chega-a-84percent-da-populacao-em-2023-diz-pesquisa.ghtml. Acesso em 03 nov. 2024.
[14] Disponível em: https://cee.fiocruz.br/?q=Tarcizio-Silva-O-racismo-algoritmico-e-uma-especie-de-atualizacao-do-racismo-estrutural. Acesso em 03 nov. 2023.
[15] O estágio de negação é tão absurdo, impactante, profundo, que, pode-se dizer, desfaz-se a consciência do ser social. O indivíduo não apenas duvida da sociabilidade, “estranhando por completo as relações sociais”, como duvida de sua própria existência. Não sabe o nome, quem é sua família, de onde veio, mas, acima de tudo, duvida que seja um ser humano razoável.
[16] A exemplo dessa análise da filósofa Marilena Chauí, em que as redes antissociais são a catapulta da formação de uma subjetividade em que se perde o tempo e o espaço nas relações sociais: https://www.instagram.com/reel/DCrH05tOLJi/?igsh=MTFuamExejVmd3hkbA%3D%3D. Acesso em 24/11/2024.
[17] “Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de: I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa; II - declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.
Parágrafo único. O Presidente da República, ao solicitar autorização para decretar o estado de sítio ou sua prorrogação, relatará os motivos determinantes do pedido, devendo o Congresso Nacional decidir por maioria absoluta”.
[18] É claro que o servilismo traz opressão, mas o diferencial está no consentimento ou no uso da força física ou “irresistível coerção moral”, a fim de se obter a sujeição.
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