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Vinício Carrilho

Minas Gerais flerta com o crime de sedição - Ação institucional contra o Pacto Federativo


Minas Gerais flerta com o crime de sedição - Ação institucional contra o Pacto Federativo - Gente de Opinião

Vinício Carrilho Martinez (Dr.) – Cientista Social

Professor Associado IV da UFSCar

https://youtube.com/c/ACi%C3%AAnciadaCF88

 

 

A proposta do governador de Minas Gerais não só é inconstitucional – por atentar contra o Pacto Federativo – como flerta com o crime de lesa pátria, pois, a proposição de uma frente Sul/Sudeste fere ab ovo o prefácio e o artigo 1º da Constituição Federal de 1988: a República Federativa do Brasil. Ataca de frente o Estado Federativo e, com essa proposição, acena com a secessão territorial/institucional e traz uma séria ameaça da exclusão de regiões inteiras do país, concomitantemente à tentativa de emplacar o inexistente direito de sedição – daí o crime de lesa pátria.

O governador mineiro não propõe um consórcio, como no Nordeste – especialmente contra a política do Executivo defenestrado em 2022, de não-comprar vacinas contra a COVID19 –, uma vez que o governador propõe um verdadeiro racha no país: norte e sul. Essa proposta foi gestada depois da aprovação da Reforma Tributária pela Câmara Federal.

Isso também ocorreu em meio à lembrança, que lhe é cara, de que o Nordeste foi quem retirou do poder o mito que servia de guia. Por esse espólio da política reacionária, brigam diretamente os governos do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo. Até o deputado federal Aécio Neves, um proponente antecipado dos ataques às urnas eletrônicas, quando saiu derrotado pela ex-presidenta Dilma (2014), atentou para o perigo sedicioso do atual governador de Minas Gerais.

O crime de lesa pátria, evidentemente, é um atentado ao Estado Democrático de Direito (previsto no Código Penal) e assim deveria ser tratado. Não se trata somente de proposta política anacrônica, racista, como se fosse algo comum na seara política; trata-se de uma proposta real que namora de perto com o crime de sedição (separação geográfica do país) e que, com êxito, levaria ao desmembramento nacional. Exemplo histórico e retumbante da Guerra dos Farrapos.

O Brasil, notadamente desde 1988, é uma República Federativa, com o suporte principiológico do Estado Democrático de Direito, e isso pressupõe aderência inquestionável aos princípios da República e da Federação. Qualquer violação ou tentativa de violação desses princípios comunga com crimes contra o Estado e contra a Nação.

A primeira leitura que se faz do Estado Federativo é consoante à regra básica da União Federativa: a unidade nacional, territorial e política. A Federação, por sua vez, tem referências distintas entre os Estados e suas construções nacionais, como veremos em poucos exemplos:

FEDERAÇÃO: é uma união ou associação de Estados que mantém unificada a soberania no plano externo, mas com doses diferenciadas de autonomia interna (comparativamente, entre Brasil e EUA, por exemplo). De todo modo, os Estados-membros têm seus poderes, direitos e deveres prescritos e delimitados por uma Constituição Federal. Entre 1871-1918 alguns Estados do Império Alemão (Baviera, Saxe) possuíam o direito de legação ativo e passivo[1]. Até hoje os Cantões suíços podem estabelecer relações comerciais com outros Estados soberanos.

O Brasil é originário de uma formação típica, do ponto de vista institucional e, ainda mais em razão disso, não admite qualquer proposição de sedição territorial.

 

Formações típicas e atípicas do Estado

 

Pode-se dizer que há formação de Estados seguindo fórmulas típicas e atípicas (DALLARI, 2000). O Estado Moderno, por exemplo, é uma típica formação do Poder Político:

a) Forma típica: Na formação típica há a união de Estados ou o desenvolvimento posterior de certa sociedade, até atingir a forma de uma Federação, a exemplo dos EUA. De certo modo, também pode ser por desdobramento ou derivação de um Estado anterior, a diferença é que, neste caso, a origem do novo Estado será o Estado antecedente e não propriamente a associação voluntária entre pessoas e grupos. Nota-se facilmente que há maior constância de fatores observáveis, e que os casos são mais rotineiros. Portanto, há maior possibilidade dessas formas de Estados se desenvolverem. Trata-se da criação de uma organização unitária com autonomia local.

b) Formas atípicas: Já as formas atípicas, como o próprio nome diz, não são comuns e nem o desdobramento das funções públicas desses Estados é rotineira ou facilmente catalogada. Temos como exemplos diretos os casos do Estado de Israel e do Estado do Vaticano: ambos com a 2ª Guerra como cenário político.

 

Corpus teórico

- sempre vale a pena ler de novo (MARTINEZ, 2013)

           

Nessa altura do campeonato, seria muito oportuno ao país todo que os assessores jurídicos do governador de Minas Gerais lhe abastecessem de algumas lições do primeiro ano do curso regular de Direito.

Sinteticamente, podemos definir a Federação como sendo a união indissolúvel entre Estados-Membros independentes e autônomos, mas não soberanos, e capaz de gerar e guiar-se por um governo comum voltado à República, à preservação das coisas de todos, em que a União é ente federativo (art. 1º, caput, CF88). E por Estado Federal entendemos a forma de Estado em que o poder é essencialmente público e submetido à eletividade, transitoriedade e, por sua vez, é capaz de constituir (política e juridicamente) uma efetiva responsabilidade administrativa e política (competência e probidade). Em suma, de acordo com Dallari (2000), são oito as características que compõem e conformam a Federação e devem constar da Constituição. Na Constituição brasileira, é sabido que a Federação é definida como cláusula pétrea (defendendo-SE a forma de Estado contra reformas ou atentados constitucionais, estando acima das vicissitudes políticas). Por seu turno, essas características da Federação foram assim resumidas por Pinho (2002):

1ª) a união faz nascer um novo Estado; 2ª) a base jurídica da Federação é uma Constituição e não um tratado; 3ª) não existe o direito de secessão; 4ª) só o Estado Federal tem soberania, pois as unidades federadas preservam apenas uma parcela de autonomia política; 5ª) repartição de competências entre a União e as unidades federadas fixada pela própria Constituição; 6ª) renda própria para cada esfera de competência; 7ª) poder político compartilhado pela União e pelas unidades federadas; 8ª) o indivíduo é cidadão do Estado Federal e não da unidade em que nasceu ou reside (p. 02 – grifo nosso).

 

O que o (e)leitor não visualiza de forma clara ou mais precisa neste resumo das características é justamente o significado e alcance político e cultural que queremos ver florescer nas sociedades de orientação republicana e democrática. É fácil perceber a dimensão técnica com que se trata o poder e sua organização e distribuição nessa forma de Estado, mas é igualmente visível que se dá pouca atenção à cultura política. Aliás, esse é um dos graves problemas notados em manuais, pois, se são técnicos, raramente são dotados de análise e crítica política aprofundada[2]. Então, do que trata realmente a crítica apontada ou, mais especificamente, do que se trata quando se aborda o Estado Republicano? Talvez seja desnecessário dizer, mas ainda acentuamos que sem essa base em que se assenta a cultura política democrática e republicana (com forte presença, apelo e incentivo à educação popular) não há que se falar em República, Federação ou democracia.

 

República Federativa

 

A República, a Federação, a constitucionalização do Estado e da política, bem como sua forma, estrutura e dimensionamento no regime democrático estão amparados, basicamente, pelos mesmos documentos históricos, ou seja, aí estão as primeiras declarações de direitos humanos. Essas Declarações refletem um largo e longo período histórico iniciado na Revolução Gloriosa (Bill of Rights) e que perdura até hoje, pois que ainda é urgente a defesa dos direitos políticos, a defesa do direito à política (como prerrogativa democrática de se inteirar e de participar dos assuntos do Estado). Essa defesa política, pública, e também afirmativa da Vontade de Constituição, como diz Hesse (1991), por sua vez, constitui um grande veio dos direitos humanos tendentes ao controle, cerceamento, limitação e regulação do próprio Estado e dos poderes dele derivados. De forma conclusiva, ainda podemos dizer que essa ideia da auto-organização política (como princípio da democracia radical) configura e sintetiza esse plano dos direitos humanos efetivamente como direitos políticos e democráticos. Essa questão só se configura se analisarmos mais detidamente o Estado e a própria participação coletiva na definição dos assuntos de Estado. Vale dizer que se trata do espírito público nutrido no interior da cultura política do povo e que se define num mínimo de convivialidade pacífica e necessária ao Estado de cunho popular. Enfim, concluiremos com um pensamento acerca das bases da República.

  • República Federativa é uma aliança política, institucional cultural[3] e administrativa de caráter permanente ou união indissolúvel entre Estados-Membros interdependentes (respeitando-se a repartição de competências ou divisão de funções, assegura-se a autonomia política, mas não a soberania, pois, não se reconhece o direito de secessão), sendo capaz de gerar um governo comum e que resulte da defesa e da preservação das coisas comuns a todos (portanto, voltado à República) e, assim, também definida como esfera de poder (a União é ente federativo junto com Estados, Distrito Federal e Municípios) em que o próprio poder político é compartilhado (pela União e pelas demais entidades federadas) e, por isso, são asseguradas algumas fontes de rendimento próprio para cada esfera de competência, assegurando-se os princípios da cidadania democrática (sendo a cidadania sempre definida em relação ao Estado Federal, como direito de nacionalidade, e não em razão da localidade apontada como de nascimento, residência ou domicílio).

 

Estado Popular e Democrático

É fácil notabilizar a importância que a democracia alcança nesse contexto, e de que se trata da democracia popular. Portanto, daqui por diante, procuraremos analisar algumas conexões entre Federação e República (enquanto formas democráticas de governo) e que se interligam, de forma lógica e decorrente, ao significado de povo e de cultura política. Antecipadamente, podemos dizer que povo é mais do que um simples conjunto de eleitores, pois ele, o povo, é o verdadeiro e real produtor da política, o articulador e detentor legítimo do poder constituinte (na origem, um poder popular e revolucionário). Trata-se de uma delimitação e definição política de maior amplitude porque incorre na necessidade de se investigarem e analisarem os substratos da própria cultura política. No caso brasileiro, não raramente, infelizmente, as próprias instituições republicanas, são invocadas para abalar e agir contra a própria República.

 

Violência Inconstitucional

 

Especificamente para o caso em julgamento, do Governo de Minas Gerais, retomar uma decisão de 2006 serve de itinerário nesta causa. Pode inicialmente ser tratado como a manifestação inequívoca da soberania interna, a exemplo do que aferimos neste julgado em Ação Civil Pública:

RECURSO DE REVISTA RR 86 86/2006-653-09-00.0 (TST)

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - GARIMPAGEM CLANDESTINA - LIMINAR - CUMPRIMENTO PELA UNIÃO FEDERAL - PODER DE IMPERIO.

1- Lídima a decisão judicial que determina à União Federal, no âmbito de sua competência, cumprimento, no prazo nela estabelecida, de liminar deferida a terceiro em Ação Civil Pública por deter intransferível poder de império. (grifo nosso)

 

O Poder de Império mostra-se sui generis, e como tal, representa a capacidade de o Estado impor soberanamente sua vontade com vistas a atender ao interesse público. Segue-se, assim, a teoria finalista do Estado e subsidia o ato administrativo. A doutrina tradicional destaca como atributos do ato administrativo:

a)    presunção de legitimidade e veracidade

b)    auto-executoriedade

c)    imperatividade

 

O Estado age com Poder de Império quando impõe seus atos administrativos a terceiros, independentemente de sua vontade. Por seu turno, autoriza-se/legitima-se esta capacidade de imposição unilateral da vontade do poder público por meio do Poder Extroverso.

 

Das breves considerações finais

Por fim, é bom rememorar, o governador de Minas Gerais flertou com o crime de sedição, propondo exclusão geográfica/territorial e institucional e, obviamente, exclusão social/cultural entre o povo brasileiro.

Seria bom que sua assessoria jurídica lhe informasse disso, em razão de nossa estrutura ser ordenada pela soberania e pelo Princípio da Federação (art. 1° da CF/88), afinal, não se admite o direito de sedição, ou seja, o Estado-membro não tem o direito de se separar da União, do todo, devido ao pacto federativo firmado com a força do Poder Constituinte – como se viu na tentativa frustrada da Guerra dos Farrapos. A proposição atinge, igualmente, o cerne de estabilidade do Estado-Nação (MARTINEZ, 2015).

 

Referências

 

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 21ª ed. São Paulo : Saraiva, 2000.

PINHO, R. C. R. Da organização do Estado, dos poderes e histórico das constituições. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre : Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Teorias do Estado: metamorfoses do Estado Moderno. São Paulo : Scortecci, 2013.

_____ Teorias do Estado: Estado-Nação - Conceito e História: Densidade Cultural, Cultura e Nação. São Paulo : Scortecci, 2015.

 



[1] O direito de legação ativo implica em enviar representante diplomático, bem como o direito de legação passivo (recebê-lo), é exercido por meio de observadores autônomos do Estado soberano.

[2] A seu modo, Dallari (2000) sempre desenvolveu uma crítica refinada sobre o Estado moderno.

[3] Por aspecto cultural do espírito público, por exemplo, tome-se a maior ou menor resistência ou então tolerância ao abuso de poder e à corrupção – o que expressa uma menor ou maior identidade em relação ao interesse público.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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