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Vinício Carrilho

Para uma Educação Política


Para uma Educação Política  - Gente de Opinião

Vinício Carrilho Martinez (Dr.) – Cientista Social

Professor Associado IV da UFSCar

 https://youtube.com/c/ACi%C3%AAnciadaCF88

Ainda é possível falarmos de Educação Política?

Em meio ao “novo” ensino médio (2017), fruto do Golpe de Estado de 2016 (Martinez, 2019), particularmente, levaria a discussão da política para dentro da escola – especialmente a escola pública. 

Na primeira aula, a primeira pergunta que faria aos estudantes é: “O que vocês entendem por ou sobre política? O que é política?”.

É claro que as respostas não são simples e me diriam, imagino, que política é sinônimo de corrupção. No que não estão errados, pois basta-nos ligar a TV para saber disso. Porém, a questão é que aqui vê-se apenas a política institucional, quando deveríamos observar que todas as relações sociais são politizadas. Escolher esse tema para uma aula já é fazer política. Simplesmente porque retiramos o véu da aparência, delatamos o esconderijo da “neutralidade” em educação, e apresentamos o ser social como um animal político.

Cada estudante poderia criar seu manual de política[1], como se estivesse conversando com seus colegas, seus pais ou seus empregadores – especialmente se estes não forem muito adeptos da isonomia, da equidade, da dignidade humana.

Num outro sentido, mais orgânico, também poderíamos pensar que esse conteúdo nos conduziria a um tipo de Educação Política. Partidos políticos, movimentos sociais, sindicatos, associações, promovem seus cursos de formação política. No entanto, nós faríamos nosso curso dentro da sala de aula, a partir da realidade em que nos encontramos e teríamos melhores governantes – inclusive com jovens cidadãos governantes (Canivez, 1991). 

Outra lição essencial nos levaria a pensar e discutir a contemporaneidade do chamado Monopólio do uso legítimo da força física (Weber, 1979), portanto, da


[1] file:///C:/Users/Lenovo/Downloads/Manual-de-autoajuda-politica%20(1).pdf, acessado em 24.07.2023. 

relação Estado/Direito – e, de quebra, entraríamos no debate atual das Guerras Híbridas (para além da guerra assimétrica ou guerra civil) e da mais famosa tese sobre a “desmilitarização das polícias militares”. Entraríamos decididamente no palco do necessário desarmamento da sociedade civil. 

A quem serve discutir isso? Interessa sobremaneira às periferias do capitalismo, exatamente porque as ações violentas do Estado são seletivas, racistas, elitistas.

Com certeza, teríamos muitas respostas a esse convite; saberíamos que a própria escolha dos temas já indica sua finalidade, que os fins estão contidos nos meios, por exemplo. Chegaríamos à conclusão antecipada que a violência social, a “brutalização do convívio social”, derivam diretamente ou são alimentadas pela intolerância provinda dos discursos e das práticas de ódio social. Por outro lado, ao contrário disso, também poderíamos perguntar:

Por que escolhemos o trio democracia, cidadania e governo? 

Há muitas formas de se responder à questão, e aqui teremos um caminho possível. Podemos pensar que é o principal triunvirato da política? Sim, se não esquecermos que há muitos outros elementos subsumidos em cada um deles.

De certo modo, temos aí o centro das questões mais importantes e que, por si, nos levariam à Política – o espaço público vivenciado, refletido, construído, com mais ou menos consciência política, sob menores ou maiores efeitos ideológicos, pondo-nos mais ou menos distantes do próprio realismo político e mais ou menos indefesos ao idealismo. Portanto, sempre haverá uma disputa entre o real e o ideal, entre “o que é” e “o que deveria ser”. 

Em decorrência disso, democracia, cidadania e governo não são conceitos ou sentidos autoimunes; pelo contrário, são termos carregados de construções, idealidades, sínteses. Tanto quanto nos remetem ao Estado, à sociedade, ao povo. 

Perguntemos: há um povo brasileiro? Sim e não. Se pensarmos em termos de Estado Nação não temos povo: não temos unidade na densidade cultural. No entanto, se pensarmos nas mazelas morais e culturais talvez fique mais fácil desse “povo” ser identificado: lembremos que nossa principal característica, a criatividade, é, comumente, associada a algum tipo de desvio padrão, regular, consistente, comum a todas as classes, estratos e grupos sociais

Como é a sociedade brasileira? É racista, é iluminista, é fascista? Entre a idealidade e o chamado “realismo político”, como é organizado o Estado brasileiro? 

No que se refere às instituições, tomemos apenas o Estado Democrático de Direito como premissa. A princípio, essa forma-Estado não se reduz a uma fórmula vazia e por isso requer constante vigilância para que seus efeitos positivos possam ser alcançados. Ou seja, é necessário buscarmos apoio em muitas outras acepções políticas, sociais, culturais. 

Além disso, é preciso que reforcemos a matriz jurídica em que a vida social se desenrola – para somente assim falarmos novamente em democracia, cidadania e governo. Porque é por onde passam tanto a vida pública quanto a vida comum do homem médio.

É preciso saber desde logo que o Estado Democrático de Direito é um conjunto muito amplo e muitas vezes espesso, sendo impossível definir em poucas linhas. Portanto, o acréscimo de características e de institucionalidades (ou direitos e garantias) sempre será um recurso útil à compreensão e ao aprendizado, como verificamos nas interfaces entre democracia, cidadania e governo

Esse trio, por sua vez, não é tão simples de ser configurado – sempre teremos aspectos conceituais e práticos a considerar e as suas próprias relações com direitos, garantias e liberdades. O que também nos traria outro tripé que se somaria à democracia, cidadania e governo: isonomia, equidade, responsabilidade social. Porém, na história política e na vida social de todos nós, os enlaces não são simplificados, sempre trazem novas composições. 

O Estado de Direito, por sua vez, nos leva a pensar numa tríplice aliança entre direitos fundamentais, Império da lei e separação dos poderes e isto, por sua vez, nos conduz a outro trio: República, instituições e regulações. A própria discussão sobre a República nos obrigaria a rever as principais questões acerca da Federação e ambas, em sua síntese (República  Federativa), nos levaria a rediscutir as muitas interfaces entre governo, governabilidade e governança. Contudo, não se conclui assim, uma vez que estamos falando de organismos sociais e institucionais que se desenrolam entre autonomia, soberania e gestão.

É claro que estamos desenrolando o novelo de mais três órbitas políticas, que seriam reconhecimento, garantias e promoção da cidadania, dos direitos e das próprias liberdades. Isso tudo nos levará a formular mais três óticas, afinal, falamos em condições, inclusão e responsabilidade

Tudo isso se governa, correto? Mas, como se governa? Quando se responde o “como se faz” já se informa “quem”, “onde”, “para quem” e “porquê” se faz ou deixa de fazer. Governamos com mais ou menos inclusão e participação. Governamos para todos, para alguns, para poucos, com mais ou menos concentração de poder? E o que é poder, trata-se de potência, força, facticidade?

Com isto em mente, podemos utilizar outras três chaves para avançar neste mosaico político e social: liberalismo, socialismo ou socialdemocracia. Nossa sociedade é mais conservadora, liberal ou reacionária? Antes das respostas, o fato de pensarmos nisto nos conduziria a outras três variáveis: sociedade, indivíduo e controles sociais. Por sua vez, reinstituiríamos mais três condicionantes: relações sociais, poder e participação.

Por fim, sempre cabe perguntar: na sociedade brasileira como se articulam liberdade, igualdade e formação social?

Quando falamos em política ou Política (espaço público), ainda nos cabe indagar se tomamos as centralidades ou as periferias, as dualidades ou as sínteses, a essência ou as aparências. 

É assim que os triunviratos da política poderiam/deveriam ser investigados, entre o conceito e a realidade, e sempre tendo-se em conta que formulamos com base na educação, no conhecimento e na Ciência.

Também leria/apresentaria clássicos da Ciência Política, como Maquiavel (1979), Hobbes (1983), Rousseau (1988), Weber (1979), Marx (1978), Gramsci (2000) e outros, com alguns recortes em educação, aqui citando Canivez (1991), Paulo Freire (1993), Benevides (1991).  

Referências  

BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A cidadania ativa: referendo, plebiscito e iniciativa popular. São Paulo : Ática, 1991.  

CANIVEZ, Patrice. Educar o cidadão? Campinas, São Paulo : Papirus, 1991.  

FREIRE, Paulo. Política e Educação. São Paulo : Cortez, 1993.  

GRAMSCI, Antonio. COUTINHO, Carlos Nelson (Org.). Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.  

HOBBES, Thomas. Leviatã. Col. Os Pensadores. 3ª ed. São Paulo : Abril Cultural, 1983.  

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe - Maquiavel: curso de introdução à ciência política. Brasília-DF : Editora da Universidade de Brasília, 1979.  

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Teorias do Estado – Ditadura Inconstitucional: golpe de Estado de 2016, forma-Estado, Tipologias do Estado de Exceção, nomologia da ditadura inconstitucional. Curitiba: Editora CRV, 2019.  

MARX, Karl. O 18 Brumário e cartas a Kugelmann. 4ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

 

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. 4ª ed. Col. Os Pensadores. Vol. II. São Paulo : Nova Cultural, 1988.  

WEBER, MAX. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro : Zahar Editores, 1979. 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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