Quarta-feira, 26 de julho de 2023 - 17h16
Vinício Carrilho Martinez (Dr.) – Cientista Social
Professor Associado IV da UFSCar
https://youtube.com/c/ACi%C3%AAnciadaCF88
Ainda é possível
falarmos de Educação Política?
Em meio ao “novo” ensino médio (2017), fruto do Golpe
de Estado de 2016 (Martinez, 2019), particularmente, levaria a discussão da
política para dentro da escola – especialmente a escola pública.
Na
primeira aula, a primeira pergunta que faria aos estudantes é: “O que vocês
entendem por ou sobre política? O que é política?”.
É claro que as respostas não são simples e me diriam,
imagino, que política é sinônimo de corrupção. No que não estão errados, pois
basta-nos ligar a TV para saber disso. Porém, a questão é que aqui vê-se apenas
a política institucional, quando deveríamos observar que todas as relações
sociais são politizadas. Escolher esse tema para uma aula já é fazer política.
Simplesmente porque retiramos o véu da aparência, delatamos o esconderijo da
“neutralidade” em educação, e apresentamos o ser social como um animal
político.
Cada estudante poderia criar seu manual de política[1],
como se estivesse conversando com seus colegas, seus pais ou seus empregadores
– especialmente se estes não forem muito adeptos da isonomia, da equidade, da
dignidade humana.
Num outro sentido, mais orgânico, também poderíamos
pensar que esse conteúdo nos conduziria a um tipo de Educação Política.
Partidos políticos, movimentos sociais, sindicatos, associações, promovem seus
cursos de formação política. No entanto, nós faríamos nosso curso dentro da
sala de aula, a partir da realidade em que nos encontramos e teríamos melhores
governantes – inclusive com jovens cidadãos governantes (Canivez, 1991).
Outra lição essencial nos levaria a pensar e discutir a contemporaneidade do chamado Monopólio do uso legítimo da força física (Weber, 1979), portanto, da
[1] file:///C:/Users/Lenovo/Downloads/Manual-de-autoajuda-politica%20(1).pdf, acessado em 24.07.2023.
relação Estado/Direito – e, de quebra, entraríamos no debate atual das Guerras Híbridas (para além da guerra assimétrica ou guerra civil) e da mais famosa tese sobre a “desmilitarização das polícias militares”. Entraríamos decididamente no palco do necessário desarmamento da sociedade civil.
A
quem serve discutir isso? Interessa sobremaneira às periferias do capitalismo,
exatamente porque as ações violentas do Estado são seletivas, racistas,
elitistas.
Com
certeza, teríamos muitas respostas a esse convite; saberíamos que a própria
escolha dos temas já indica sua finalidade, que os fins estão contidos nos
meios, por exemplo. Chegaríamos à conclusão antecipada que a violência social,
a “brutalização do convívio social”, derivam diretamente ou são alimentadas
pela intolerância provinda dos discursos e das práticas de ódio social. Por
outro lado, ao contrário disso, também poderíamos perguntar:
Por que escolhemos
o trio democracia, cidadania e governo?
Há
muitas formas de se responder à questão, e aqui teremos um caminho possível.
Podemos pensar que é o principal triunvirato da política? Sim, se não
esquecermos que há muitos outros elementos subsumidos em cada um deles.
De
certo modo, temos aí o centro das questões mais importantes e que, por si, nos
levariam à Política – o espaço público vivenciado, refletido, construído, com
mais ou menos consciência política, sob menores ou maiores efeitos ideológicos,
pondo-nos mais ou menos distantes do próprio realismo político e mais ou menos
indefesos ao idealismo. Portanto, sempre haverá uma disputa entre o real e o
ideal, entre “o que é” e “o que deveria ser”.
Em
decorrência disso, democracia, cidadania e governo não são conceitos ou
sentidos autoimunes; pelo contrário, são termos carregados de construções,
idealidades, sínteses. Tanto quanto nos remetem ao Estado, à sociedade, ao
povo.
Perguntemos:
há um povo brasileiro? Sim e não. Se pensarmos em termos de Estado Nação não
temos povo: não temos unidade na densidade cultural. No entanto, se pensarmos
nas mazelas morais e culturais talvez fique mais fácil desse “povo” ser
identificado: lembremos que nossa principal característica, a criatividade, é,
comumente, associada a algum tipo de desvio padrão, regular, consistente, comum
a todas as classes, estratos e grupos
sociais.
Como
é a sociedade brasileira? É racista, é iluminista, é fascista? Entre a
idealidade e o chamado “realismo político”, como é organizado o Estado
brasileiro?
No
que se refere às instituições, tomemos apenas o Estado Democrático de Direito
como premissa. A princípio, essa forma-Estado não se reduz a uma fórmula vazia
e por isso requer constante vigilância para que seus efeitos positivos possam
ser alcançados. Ou seja, é necessário buscarmos apoio em muitas outras acepções
políticas, sociais, culturais.
Além
disso, é preciso que reforcemos a matriz jurídica em que a vida social se
desenrola – para somente assim falarmos novamente em democracia, cidadania e
governo. Porque é por onde passam tanto a vida pública quanto a vida comum do
homem médio.
É
preciso saber desde logo que o Estado Democrático de Direito é um conjunto
muito amplo e muitas vezes espesso, sendo impossível definir em poucas linhas.
Portanto, o acréscimo de características e de institucionalidades (ou direitos
e garantias) sempre será um recurso útil à compreensão e ao aprendizado, como
verificamos nas interfaces entre democracia,
cidadania e governo.
Esse
trio, por sua vez, não é tão simples de ser configurado – sempre teremos
aspectos conceituais e práticos a considerar e as suas próprias relações com direitos, garantias e liberdades. O que também nos traria outro tripé que se
somaria à democracia, cidadania e governo: isonomia,
equidade, responsabilidade social. Porém, na história política e na vida social de todos nós, os enlaces
não são simplificados, sempre trazem novas composições.
O
Estado de Direito, por sua vez, nos leva a pensar numa tríplice aliança entre
direitos fundamentais, Império da lei e separação dos poderes e isto, por sua
vez, nos conduz a outro trio: República, instituições
e regulações. A própria
discussão sobre a República nos obrigaria a rever as principais questões acerca
da Federação e ambas, em sua síntese (República
Federativa), nos levaria a rediscutir as muitas interfaces entre governo, governabilidade e governança. Contudo, não se conclui assim, uma vez que
estamos falando de organismos sociais e institucionais que se desenrolam entre autonomia, soberania e gestão.
É
claro que estamos desenrolando o novelo de mais três órbitas políticas, que
seriam reconhecimento, garantias e
promoção da cidadania, dos
direitos e das próprias liberdades. Isso tudo nos levará a formular mais três
óticas, afinal, falamos em condições, inclusão
e responsabilidade.
Tudo
isso se governa, correto? Mas, como se governa? Quando se responde o “como se
faz” já se informa “quem”, “onde”, “para quem” e “porquê” se faz ou deixa de
fazer. Governamos com mais ou menos inclusão e participação. Governamos para
todos, para alguns, para poucos, com mais ou menos concentração de poder? E o que
é poder, trata-se de potência, força,
facticidade?
Com
isto em mente, podemos utilizar outras três chaves para avançar neste mosaico
político e social: liberalismo, socialismo ou
socialdemocracia. Nossa
sociedade é mais conservadora, liberal ou reacionária? Antes das respostas, o fato de pensarmos
nisto nos conduziria a outras três variáveis: sociedade,
indivíduo e controles sociais.
Por sua vez, reinstituiríamos mais três condicionantes: relações sociais, poder e participação.
Por
fim, sempre cabe perguntar: na sociedade brasileira como se articulam liberdade, igualdade e formação social?
Quando
falamos em política ou Política (espaço público), ainda nos cabe indagar se
tomamos as centralidades ou as periferias, as dualidades ou as sínteses, a
essência ou as aparências.
É
assim que os triunviratos da política poderiam/deveriam ser investigados, entre
o conceito e a realidade, e sempre tendo-se em conta que formulamos com base na
educação, no conhecimento e na Ciência.
Também
leria/apresentaria clássicos da Ciência Política, como Maquiavel (1979), Hobbes
(1983), Rousseau (1988), Weber (1979), Marx (1978), Gramsci (2000) e outros,
com alguns recortes em educação, aqui citando Canivez (1991), Paulo Freire
(1993), Benevides (1991).
Referências
BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A cidadania ativa: referendo, plebiscito e
iniciativa popular. São Paulo
: Ática, 1991.
CANIVEZ, Patrice. Educar
o cidadão? Campinas, São
Paulo : Papirus, 1991.
FREIRE, Paulo. Política
e Educação. São Paulo : Cortez,
1993.
GRAMSCI, Antonio. COUTINHO, Carlos Nelson (Org.). Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
HOBBES, Thomas. Leviatã. Col. Os Pensadores. 3ª ed. São Paulo : Abril
Cultural, 1983.
MAQUIAVEL, Nicolau. O
Príncipe - Maquiavel: curso de introdução à ciência política. Brasília-DF : Editora da Universidade de
Brasília, 1979.
MARTINEZ, Vinício Carrilho. Teorias do Estado – Ditadura Inconstitucional: golpe de Estado de 2016, forma-Estado,
Tipologias do Estado de Exceção, nomologia da ditadura inconstitucional.
Curitiba: Editora CRV, 2019.
MARX, Karl. O 18
Brumário e cartas a Kugelmann.
4ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso
sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. 4ª ed. Col. Os Pensadores. Vol. II. São
Paulo : Nova Cultural, 1988.
WEBER, MAX. Ensaios
de Sociologia. Rio de Janeiro
: Zahar Editores, 1979.
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