Quinta-feira, 14 de setembro de 2023 - 12h00
Vinício Carrilho
Martinez
Professor
Associado IV da UFSCar
Gabriel Longatto
Clemente
Doutorando em
Matemática – PPGM/UFSCar
A cidade de São Paulo, capital
paulista, a gigante brasileira, a capital de um país dentro de outro país, tem
uma história secular, feita por gente múltipla, pessoas vindas do Brasil todo e
do mundo todo: é a Pauliceia que nunca para, habilmente frenética, com economia
e cultura em cada esquina e a todo tempo.
São Paulo não para, não fecha, não
tem e não dá descanso: é a própria civilização que constrói como selva de
pedra, poluição, trabalho, grandeza, contradições, miséria absoluta, abandono,
indiferença e esquecimento. São Paulo é uma cidade que personifica a
ambivalência da vida urbana.
Ao longo dos anos, São Paulo se
tornou um caldeirão de experiências contraditórias que, por vezes, deixam seus
habitantes perplexos, mas, quase sempre, deixam seus visitantes interioranos
ainda mais perplexos.
Diz-se, faz muitos anos, que o teste
para quem chega na cidade pela primeira vez – especialmente em alguma de suas
rodoviárias – é atravessar a Avenida Paulista em horário de pico. Se bem que,
São Paulo só tem horário de pico no trânsito alucinado – até mesmo nos maiores bairros
populares.
Por um lado, a cidade é um oásis
cultural. O Museu de Arte de São Paulo (MASP) e o Museu de Arte Moderna (MAM)
são ícones da alta cultura, abrigando obras de renome mundial como Degas,
Portinari, Renoir, Van Gogh, et reliqua.
O Catavento Cultural é um espaço fascinante, repleto de exposições interativas
que estimulam a mente.
A riqueza cultural da cidade se
estende a teatros, cinemas, livrarias e uma cena musical efervescente que atrai
artistas de todo o mundo. São Paulo hospeda a Universidade de São Paulo (USP),
como a melhor universidade da América Latina. São Paulo tem incontáveis
universidades, especialmente as públicas, centros de pesquisa, institutos
federais, tem o Butantã, as vacinas que nos salvaram em 2020.
Porém, a par dessa riqueza cultural,
vemos a ostentação financeira que permeia a Avenida Faria Lima, onde carros de
luxo deslumbrantes desfilam pelas ruas. Os arranha-céus reluzentes testemunham
o poder econômico desmedido, tendo os bairros nobres uma qualidade de vida invejável.
A mera especulação no mercado financeiro, improdutiva de riqueza de fato – sem
“chão de fábrica” –, é a fonte dessa ilusão e depreciação do conjunto da vida
humana.
Afinal, essa prosperidade não é
compartilhada por todos. Existe uma realidade chocante e desoladora: a pobreza
extrema é uma ferida aberta que São Paulo tenta cicatrizar, muitas vezes,
através de políticas populistas que visam agradar às classes médias e à pequena
burguesia.
Os moradores de rua, muitos deles em
situações deploráveis, são uma presença constante, como seres já
dessocializados, esquecidos do próprio nome e da identidade. A Cracolândia é um
ponto alto deste cenário que se mistura entre os filmes Mad Max (Walking Dead)
com Zumbilândia. É um ponto crítico fora da curva na ideia de cidade,
civilidade. Nossa Zumbilândia é um testemunho gritante da batalha perdida
contra as drogas e a marginalização social.
Nisso tudo, o mais desconcertante: a
indiferença organizada (orgânica) para ser desumanizadora. Por exemplo, um
morador de rua pede uma esmola simplesmente pelo fato de ter tido contato
visual com você, enquanto um motorista de aplicativo, ao passar por um nicho da
Cracolândia, refere-se aos seus habitantes como "ratos".
Essa falta de empatia reflete a
distância que separa as diferentes camadas da sociedade paulistana. Enquanto
alguns desfrutam do luxo e da cultura, outros lutam pela sobrevivência nas
ruas, lutando contra os ratos que o Poder Público estimula com sua inegável
inação.
A pressa é uma constante na vida dos
paulistanos, exacerbada pelo trânsito caótico que congestiona as vias. O som
constante de buzinas, motores, sirenes, aviões e viaturas cria uma poluição
sonora quase insuportável, que contrasta com a serenidade que a cultura
proporciona.
Em São Paulo, as contradições são
parte integrante da experiência urbana. É uma cidade onde a opulência e a
miséria, a cultura e o abandono, a pressa e o caos, coexistem de maneira
complexa e, por vezes, angustiante. É uma cidade onde a vida pulsa com
intensidade, mas onde as diferenças sociais e os desafios urbanos são um
lembrete constante de que, apesar de todo o brilho, a desigualdade persiste
como uma sombra sobre a cidade.
Esse conjunto ilustra o Brasil mix,
flexível e flexionado, mescla do atraso renitente com um futuro ausente. Temos
complacência com a vilania. Não somos híbridos; temos sim ideologia flex.
São Paulo resume o Brasil.
* Infelizmente, a capital paulista
não tem praia – ao contrário do que pensam o atual governador e o secretário de
educação.
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