Quarta-feira, 25 de setembro de 2019 - 19h14
Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia Estatística) mostram que 45,6 milhões de brasileiros (24% da
população) possuem algum tipo de deficiência, A UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura) complementa as estimativas, mostrando que 1
bilhão de pessoas de todo o mundo se enquadra nesse cenário, sendo que 93
milhões são crianças.
Diante do percentual e 57,6 milhões de
crianças e adolescentes no Brasil, é difícil mensurar o cotidiano da população
como um todo. Entretanto, quando analisamos pontos específicos, conseguimos
extrair informações mais representativas.
O Estado de Rondônia, que possui 2,7%
da demografia do País (em torno de 829 mil habitantes), pode ser visto com
diversos pontos positivos e negativos quando se fala em inclusão social. E as
próprias mães de crianças e adolescentes com deficiência da região, que estão
dia a dia lidando com essa realidade, demonstram esse panorama.
“Em RO há a falta de profissionais da
educação, médicos, terapeutas e dentistas que tenham formação para tratar da
deficiência e, com ela, faltam políticas públicas, discussões e eventos que
abordem o assunto”, conta Francisca Aguiar, mãe do Vinícius, de 16 anos.
Ela ressalta que a educação também é
insuficiente. “A APAE (Associação de Pais e
Amigos dos Excepcionais) e uma escola especial que há em Porto
Velho têm metodologia ultrapassada e não atendem às necessidades das pessoas
com deficiência”.
A necessidade de mais capacitação
Angeliz Cavalcanti Batista, mãe da
Beatriz, de 2 anos, concorda que a falta de profissionais capacitados em
Rondônia seja uma das maiores dificuldades de quem vive como ela.
“Principalmente para o atendimento das
demandas da criança com Síndrome de Down, pois precisam de estímulo precoce. Há
muito fisioterapeutas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais, porém, não são
especializados para tratar as pessoas com T21 (Trissomia 21 – Síndrome de
Down)”, pontua.
Para ela, não apenas Rondônia, mas todo
o Brasil possui as Leis Brasileiras de Inclusão somente na teoria. “Não é feito
o que está definido do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Há um verdadeiro
abismo entre o ideal e o real. Por exemplo, a legislação prevê o profissional
de apoio escolar, mas as escolas não disponibilizam, seja ela pública ou privada.
Há casos em que alegam que a criança está acompanhando a turma e, por isso,
julgam não haver necessidade”.
A Defensora Pública de Colorado Oeste, Flávia Albaine, concorda que no
Estado ainda há uma escassez muito grande de profissionais habilitados e qualificados
para a inclusão efetiva da pessoa com deficiência.
“Entretanto, já há ações ajuizadas pelo
Ministério Público e pela Defensoria Pública que objetivam a inclusão dessas
pessoas na sociedade e posso dizer, por meio de pesquisas que eu mesma fiz, que
de meados de 2017 para cá, o Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia tem sido
mais sensível em questão da educação de crianças e adolescentes com
deficiência. E a sua jurisprudência tem sido no sentido de julgar procedente as
ações que chegam solicitando a implementação de medidas de inclusão para esse
público-alvo nas escolas municipais e estaduais aqui de RO ”, esclarece.
A Promotoria de
Justiça também atua para melhorar esse cenário, mesmo que de maneira
regionalizada (em relação aos Municípios que estão localizados em sua
comarca).
Marcelo Lima de
Oliveira, Promotor de Justiça, explica que embora não exista uma
promotoria responsável pelas políticas inclusivas em relação a todo Estado,
mais de uma estão focadas no assunto: a de educação e/ou infância e juventude.
“A atuação é feita
por dois modos: o resolutivo extrajudicial e o judicial. No resolutivo são
feitas campanhas institucionais, palestras e participação em eventos públicos,
com o objetivo de esclarecer às pessoas com deficiências sobre seus direitos e
divulgar uma consciência coletiva de reconhecimento de que as questões
relativas aos direitos das pessoas com deficiência começam com o respeito de
toda a sociedade, diminuindo os preconceitos ainda existentes”, ressalta.
Ele lembra que com a
participação nos eventos públicos, bem como no atendimento individual feito nas
Promotorias de Justiça, é possível perceber as necessidades mais urgentes das
pessoas com deficiência e suas famílias.
Já o judicial, que
talvez seja a face mais conhecida da atuação do Ministério Público, ocorre
quando é necessária a avaliação de ações que tenham por objetivo fazer com que
os entes estatais implementem ou corrijam as políticas públicas necessárias às
pessoas com deficiência.
“Como exemplo, na
Promotoria de Justiça da educação de Porto Velho, existem ações civis públicas
para obrigar o estado e municípios a contratarem professores habilitados em
libras, outra para a contratação de profissionais de apoio à educação
inclusiva. E, uma de execução de multa, por não adequação das escolas às normas
de segurança, que passa pela adaptação de acessibilidade às pessoas com
dificuldade de locomoção”, ilustra Marcelo.
Projetos, eventos e
demais pontos positivos
Juliane de Fátima
Souza e Silva, mãe da pequena Lorena de quase um ano, também vivencia as
dificuldades de quem busca um tratamento especializado em Síndrome de Down.
Inclusive, ela ressalta o preconceito como um grande vilão.
“Porém, minha filha fez uma cirurgia
cardíaca pelo SUS (Sistema Único de Saúde) por meio do TFD (Tratamento Fora de
Domicílio) e posso dizer que fui muito bem atendida, assim como assistida a
todo o momento”, lembra.
Flávia Albaine pontua
que no que tange a inclusão social, já há ações ajuizadas, coletivas e
individualmente, pelo Ministério Público, por alguns advogados e também pela
Defensoria Pública.
“Além disso, a
Defensoria Pública também está bastante sensível ao tema, tanto que em abril de
2019 realizou um seminário intitulado ‘Precisamos falar de Síndrome de Down’,
onde diversas questões relativas foram levantadas e debatidas”, observa.
Por meio do seu projeto, o “Juntos pela
Inclusão Social”, ela busca levar ainda mais informação, debate e
conscientização da pessoa com deficiência. “Eu também tenho realizado rodas de
conversas sobre o autismo e outros temas, ficando em contato direto com os familiares
das pessoas com deficiência, para poder colocar na prática muitas das
necessidades que eles colocam pra mim durante esses encontros”, conta.
Oliveira ressalta que em Rondônia
existe um progressivo aumento da conscientização de toda a sociedade quanto aos
direitos das pessoas com deficiência e suas garantias.
“Isso, por si só, é um grande avanço,
pois a luta pelo direito das pessoas com deficiência deixa de ser algo um tanto
pontual, quase sempre feito por parentes ou amigos, e passa a fazer parte de uma
consciência coletiva, o que aumenta o poder de pressão junto aos gestores”,
salienta.
Segundo ele, talvez por isso exista uma
maior demonstração pública dos gestores e poderes políticos de terem um olhar
mais atento aos direitos das pessoas com deficiência.
“O que pode ser constatado com o
incremento de audiências públicas e cursos voltados para a conscientização e
formação de servidores voltados para o atendimento especializado”, destaca
Marcelo.
Flávia lembra que em Colorado do
Oeste, o Ministério Público e a Defensoria Pública assinaram um termo de
ajustamento com a Prefeitura Municipal, objetivando a construção de rampas de
acessibilidade para as pessoas com deficiência na cidade, principalmente em
postos de saúde e hospitais.
“O termo já foi assinado e estamos
aguardando o início das obras pela Prefeitura, que se não ocorrer em breve, nós
iremos cobrar”, adverte.
Uma família formada por mães
Mesmo que as muitas dificuldades façam
parte de suas rotinas, as mães acharam uma maneira de confortarem essa
situação: umas às outras.
“Não vejo o Poder Público efetivando
políticas públicas voltadas para a inclusão escolar, social ou de saúde. Está
longe de se alcançar o que a lei define como direito. Por outro lado, vejo uma
união por laços de amor entre as mães de pessoas com deficiência. Até os grupos
de WhatsApp são ativos e muito importantes”, revela Angeliz.
O “Tesouros 21” possui 55 mães e é
focado no universo da Síndrome de Down, enquanto o “Mães Coragem” aborda esse
tema, autismo, paralisia cerebral, entre outros.
O acolhimento entre as mães começa
assim que recebem a notícia do diagnóstico, onde trocam experiências e
informações pelos grupos o tempo todo. “Discutimos de tudo, principalmente as
nossas dúvidas. Cada uma relata o seu dia a dia com o seu filho, além de expor
algumas experiências”, conta Francisca.
A Defensora Flávia Albaine conheceu o
grupo em um dos seus eventos, em que as mães buscam participar presencialmente
em todas as oportunidades parecidas.
“Além de rodas de conversas, palestras
e seminários, ressalto as campanhas de conscientização que têm sido feitas pelo
Ministério Público e pela Defensoria Pública e por outros entes públicos e
privados chamando a atenção para o debate e a conscientização do tema”, lembra.
E se a informação é poderosa, Flávia a
utiliza para ampliar ainda mais essa ideia. “Também há as publicações em meios
jornalísticos do Cone Sul, em que eu sempre estou comentando sobre leis e
demais aspectos envolvendo a inclusão da pessoa com deficiência. Para outubro
estou organizando um evento, com o objetivo de trazer profissionais de diversas
áreas, entre elas saúde e educação, para debater a questão da pessoa com
autismo em Colorado do Oeste”, avisa.
Segundo Albaine, os resultados já são
vistos nas crianças da comarca, que pelo que já apurou no mapeamento das
escolas públicas de Colorado do Oeste, a aceitação e a inclusão das demais
crianças tidas como “normais” aos alunos com deficiência é grande, mostrando
que os alunos já começam a se conscientizar desde pequenos.
“E vamos continuar fazendo tudo que
pudermos com o objetivo de darmos um maior conforto aos nossos filhos, além da
interação social deles”, finaliza Angeliz.
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