Segunda-feira, 20 de março de 2023 - 09h11
Ano de 2021. Terceiro dia de
chuva fina e constante naquele inverno carioca. Da rua, é possível ver um rosto
de mulher na janela de seu apartamento no segundo andar; prédio antigo. O rosto
parece colado ao vidro molhado; dali, a mulher observa o movimento da rua onde
mora, das ruas próximas, dos outros prédios e das pessoas. Àquela manhã havia
algo diferente (pensa a observadora consigo mesma): as mulheres passam vestidas
com elegantíssimas capas de chuva e guarda-chuvas abertos; os homens, quase
todos, usam terno e grande sobretudo preto (casacos longos).
Um dos figurinos femininos
despertou a curiosidade da observadora: era uma jovem passante, segurando um sombrinha
preta de bolinhas brancas, combinando com um elegante vestido estampado em petit
pois, e luvas pretas e curtas. A
encantadora jovem caminhava com bastante desenvoltura pelas calçadas de
Copacabana, apesar dos saltos altíssimos de seus sapatos, o chamado salto Luiz
XV, observou a curiosa. Este sapato fora criado na França, por encomenda do
próprio rei Luiz XV, que devia ser baixinho. Séculos depois, o tal sapato foi
ressuscitado, repaginado, virou febre no mundo da moda, sobretudo na Europa e
nos Estados Unidos. E no Brasil?
Bem, estamos nos reportando aos
anos de 1950-1960
Como à época, esse tipo de
coisa só se via nos cinemas e não havia cinema em grande parte das cidades
brasileiras, novidades como esta chegavam através das revistas oriundas das
grandes cidades, como Rio de Janeiro, capital do país, e São Paulo, por
exemplo.
Com o rosto colado na vidraça
da janela, a moradora do apto 201 estava deslumbrada! Pensou em vestir-se
adequadamente, para enfrentar a chuva fina e persistente, e descer, para ver
melhor aquele cenário maravilhoso; assim, da calçada de seu prédio, poderia
interagir com aquelas pessoas que pareciam saídas das telas do cinema. E assim
o fez
Protegida por uma sombrinha, põe-se
a olhar mais de perto os transeuntes; notou que o penteado dos homens parecia unanimidade:
um topete alto e cabelos muito curtos.
Tão entretida estava a
observar a elegância dos homens, com seus ternos e sobretudos impecáveis, que
por pouco não esbarrou no que acreditou ser uma miragem: uma loura platinada
com cabelos curtos penteados em forma de bobs, com saltos muito altos, e um
deslumbrante vestido de veludo colado ao corpo perfeito, passou por ela e
sorriu: Marylin Monroe teria saído de Hollywood, para transitar pelo Rio de Janeiro?
E a outra mulher que a acompanhava? Cabelos
escuros, muito alta e magra, belíssima, com um coque perfeito no alto da
cabeça: seria Andrey Hepburn, a famosa “bonequinha de luxo?”
Assim, ainda perplexa, contemplou
um clássico Mercedes Benz que passava pela rua transversal, seguido por um
modelo incrível, de cor vermelha, sem capota; reconheceu de pronto: era um Cadillac
Rabo-de-Peixe!
Não conhecia os nomes dos
carros preferidos dos ricos - pensou que precisava ler sobre isto, afinal,
gostava de estar sempre atualizada.
Naquele momento sentiu a mão
do zelador do prédio onde morava, em seu braço, conduzindo-a ao interior do
edifício, para a mesmice de sempre: a chata da cuidadora, a chata da cozinheira,
a chata da enfermeira; esta última já estava apreensiva, porque ela descera
sozinha do apartamento, sem que ninguém percebesse.
De volta ao seu quarto, um
sentimento de acolhimento invadiu –lhe a alma; tão bom! Vestiu o pijama e deitou-se
na cama confortável, limpinha e arrumada; então veio-lhe à mente a cena que presenciara
há pouco: um fusquinha verde passando em alta velocidade pela rua principal; seria
verde, seria amarelo, ou azul? Não conseguia se lembrar. Que pena. Queria ter
visto mesmo era um Cadillac Rabo-de-Peixe.
Cansada, resolveu que não
pensaria mais nisto. Puxou o cobertor de lã e aconchegou-se sob ele; amanhã
voltaria à janela para ver as novidades.
Sandra Castiel: professora,
escritora, membro efetivo da Academia de Letras de Rondônia
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