Quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009 - 09h52
Agência FAPESP – Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) comprovaram que a maior prevalência da infecção pelo Helicobacter pylori, espécie de bactéria que infecta o revestimento mucoso do estômago humano, está relacionada à condição socioeconômica da população, ocorrendo com mais frequência nos primeiros meses de vida em crianças de baixa renda.
O trabalho, realizado no Laboratório de Bacteriologia do Gastrocentro da universidade, com coordenação do professor José Murilo Robilotta Zeitune, do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas, teve como finalidade verificar a prevalência da infecção pela bactéria em crianças de até 6 anos de idade pertencentes a famílias de alta, média e baixa renda.
Segundo Zeitune, a infecção pelo Helicobacter pylori afeta cerca de 50% da população mundial, com maior prevalência nos países em desenvolvimento. “Estudos epidemiológicos sugerem que a transmissão da bactéria ocorre provavelmente pelas vias fecal e oral, estando diretamente relacionada com as condições socioeconômicas da população”, disse à Agência FAPESP.
“Apesar de a renda familiar estar diretamente associada à prevalência da bactéria, outros fatores, como condições de higiene e de saneamento básico, também estão relacionados à aquisição da infecção”, apontou.
No novo estudo a prevalência da infecção foi analisada em 218 crianças, sendo 92 pertencentes a famílias de baixa renda residentes em Teresina (PI). As crianças restantes foram selecionadas em Campinas, no interior paulista: 64 delas frequentavam a creche pública da Unicamp (média renda) e 62 estudavam em uma escola particular (alta renda).
A presença da bactéria foi verificada em amostras de fezes a partir da identificação do antígeno fecal do H. pylori (HpSA). Os resultados demonstram que a prevalência da infecção em crianças provenientes de famílias de baixa renda foi de 47,8%. Nas crianças de média renda essa prevalência foi de 13,5%, e naquelas de alta renda, 3,2%.
“Com relação à aquisição da infecção, os dados revelam que 16,7% das crianças de famílias de baixa renda foram infectadas desde os primeiros meses de vida, 20% das de renda média foram infectadas a partir do primeiro ano de vida, enquanto 18,1% das crianças de alta renda foram infectadas apenas a partir do terceiro ano de vida”, disse Zeitune.
“Desse modo, os dados sugerem que a maior prevalência da infecção ocorre em crianças com baixo nível socioeconômico, sendo que a aquisição da bactéria ocorre precocemente nessas crianças”, explica.
O H. pylori vem sendo estudado no Gastrocentro da Unicamp há vários anos por ser uma bactéria que causa gastrite, úlcera e até câncer gástrico. No Gastrocentro são realizados não apenas protocolos de pesquisa sobre a bactéria como também o seu diagnóstico na população atendida no Hospital das Clínicas da Unicamp.
“Temos vários projetos de pesquisa em andamento relacionados à bactéria, inclusive com estudos de epidemiologia molecular utilizando técnicas de genotipagem e sequenciamento do genoma do H. pylori”, disse o professor.
Método não-invasivo
Para os autores do novo estudo, uma das maiores contribuições do trabalho está na utilização de um método não-invasivo (HpSA) para o diagnóstico da infecção pelo H. pylori na população pediátrica, o que pode ser considerado, por si só, um grande avanço no diagnóstico da infecção pelo fato de apresentar resultados semelhantes aos obtidos pelos métodos tradicionais.
“O diagnóstico precoce realizado de forma prática e rápida pode levar ao desenvolvimento de terapias e programas de prevenção à infecção”, disse Zeitune. O método imunoenzimático não-invasivo utilizado para a pesquisa do antígeno fecal do H. pylori foi padronizado pelos pesquisadores do Laboratório de Bacteriologia do Gastrocentro há cerca de oito anos.
A utilização da pesquisa do antígeno fecal do H. pylori foi inicialmente descrita por pesquisadores italianos. Trata-se de um método não-invasivo que utiliza amostras de fezes para detecção da bactéria. Os métodos tradicionalmente utilizados no diagnóstico do H. pylori são a histologia e o teste da enzima urease.
“Esses dois métodos são invasivos e necessitam da coleta de fragmentos de mucosa gástrica por biópsia durante o exame endoscópico dos pacientes. Por outro lado, o emprego do antígeno fecal na detecção da infecção é de grande valia, sobretudo na população pediátrica, pois além de não-invasivo é um teste rápido e de fácil execução”, explicou.
O professor salienta ainda que outro estudo realizado pelo Gastrocentro, que também comparou crianças de mesma condição socioeconômica moradoras em Campinas e Teresina, demonstrou que os índices de prevalência da bactéria são diferentes, reforçando a influência das condições locais de saneamento básico na transmissão.
“Sendo assim, é importante que os municípios implantem uma política sanitária de qualidade e acessível a toda a população, além de realizar campanhas sobre a conscientização dos hábitos de higiene e apresentar programas de diagnóstico precoce da bactéria, o que poderá reduzir os custos do seu tratamento. Conhecendo melhor as faixas etárias com maior prevalência da infecção, é provável que se possa, no futuro, desenvolver programas de prevenção primária contra a bactéria”, apontou.
Calcula-se que cerca de 60% dos cânceres do estômago estejam relacionados ao desenvolvimento do H. pylori em pessoas infectadas na infância. O estudo feito na Unicamp foi premiado pela Federação Brasileira de Gastroenterologia durante a 8ª edição da Semana Brasileira do Aparelho Digestivo, realizada em outubro de 2008, em Brasília.
Estudo indica que enquanto Helicobacter pylori, que causa gastrite e úlcera, atinge 47,8% das crianças de famílias de baixa renda, prevalência é de apenas 3,2% nos indivíduos de alta renda |
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