Quarta-feira, 15 de dezembro de 2021 - 16h39
Estudo realizado pela Fundação do Câncer revela
desigualdades encontradas pelas mulheres no acesso ao tratamento do câncer de
mama, tanto em hospitais públicos quanto privados. Com base em dados dos
Registros Hospitalares de Câncer do Brasil (RHC) disponibilizados pelo
Ministério da Saúde e consolidados pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca), o
levantamento abrange um período de 13 anos, compreendidos entre 2006 e 2018.
Suas conclusões foram divulgadas hoje (15), no Rio de Janeiro.
Os registros mostram que a origem do encaminhamento
da mulher ao hospital para o tratamento do câncer de mama é classificada como
SUS (Sistema Único de Saúde) e não SUS. Em geral, os registros têm defasagem de
cerca de dois anos do ano-calendário, disse a bióloga epidemiologista da
Fundação do Câncer Rejane Reis, uma das responsáveis pelo estudo.
Segundo o epidemiologista Alfredo Scaff, consultor
médico da Fundação do Câncer, foram analisadas as variáveis relativas ao
estadiamento do câncer de mama ao diagnóstico, o tempo decorrido entre o
diagnóstico e o tratamento e a escolaridade das pacientes. “Dessa forma,
evidenciamos que o tempo entre o diagnóstico e o início do tratamento está
longe do ideal para os dois grupos estudados. Ainda assim, as pacientes que
vieram pelo SUS levaram mais tempo do que as pacientes encaminhadas pelo setor
privado”. Cerca de 34% das pacientes de origem SUS iniciaram o tratamento antes
dos 60 dias, contra 48% do setor privado.
Não não há
como dizer por que isso ocorre, afirmou Scaff. A hipótese é que, ao procurar o
hospital do SUS para o tratamento, muitas vezes novos exames são solicitados.
“E quem dispõe de algum recurso consegue fazer os exames de forma particular e,
aí, inicia o tratamento, como cirurgia ou quimioterapia, mais rapidamente, mais
oportunamente.”
Para Scaff, o processo de acesso ao tratamento não
é oportuno e, como consequência provável, a sobrevida das pacientes de origem
SUS deverá ser menor. “Quando a origem é via plano de saúde, ou particular, o
diagnóstico acaba sendo mais rápido. É a iniquidade que perdura."
Estádios
O estádio, ou estágio, do câncer é uma
classificação do grau de comprometimento da doença na paciente. Estádios
menores, como 0 ou 1, indicam doença inicial localizada, enquanto os maiores,
como 3 e 4, indicam doença avançada e metastática. Metástese é quando o câncer
se espalha para outros órgãos do corpo.
De acordo com o estudo, as pacientes do SUS chegam
ao tratamento em estádios mais avançados do que as pacientes do setor privado.
“Essa diferença é tamanha que somente 19% das pacientes SUS chegam ao tratamento
em estádios iniciais 0 ou 1, contra 31% das pacientes não SUS”, informou Scaff.
O ideal é que a maioria dos casos chegue em
estágios precoces (0 e 1) porque, dessa forma, o tratamento é mais efetivo, o
prognóstico é muito melhor e a sobrevida, muito maior, com melhores resultados,
afirmou Rejane Reis.
"O que fica claro é que o tempo entre a
suspeita diagnóstica e o início do tratamento é crucial: tem relação com o
agravamento da doença e, consequentemente, com o tratamento necessário. Quanto
maior o tempo, mais agressivo será o tratamento; câncer é uma doença
tempo-dependente”, complementou Scaff.
Escolaridade
Em termos de escolaridade, Alfredo Scaff apontou
uma diferença significativa. Entre as mulheres encaminhadas pelo SUS, 51% não
têm ensino fundamental completo, contra 29% das pacientes que chegam para
tratamento de forma particular. “Essas diferenças evidenciam a iniquidade ao
acesso oportuno ao tratamento do câncer de mama. As pacientes encaminhadas para
tratamento nos hospitais do SUS, a partir de serviços privados de saúde,
apresentam maior escolaridade, iniciam mais rapidamente o tratamento e em
estádios mais precoces, em comparação às pacientes diagnosticadas e
encaminhadas pelo SUS”.
Scaff disse que a correção dessas disparidades
passa pela organização da Rede SUS para diagnóstico precoce. Para ele, é
fundamental também a implementação de um sistema de navegação que acelere o
atendimento para essas mulheres com diagnóstico de câncer. Tal sistema
acompanharia a paciente desde o diagnóstico, ajudando a acelerar o atendimento,
considerando o estadiamento da doença, impedindo atrasos, burocracias e a falta
de orientação.
O diretor executivo da Fundação do Câncer,
cirurgião oncológico Luiz Augusto Maltoni, destacou que mulheres com menos acesso
aos estudos estão entre as que mais vêm da Rede SUS. “É o retrato de uma saúde
desigual, com acesso diferenciado, que reforça a necessidade do investimento
social maciço em educação e saúde e ações atreladas nessas duas áreas.”
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