Sexta-feira, 10 de abril de 2015 - 06h20
Thifany, quatro anos, e sua irmã recém-nascida, Tainara, visitam semanalmente o Centro de Reabilitação de Rondônia (Cero), no bairro Mariana, zona Leste de Porto Velho. A primeira nasceu com falta de oxigênio no cérebro e tem estrabismo; e a segunda nasceu de parto prematuro aos sete meses.
“O neurologista me avisou: sua filha é especial. Daí, deixamos a Policlínica Oswaldo Cruz e no ano passado viemos para cá, com a Thifany”, conta o pai, Telvani Queiroz de Oliveira, funcionário municipal de Candeias do Jamari, a 18 quilômetros de Porto Velho.
A moderna aparelhagem de audiometria (que avalia a audição da pessoa) já está instalada e pronta para a inauguração. Desde outubro do ano passado, mais de 460 pacientes de fonoaudiologia passaram por essa Unidade, onde brevemente uma sala especial atenderá plenamente à clientela constituída por pacientes de audição, vítimas de neoplasia cerebral, glaucoma, retinopatia diabética, deficiência de vitamina A e perda de visão por acidentes de diversos tipos.
Vale a pena sair de casa e ser recebido de braços abertos por pessoas tão dispostas a nos ajudar, diz Telvani.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem mais de nove milhões de deficientes auditivos. A Sociedade Brasileira de Oftalmologia (SBO) estima que pessoas cegas totalizam mais de um milhão; e outras quatro milhões são deficientes visuais.
“Dê a quem você ama: asas para voar, raízes para voltar e motivo para ficar”. A frase escrita na placa colocada no prédio em 2012 convida para uma visita a essa unidade inaugurada em outubro do ano passado. O atendimento em 2 mil m² do terreno de 7 mil m² do Centro divide-se em quatro áreas: 1) auditiva, 2) física, 3) intelectual e 4) visual, segundo o diretor, o fisioterapeuta Yargo Alexandre de Farias Machado.
A Organização Mundial da Saúde estima que três quartos (75%) dos casos de cegueira no mundo são previsíveis ou tratáveis. Assim, o papel do Cero é fundamental no auxílio às vítimas rondonienses, na avaliação de Machado. “Familiares do paciente virão aqui para entender corretamente a realidade que ele irá enfrentar e se cientificarão da necessidade de adaptações em suas casas, por mais simples que sejam”, disse.
Os benefícios não se limitam a habitantes periféricos ou centrais de Porto Velho. Entre os pacientes do interior, o mais distante vem de Rolim de Moura (Zona da Mata), a 534 quilômetros de Porto Velho. Totalizam 1,5 mil atendimentos mensais a deficientes de fala, tetraplégicos, vítimas de trauma raque medular, traumatismo cranioencefálico, acidente vascular cerebral, diabetes, hanseníase e, principalmente, de causas externas (violência e acidentes automobilísticos). Nesse último, os fisioterapeutas também incluem quedas de idosos em casa, queda de trabalhadores de andaimes e telhados – ambos com fraturas ósseas.
O Centro funciona com 40 servidores, e a previsão é alcançar 70 quando a Secretaria Estadual de Saúde (Sesau) consolidar recursos humanos, mediante a contratação de médicos otorrinos, ortopedistas, pediatras e fisioterapeutas; e fechar o quadro de terapeutas ocupacionais aprovados no concurso público de 2014.
Até fevereiro, a área fisio ortopédica havia recebido 184 pacientes em psicopedagogia, 170 em terapêutica, 377 em fisio neuro, 621 em fisioterapia infantil e 490 em psicologia. A tecnologia assistiva presente consiste em tablets, videogames e computadores, que foram incorporados à recuperação de crianças e adultos. E o setor funcionará tão logo tenha escalado o profissional responsável.
“Com licitações bem feitas e precisão no que vamos fazer, atenderemos às mudanças e à reciclagem necessárias”. Yargo assinala que a nova visão de reabilitação pressupõe sair do assistencialismo.
Estudos da Sesau detectaram que a grande clientela diária do Cero procede mesmo da zona Leste. A exemplo de outras regiões de Porto Velho, moradores da zona Leste têm hoje mais acesso à aquisição de motocicletas e muitos se acidentam gravemente, tornando-se carentes da ortopedia.
Tradicionalmente, o Hospital Santa Marcelina, na BR-364, fabrica órteses e próteses, matéria-prima essencial para o funcionamento do Cero. Projeto avaliado em R$ 250 mil, cuja aprovação já foi obtida pelo secretário estadual de Saúde, Willames Pimentel, possibilitará a construção da oficina ortopédica do Centro, numa área de 360 m². A planta elaborada por engenheiros do Departamento de Obras Públicas e Serviços Públicos (Deosp) está pronta.
Alcançando 1,7 mil beneficiários em 2014 e até então pouco conhecido, o Setor de Meios Auxiliares de Locomoção responsabiliza-se pela articulação entre as seis regionais de saúde no estado para distribuir cadeiras de roda e de banho, muletas e bengalas. No mês passado, duas carretas lotadas transportaram 500 cadeiras de roda aos municípios do interior.
ECONOMIA RECONHECIDA
Até o ano passado, a Sesau investia R$ 1,8 milhão em pacientes com necessidade de tratamento fora de domicílio (TFD). Custo altíssimo, porque o paciente precisava viajar de avião acompanhado de algum parente. “Agora, nosso micro-ônibus e nossa van consomem, respectivamente, apenas R$ 1.050 e R$ 500 em combustível para assegurar quatro idas e vindas no turno da manhã; e outras quatro à tarde. Essa despesa é certamente inferior ao custo de duas passagens aéreas”, comentou o fisioterapeuta, Rodrigo Moreira Campos.
Assentada em dois pilares – apoio da família e vontade própria –, a filosofia de trabalho do Cero prevê assistência, orientação e educação da pessoa perante as suas incapacidades e alta médica.
Rodrigo Campos e Yargo Machado buscaram em Goiânia e Brasília o “casamento” de experiências e projetos de readaptação obtidos no Centro de Reabilitação Dr. Henrique Santillo e no Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília.
“Reabilitação é diferente do atendimento ambulatorial, porque visa o paciente e não a doença”, argumenta Campos.
Psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, assistentes sociais e psicopedagogos exercem importante papel nesse sentido, entretanto, o diretor Yargo Machado aponta outros profissionais tão essenciais quanto esses: o motoristas. “São eles que cumprem horários da van, anotam endereço completo e condições da pessoa que vem ao Cero. Sabem se ela está bem, quais as suas maiores necessidades, e isso facilitar o trabalho de terapeutas ocupacionais”, assinala.
A fisioterapeuta geral, Letícia Mota, gaúcha de Santa Maria, elogia a organização da Casa. “Quatro fisioterapeutas trabalham de manhã e outros quatro à tarde. A fisioterapia infantil nos trouxe pessoas que anteriormente frequentavam a Policlínica Oswaldo Cruz”.
LIÇÕES DO VETERANO
No longo corredor vê-se ao longe a cadeira de rodas movimentando-se nas portas dos 15 consultórios padronizados. Nela está o enfermeiro paraibano, de Campina Grande, José Gabriel Macedo Florindo, diabético. Ele chegou a Porto Velho em 1982, tem 35 anos de serviço e já presidiu o Conselho Estadual de Saúde. De 1988 a 1991 esteve no Hospital Sarah, onde conviveu com diretores que aplicavam experiências de sucesso na enfermagem europeia.
“Procuro seguir as boas lições dos diferentes papéis do enfermeiro, privilegiando habilidades pessoais e profissionais e valores necessários à socialização”, disse José Gabriel. “Ele é nosso professor e conselheiro”, afirma Yargo Campos.
Estagiários acadêmicos recém-chegados costumam ouvi-lo com frequência. São parceiros das Faculdades São Lucas e Fimca – Uniron é a próxima – que auxiliam diariamente no atendimento a pacientes de terapia ocupacional ou com disfagia (dificuldade em deglutir ou sensação de comida presa na garganta ou no esôfago) às quintas-feiras.
Fonte
Texto: Montezuma Cruz
Fotos: Ésio Mendes
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