Quarta-feira, 28 de novembro de 2018 - 08h46
Uma enzima encontrada em um camarão luminoso está
ajudando pesquisadores a testar drogas que bloqueiam
a transmissão da malária.
Cientistas da
Universidade de São Paulo (USP) criaram um parasita transgênico e introduziram
em seu DNA a sequência genética responsável pela produção da nanoluciferase,
uma proteína fabricada comercialmente pela empresa americana de biotecnologia
Promega a partir da substância extraída do crustáceo.
No laboratório, o
micro-organismo transgênico é colocado em contato com a droga que se quer
testar. Se ela for ineficiente, ou seja, incapaz de impedir a transmissão da
doença, a nanoluciferase emite luz.
Inicialmente, foram
testadas 400 substâncias, das quais nove se mostraram eficientes contra o
parasita causador da malária. Elas funcionariam como uma espécie de “cura” do
mosquito. Quer dizer, eliminariam a capacidade do inseto de transmitir a
doença.
O ciclo de vida do parasita da malária
Malária é causada em humanos por pelo menos cinco
espécies do parasita plasmodium
Para entender o funcionamento do teste é preciso saber um pouco sobre o ciclo de vida do Plasmodium, o protozoário que causa a malária.
Segundo o pesquisador Daniel Youssef Bargieri, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP), responsável pela equipe que criou o micro-organismo transgênico, a malária é causada em humanos por pelo menos cinco espécies do Plasmodium – mas são conhecidas cerca de cem, que infectam outros primatas, aves, répteis e vários mamíferos.
“No nosso laboratório, usamos como modelo de
estudo o Plasmodium berghei, que infecta camundongos, não pessoas”, conta.
De acordo com Bargieri, o ciclo de vida do micro-organismo é complexo. “Ele se multiplica no sangue, dentro de hemácias. É essa proliferação que causa a doença que conhecemos como malária”, explica.
Durante o processo, contudo, parte dos parasitas no sangue pode se transformar em gametócitos, uma fase sexuada (ou seja, com machos e fêmeas) em que o protozoário deixa de se multiplicar
Nessa fase, caso o indivíduo
contaminado seja picado por um mosquito do gênero Anopheles, que é o agente transmissor
do Plasmodium, o protozoário reinicia o ciclo, infectando outro hospedeiro.
Drogas mais eficazes para impedir a transmissão da doença
Hoje existem medicamentos que
tratam a malária em humanos de maneira bastante eficaz. Em poucos dias, o
paciente é curado. Essas drogas agem contra as formas do parasita que se
multiplicam no sangue (aquelas que causam a doença).
“O tratamento não é muito eficaz, no entanto, contra os gametócitos”, diz Bargieri.
“Ou seja, a pessoa é curada, mas continua
carregando as formas do micro-organismo que são transmitidas para o mosquito.
Isso significa que, mesmo depois do tratamento, ela pode ser fonte de
transmissão.”
Por isso, o pesquisador e seu grupo decidiram
criar um modelo para testar drogas que sejam capazes de impedir que isso ocorra.
“Para isso, criamos o parasita transgênico que
produz a nanoluciferase apenas quando há a formação de um zigoto”, explica o
pesquisador.
Assim, ele emite luz quando os gametócitos se transformam em gametas e esses fertilizam para formar um zigoto – o que significa que a substância testada não é eficiente contra a transmissão.
Ele conta que o experimento foi feito em poços bem pequenos de placas de laboratório – cada uma delas tem 96, mas existem outras com 384 e 1.536 poços. Em cada um deles é colocada uma droga diferente.
“Depois, nós colocamos os gametócitos nos poços,
em condições em que eles acham que estão no mosquito, isto é, em um meio de
cultura que imita as condições encontradas pelo parasita no organismo do
inseto”, explica Bargieri.
“Ocorre, portanto, a fertilização e, depois de
seis horas, conseguimos medir quanto de luz cada pocinho emite. Se houver
emissão, é porque ocorreu a fertilização. Caso contrário, é porque ela não
aconteceu. Com esse micro-organismo transgênico, podemos testar milhares de
drogas ao mesmo tempo, procurando aquelas que impedem a emissão de luz, ou
seja, as que evitam a fertilização.”
Embora existam vários remédios eficientes para o tratamento da malária, sempre há uma corrida em busca de novos, pois, com o tempo, o parasita desenvolve resistência a eles.
“Além disso, as
drogas disponíveis atualmente são pouco eficazes contra as formas do
micro-organismo que são transmitidas ao mosquito vetor. Há o interesse em se
desenvolver medicamentos ou vacinas que possam bloquear a transmissão.”
De quatro das nove
drogas promissoras não se conhecia a capacidade de evitar a transmissão da
malária. Além das 400 iniciais, o grupo da USP já testou outras 9 mil.
“Agora, estamos
avaliando os resultados e definindo as mais promissoras, para que sejam
testadas em outros modelos com parasitas que infectam humanos”, informa
Bargieri.
“Esses testes são
realizados inicialmente oferecendo sangue infectado aos mosquitos”, explica.
Além disso, o
experimento também serviu para validar o método de triagem das substâncias.
Aquelas que se
mostrarem com potencial contra a transmissão, entrarão em um grupo de drogas
estudadas como potencialmente antimaláricas e que agem em diferentes estágios
do desenvolvimento do parasita.
A ideia é que aquelas
que bloqueiam a transmissão sejam administradas em combinação com os
medicamentos atuais, de modo que a pessoa volte para casa curada e sem
transmitir a doença.
Fonte: BBC
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