Sexta-feira, 31 de janeiro de 2020 - 13h21
Decisão do TRF3 suspendeu
cumprimento de sentença que obrigava a Agência a uma série de medidas para
reduzir o número desses procedimentos no Brasil
Na última terça-feira (28),
o Ministério Público Federal (MPF) recorreu contra decisão do Tribunal Regional
Federal da 3ª Região (TRF3) que suspendeu cumprimento de sentença que obrigava
a Agência Nacional de Saúde (ANS) a uma série de providências para resolver o
problema dos altos índices de cesárias no país, procedimento extremamente mais
arriscado para a vida da mãe e do bebê, se realizado sem indicação de
necessidade. O recurso, um agravo interno, foi interposto pelo procurador
regional da República Sérgio Lauria Ferreira.
O caso é um desdobramento
de Ação Civil Pública proposta pelo MPF em 2010, que pediu a regulamentação dos
serviços obstétricos realizados por consultórios médicos e hospitais privados
no país, onde a taxa de partos cesarianas se aproxima dos 80%. Em 2015, a
justiça federal de primeiro grau acolheu o pedido, estipulando, entre outras
medidas, que a remuneração do parto normal seja, no mínimo, três vezes superior
ao da cesárea, como forma de estimular a rede privada de saúde. A ANS entrou
com um recurso contra a sentença e o processo atualmente tramita no TRF3, que
realizou audiências públicas, com a presença de mães e de vários profissionais
e representantes entidades de saúde, além médicos obstetras renomados, para
debater o tema.
Passados anos da decisão
judicial, a ANS vem descumprindo seus termos. Diante disso, a procuradora da
República Ana Carolina Previtalli Nascimento propôs ação de cumprimento
provisório de sentença, que foi acolhida pelo juiz federal Victorio Giuzio Neto
em outubro do ano passado. Entre outras providências, sob pena de pagamento de
multa diária de R$ 10 mil, a decisão determinou à ANS a criação de índices de
qualidade a serem seguidos por hospitais e operadoras de planos de saúde,
visando a redução do número de cesárias no país. Foi determinado ainda que se
promova o credenciamento de enfermeiras obstétricas e obstetrizes, junto aos
mesmos hospitais e planos de saúde, para o acompanhamento das mães em todas as
fases da gestação, inclusive com realização de consultas, bem como o trabalho
de parto, devendo esta medida ser acompanhada por um programa de monitoramento
a ser criado pelo órgão.
No recuso, o MPF defende
que a suspensão não se justifica sob nenhum aspecto, vez que há mais de quatro
anos a sentença vem sendo descumprida pela Agência, só fazendo agravar o quadro
de cesárias indiscriminadas no país. Observa ainda que as audiências públicas,
ao contrário de infirmar, só atestaram a pertinência das medidas contidas na
sentença, que visa a atacar o problema, através de meios comprovadamente
eficazes, como a criação de índices de qualidade; e garantir que o parto normal
se torne uma regra e não exceção nos hospitais, com a participação de
profissionais, reconhecidamente mais habilitados para isso: as enfermeiras
obstétricas e obstetrizes, cujo trabalho é fundamental para a própria
humanização do parto.
A tentativa da ANS de
utilizar-se do projeto do “Parto Adequado”, como forma de substituição de suas
obrigações impostas na sentença, é vista pelo procurador como uma manobra
diversiva do órgão. Isso porque falta ao projeto o caráter de obrigatoriedade,
consistência e abrangência, que o problema reclama. Esse fato pode ser atestado
pelo próprio Hospital Albert Einstein, que já o executa, além de constituir a
iniciativa, mais uma forma de legitimar a reserva de mercado que hoje
privilegia os partos cesárias no país.
Ao final, atenta o
procurador para a urgência e necessidade de intervenção firme do poder
judiciário, no sentido de pôr fim à absoluta negligência da ANS, para com a
resolução de um problema de alta sensibilidade e dramaticidade social, como o
das cesárias indiscriminadas, que expõe vidas em nome de interesses, por isso
mesmo, vazios de significado.
ACP Nº 5005407-46.2019.4.03.6100
Processo nº 5031249-92.2019.4.03.0000
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