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Pesquisa sobre vírus Zika está parada por falta de dinheiro



Sumaia Villela - Correspondente da Agência Brasil

Em novembro do ano passado, o imunologista Rafael França foi o primeiro pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) a ter projeto aprovado para receber financiamento para investigar o vírus Zika em Pernambuco. Quando o projeto foi elaborado, o país ainda não enfrentava a explosão de casos de microcefalia relacionados ao vírus. O pesquisador foi selecionado para receber R$ 2 milhões divididos entre os governos do Reino Unido e de Pernambuco. Mas o estudo de Rafael França está praticamente parado, conforme o pesquisador, pois os recursos ainda não chegaram.

O projeto foi selecionado em edital lançado pelo Fundo Newton - programa do governo britânico que reúne diversas instituições que financiam pesquisa no Reino Unido – sobre doenças infecciosas e negligenciadas. Pelo Reino Unido, R$ 1,5 milhão deverão vir do Medical Research Council (MRC UK). O edital prevê uma contrapartida de R$ 505 mil da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (Facepe).

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Mosquito Aedes aegypti, que transmite
ovírus ZikaArquivo/Agência Brasil

“Está parado, a gente não consegue fazer as coisas no laboratório porque a pesquisa como um todo é cara. Os alunos do meu laboratório estão fazendo coisas com resto de material de bancada e a gente não tem muitos meios de contornar isso”, disse Rafael França.

O projeto de França pretende estudar a resposta do sistema imunológico das pessoas infectadas pelo vírus. Esse sistema é acionado sempre que há uma infecção, e é o responsável por combater e eliminar a doença.

“No caso do Zika, pode ser que as manifestações neurológicas sejam decorrentes da ativação do sistema imune tentando controlar a doença, e isso ocorre em várias doenças. Se sabemos como o sistema imune se comporta naquela infecção, a gente consegue, por exemplo, desenvolver tratamentos para regular a ativação do sistema imune e o surgimento dos sintomas”, explica o pesquisador.

A investigação deveria ter iniciado em janeiro deste ano, segundo o pesquisador. Porém, o contrato com a Facepe foi assinado em março. O edital não estipula prazo determinado para receber os recursos, mas a vigência do projeto teve início em janeiro deste ano.

De acordo com Rafael França, colaboradores do Reino Unido, no Center of Virus Research, da Universidade de Glasgow, já receberam a parcela de financiamento. “Isso compromete o cronograma da pesquisa como um todo. Não tem um prazo, mas assinamos um projeto para 3 anos, e ao fim do prazo vou ter que entregar algumas coisas que me comprometi. E até agora não consegui fazer quase nada por causa da falta de recursos”, ressalta.

Além da compra de material de laboratório e outros insumos, os recursos servem, por exemplo, para contratação de uma equipe de pesquisadores. A contratação de doutor recém-formado, conforme Rafael França, custa cerca de R$ 60 mil por ano.

Fundo Newton

À Agência Brasil, o Fundo Newton informou, em nota, que “a atuação do Fundo Newton nos 35 países onde ele se faz presente, incluindo o Brasil, envolve a contrapartida dos parceiros locais, em diferentes modalidades de acordos de cooperação. A responsabilidade sobre a destinação dos recursos acordados nas parcerias celebradas sob os auspícios do Fundo Newton, entre instituições britânicas e suas contrapartes brasileiras, é de responsabilidade exclusiva das mesmas”.

MRC

O Medical Research Council confirmou, em nota, que os pesquisadores do Reino Unido já receberam parte dos recursos. A instituição informou que o repasse ao pesquisador brasileiro deve ser feito pela Facepe.

"O financiamento do MRC é concedido à instituição do Reino Unido (Universidade de Glasgow) e o financiamento da Facepe é concedido para a instituição brasileira. Em nossos registros, a MRC já está fazendo a concessão para este projeto desde janeiro de 2016 e fizemos o primeiro pagamento à instituição do Reino Unido, conforme o nosso processo padrão de financiamento. Podemos confirmar que cumprimos integralmente os pagamentos previstos até a data e esperamos continuar a fazer pagamentos de acordo com o nosso processo padrão", disse.

Facepe

Já a Facepe informou que a contrapartida estadual será paga em três parcelas, no valor total de R$ 505 mil, em 2016, 2017 e 2018. A instituição já solicitou R$ 200 mil à Secretaria da Fazenda de Pernambuco para o pagamento da primeira parcela e aguarda o repasse dos recursos.

O diretor-presidente da fundação, Abraham Sicsu, afirmou que existem diversos trâmites até a efetiva liberação dos recursos. “Na verdade, está dentro do prazo normal. Houve inclusive um atraso de documentação, mas isso é normal, agora é só esperar a liberação da Secretaria da Fazenda”, disse. “É a primeira vez que se faz esse processo mais estruturado com Fundo Newton, e houve atraso nosso, dele, mas coisa pequena, e está dentro do ritmo normal”.

Sicsu disse ainda que não é possível estimar a data do pagamento da primeira parcela da contrapartida. “Vocês sabem que o Brasil está com uma crise séria. Todos os estados estão priorizando as liberações. Vai ser liberado o mais rápido possível, e eles nunca demoram em excesso. Mas prazo eu não posso dar”, afirmou, reforçando que o valor está previsto no orçamento da Facepe.

“Para não dar nenhum problema legal, só posso lançar edital se eu tiver orçamento para cumprir. Mas quem paga não somos nós, a Facepe não tem dinheiro, tem orçamento”.

De acordo com o diretor-presidente, há também um passivo de pagamentos a projetos financiados no ano passado, que serão honrados. “Teve projetos que foram adiados, no seguinte sentido: no ano passado, não havia dinheiro para pagar e todos foram notificados, foi colocado no site da Facepe. Temos um passivo de R$ 6 milhões que estamos pagando este ano como prioridade”.

Na última quinta-feira (28), a instituição publicou o resultado de outro edital, com recursos de Pernambuco, para contemplar 21 projetos relacionados ao zika vírus. São R$ 3 milhões, dos quais R$ 1 milhão é do orçamento da Facepe e R$ 2 milhões da Secretaria de Saúde.

A Secretaria da Fazenda de Pernambuco declarou, por meio da assessoria de imprensa, que não vai se manifestar sobre o assunto.

Crise afeta pesquisa no país

Não é a primeira vez que o pesquisador Rafael França enfrenta o problema de atraso em repasse para pesquisas. Em 2014, teve um projeto sobre HIV aprovado para receber recursos no valor de R$ 30 mil do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Porém, até hoje França não recebeu o repasse. “O valor é irrisório para uma pesquisa. Mesmo esse valor não foi repassado e isso compromete todo o projeto”, disse.

“A última ligação que fiz disseram que sairia em breve, isso foi no ano passado. Por fim eu desisti desse projeto”, lamentou o pesquisador, que iria estudar falhas terapêuticas que ocorrem no tratamento de pacientes com antirretrovirais, o que poderia auxiliar na busca de tratamento mais avançados.

No mesmo edital, a biomédica Valéria Pereira Hernandes, tecnologista sênior em Saúde Pública da Fiocruz, recebeu R$ 19 mil dos R$ 60 mil previstos para pesquisa que visa identificar substâncias eficientes no combate à Doença de Chagas e leishmanioses.

Valéria Hernandes revela que faz um “exercício de economia radical” para levar o projeto adiante, mas que “uma hora vai ter que parar”. “Eu já tive sorte, outros colegas nem receberam. A maior parte dos pesquisadores da minha unidade tem dinheiro virtual. O projeto é aprovado, mas os recursos ainda não foram liberados”, disse, criticando a liberação de novos recursos quando editais anteriores não foram totalmente pagos.

Em resposta à Agência Brasil, o CNPq confirmou que parte do Edital Universal de 2014 ainda não foi pago, mas ressalta que “no que tange seus recursos orçamentários próprios, o CNPq não tem nenhuma dívida com o referido Edital Universal” e que o depósito de recursos “é uma etapa posterior que depende de liberação de fontes como o Tesouro Nacional”.

“Portanto, não há qualquer impedimento em abrir um novo edital com os restos a pagar do anterior”, informou. A instituição também argumenta, na nota, que não existe desequílibrio orçamentário no CNPq, “o que existe é um orçamento aquém das necessidades.”

A pesquisadora Norma Lucena, da Fiocruz em Pernambuco, ainda não recebeu financiamento da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) para estudo relacionado ao câncer de colo uterino. “Tenho uma reunião com eles em maio. Acredito que devem liberar, mas de modo geral está suspenso”, disse a pesquisadora, sem informar o valor do repasse.

“Pode até ser um recurso pequeno, mas por menor que seja é essencial. O mais importante é que não é uma questão de uma instituição só, é nacional. É uma consequência da crise político-econômica do país. É uma questão geral e para todos os pesquisadores”, destacou.

A Finep informou que “possíveis atrasos na liberação de recursos estão ocorrendo em decorrência dos cortes orçamentários anunciados pelo governo, e de contingenciamentos de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico”. A Finep tem efetuado os repasses de recursos conforme a sua disponibilidade de caixa”, diz nota da financiadora.

A instituição acrescenta que os editais em vigência seguem cronograma com várias etapas, e que a liberação do recurso só ocorre ao final do processo.

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