Quarta-feira, 8 de setembro de 2021 - 15h36
É
muito comum que fazendas tenham a mais moderna tecnologia, em currais,
suplementos, IATF, FIV, genômica e tantos outros recursos e acabam por esquecer
o básico: as habilidades para manejar o gado. Melhorar a performance de seu
rebanho investindo apenas em treinamento da equipe e em tempo com os bovinos é
uma realidade.
Não
quero dizer que introduzir tecnologias na fazenda não seja importante, porém
ter uma equipe habilidosa e bem treinada, além de fornecer plenas condições
para o gado alcançar todo o seu potencial, devem ser a base para que essas
ferramentas também atinjam o máximo de sua eficiência.
O
manejo de gado de forma segura, eficiente e com baixo estresse é um poderoso –
e ainda subvalorizado e subutilizado – aliado para qualquer exploração
sustentável de gado, seja de cria ou de engorda. Não requer grandes
investimentos monetários e é capaz de aumentar a performance dos animais,
incluindo ganho de peso, taxas de concepção, produção de leite, qualidade de
carcaça e imunidade.
Os
bovinos foram domesticados há milhares de anos pela conquista da confiança
mútua entre as duas espécies. Infelizmente, hoje em dia nos perdemos na
correria da fazenda e acabamos lidando de “qualquer jeito” com o gado, adotando
atitudes que desconstroem essa confiança e dão lugar ao medo e à agressividade.
Na busca de resolver rapidamente um problema, esquecemos de analisá-lo e de
buscar corrigir sua origem. Isso acontece especialmente nos currais, quando
usamos o choque, laço ou outras técnicas baseadas na força para fazer o gado
entrar no brete ou tronco, práticas comuns nos currais. O grande problema é
que, quando fazemos isso muitas vezes, esse comportamento acaba se tornando
padrão.
Os
bovinos não entendem nossas palavras, a comunicação entre os animais é feita na
grande maioria das vezes por meio de uma linguagem não falada, como a nossa
postura, atitude, comportamento e linguagem corporal. A distância apropriada, o
ângulo e a velocidade de aproximação do gado são chave para conseguir movê-los
como e para onde quisermos. O objetivo final é beneficiar o animal, mas também
tornar o nosso trabalho mais prazeroso.
Existem
estratégias que envolvem apenas investimento de tempo em interações positivas
com o gado e são capazes de aumentar os resultados produtivos. A base para o
desenvolvimento desses conceitos vem do profundo conhecimento do comportamento
dos bovinos e habilidades em manejar esses animais de maneira segura, eficiente
e com baixo estresse, definido em inglês pelo termo Stockmanship. O manejo de
gado Nada nas Mãos é uma técnica que traz esses conceitos do stockmanship para
rotina de fazendas e confinamentos de forma aplicada e de fácil compreensão,
com o objetivo de buscar a máxima performance com construção de confiança e
bem-estar das pessoas e dos animais.
O manejo
começa muito antes do curral. Para que o gado seja processado sem estresse e de
forma eficiente, primeiro precisamos que os animais estejam prontos. Da mesma
forma que treinamos um cavalo ou um cachorro para lidar com o rebanho, também é
possível trabalhar com o gado para que o manejo seja mais tranquilo.
Precisamos
ensinar o rebanho a entender comandos, a estabelecer um certo grau de
confiança, liderança e controle antes de qualquer outra coisa. Na maioria das
vezes, não criamos essa conexão e, quando o gado chega no curral ou na remanga,
a falta de confiança pode levar a problemas no manejo como excesso de pressão,
pânico e estresse.
Dessa
forma, adotar uma rotina de aclimatação para preparar os lotes para o manejo é
extremamente benéfico para a saúde física e mental do rebanho. Podemos, por
exemplo, preparar as novilhas para o manejo de IATF, assim quando a estação de
monta chegar e as idas ao curral se tornarem algo frequente, elas encararão
esse evento como algo normal e rotineiro. O resultado: menos cortisol
circulante e melhores resultados de prenhez.
Em
sistemas de recria e engorda o processo é o mesmo: tudo começa quando os animais
desembarcam na fazenda ou confinamento. Antes de levar o gado para o curral é
importante que os animais descansem, se alimentem e bebam água. Eles precisam
se sentir confortáveis e confiantes na sua nova casa, para que se comportem, se
movam como um rebanho e confiem nos manejadores. Assim, poderão ser manejados
com baixo estresse para serem vacinados, identificados e vermifugados,
melhorando sua imunidade, diminuindo os riscos de doenças, acelerando a
adaptação à nova dieta e melhorando o desempenho na engorda.
O
manejo de gado é uma arte e exige técnica, habilidade, atitude e muito amor.
Investir no treinamento e motivação da equipe que trabalha com gado deve ser
uma premissa para qualquer fazenda. Faz mais sentido melhorar o nível de
compreensão e habilidades do vaqueiro do que buscar por soluções mecânicas e de
alta tecnologia para problemas comportamentais.
* Médica-veterinária,
grande precursora no Brasil da técnica “Nada nas mãos” de manejo de gado e
consultora da Zoetis.
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