Terça-feira, 12 de abril de 2022 - 11h10
Até o final da semana passada, 83,9 mil pessoas visitaram o Memorial Rondon, na Estrada de Santo Antônio, em Porto Velho, número registrado nos últimos anos e que poderia ser maior na quantidade de assinantes do livro de presença, mas, não foi possível devido às restrições da pandemia do coronavírus. Muitos brasileiros e estrangeiros, conheceram e abraçaram uma das maiores epopeias da comunicação e da geografia humana e da botânica, de todos os tempos.
O que o turista pode ver, questionar e se impressionar ao conhecer esse espaço a sete quilômetros do Centro de Porto Velho? De modo geral, o passado da Amazônia Ocidental Brasileira, que é mostrado numa parceria do Governo de Rondônia, por meio da Superintendência Estadual de Turismo – Setur e a 17ª Brigada de Infantaria de Selva.
“Colegiais podem chegar bem cedo, para não perder um só fato entre todos os que ocorreram com as incursões do marechal Cândido Rondon entre Mato Grosso, o velho Guaporé (Rondônia) e o restante da Amazônia Brasileira”, avisa o sargento do Exército Antero Ribeiro Trindade, responsável pela recepção diária a turistas brasileiros e estrangeiros, aos quais descreve o conteúdo de todas as salas e da oca indígena construída no terreno.
Se a escola transportá-los ao Memorial pouco antes das 7h, nesse horário eles passarão a ouvir histórias daquele homem que durante 40 anos andou no lombo do burro, a pé, ou em frágeis canoas, reconhecendo ou colocando nomes em rios, serras e florestas em mais de 77 mil quilômetros no sertão brasileiro – quase duas voltas em torno da Terra.
O Memorial é de Rondon, mas na pequena ponte (ou passarela) da entrada, Santo Antônio de Pádua, o santo casamenteiro, muito popular no Brasil, está presente.
A capela onde semanalmente já foram celebradas missas está fechada desde a pandemia, mas poderá ser brevemente reaberta pela Igreja Católica. O santo permanece vivo em simpatias populares, novenas, e na situação do Memorial, expõe a estratégia das pessoas em conseguir dele o apoio para uma união duradoura.
Na ponte, imitando a original, em Paris (França), há diversas lembranças penduradas no alambrado – cadeados, fitinhas, entre outros – por casais de namorados, em honra a Santo Antônio.
O santo casamenteiro tem uma rica biografia de estudo, pregação e milagres e é celebrado em 13 de junho. Batizado Fernando Bulhões, era um frade franciscano que viveu durante a maior parte de sua vida em Pádua, na Itália. Nasceu em Lisboa, no dia 15 de agosto do ano de 1195, filho único de uma família nobre e rica. Desde cedo, era estudioso e muito concentrado. Aos 19 anos, contra a vontade do pai, entrou para o Mosteiro de São Vicente dos Cônegos Regulares de Santo Agostinho, onde viveu por dois anos. Sua história é longa.
A capela é uma das raras heranças do antigo município de Santo Antônio do Rio Madeira (então Mato Grosso), criado em 1908, extinto e anexado a Porto Velho em 1944, quando foi instalado o Território Federal do Guaporé. O início da sua construção remonta à Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM), quando foi adquirido o terreno.
A inauguração oficial se deu em setembro de 1914. Com a extinção do município de Santo Antônio, que chegou a ter três mil habitantes, a população foi se mudando para Porto Velho e o local foi ficando deserto. A capela teve desabado e uma campanha de arrecadação possibilitou a reconstrução, guardando-se algumas das características originais.
Estudantes não precisam de Hulk, Homem de Ferro, Capitão América, Super-Homem, Tarzan, Homem Aranha, e outros mais. “O Brasil tem heróis, Rondon é um deles”, explica o sargento Antero.
Ele caminha alguns passos e aponta o painel com as fotos do marechal e do presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira. Este, em 1956, declarou-o herói brasileiro no ato de abertura do 17º Congresso Internacional de Geografia.
Noutro pôster conta que em 1914 Rondon foi imortalizado pela Sociedade de Geografia de Nova York na condição de um dos cinco maiores desbravadores da Humanidade.
Esta é a visão do sargento depois de recepcionar milhares de estudantes de escolas da capital: “Quadro a quadro, documento a documento, a visita com as devidas explicações dura uma hora e meia”, ele diz.
“É um privilégio para eles conhecerem diversos livros e documentos originais ou cópias, entre os quais eu cito o livro Rondon conta sua vida, entregue ao Memorial para pela própria autora, Esther de Viveiros”, comenta o sargento Antero.
Na quarta-feira (6), ali esteve o desembargador federal Ricardo do Valle Pereira, do Tribunal Regional Federal – TRF da 4ª Região, do Rio Grande do Sul. Ele percorreu todas as salas do memorial e na saída adquiriu o livro Rondon, uma vida dedicada do Brasil, do professor Lourismar Barroso. “É bom conhecer tudo sobre a vida deste desbravador”, disse.
Não apenas o ser humano compõe o cenário da expedição e da Comissão Rondon: num grande pôster geralmente os visitantes riem ao saber da façanha do cachorro malhado Cahy, que recebera ordens do seu dono para procurar uma caderneta perdida, e não é que a encontrou e dois dias depois a levou na boca para Rondon?
Talvez, a força do pedido feito por Rondon tenha motivado o animal. Rondon disse a ele: Caderneta, caderneta! – e Cahy a trouxe de volta.
A maioria dos visitantes se admira dos feitos de Rondon e dos painéis que relatam a história. Para a Secretaria de Estado da Educação – Seduc, o Turismo Educativo muito contribuiu para reviver, com imagens, objetos e farta documentação, a saga desse personagem.
Em 2016, o embaixador da Alemanha Dirk Brengelmann, percebeu que Rondônia tem sua formação influenciada por povos de todos os quadrantes do mundo.
Em 2018, outro embaixador daquele país, Georg Witschel, ficou dez minutos contemplando o busto da cientista alemã Emília Snethlage, a maior ornitóloga em atividade no Rio Madeira, falecida em Porto Velho em 1929. Ela morou aqui e classificou dezenas de aves e pássaros.
Em 2019, a embaixadora de Barbados no Brasil, Tônika Sealy Thompson, emocionou-se ao deparar com uma grande foto da construção da EFMM. Entre outros estrangeiros, lá estavam os conterrâneos dela.
Elas já estiveram no museu, Maria Cecília e Beatriz, netas de Rondon residentes no Rio de Janeiro, e sentiram, próximas a um velho aparelho telegráfico, a importância da extensão dos 5.500 quilômetros de cabos, integrando às regiões então inexploradas do Pantanal Mato-Grossense e Floresta Amazônica.
Falando em cabos e em conexão, no período imperial brasileiro, o cabo submarino ligava o Rio de Janeiro a Lisboa, numa distância de 4.791 milhas marítimas, ou 7.715 quilômetros! Era a “internet da época”.
Quanta coisa interessante, o estudante contemplado pelo programa “Turismo Educativo” pode ver no Memorial!
Mais visitantes ilustres: diplomatas do Japão e uma senhora de 96 anos, que ainda menina ganhou de Rondon uma boneca. Não faz muito tempo, ali estiveram o Príncipe Dom Rafael de Orleans e Bragança e sua esposa, a Princesa Dona Christine de Ligne de Orleans e Bragança, descendentes da Família Real Brasileira.
A velha canoa lembra “os caminhos que andam”. A roda na qual se amarravam os fios telegráficos tem ao lado a inscrição “a sonda do progresso”, conforme definira o marechal. Para os índios, essa tecnologia da época ficou conhecida por “língua de Mariano”.
Réplicas de postos telegráficos originais que funcionaram ao longo da estrada que mais tarde seria BR-29 e depois BR-364 são vistos no mesmo espaço em que há uma tela original a óleo pintada por Giuseppe Boscagli, doada pela família Rondon Amarante.
Até os anos 1980, o telégrafo funcionou dia e noite na sede dos Correios (Regional Noroeste), na Avenida Presidente Dutra, em Porto Velho.
TELÉGRAFO
Em 1937, os ingleses, William Cooke e Charles Wheatstone, apresentaram um modelo de aparelho que usava agulhas para soletrar palavras, entretanto, o invento de Samuel Morse, de longe, foi o mais prático. O remetente apenas pressionava uma tecla na linguagem de pontos, e traços eram automaticamente marcados sobre o papel do outro lado da linha.
O telégrafo teve uma expansão muito grande com o advento das ondas de rádio no final do século 19. Nas primeiras experiências com ondas de rádio efetuadas por Marconi, era comum usar o código Morse para envio de sinais, (o sinal transmitido era interrompido e liberado na cadência do código), porque nessa época não havia sido inventado o sistema de modulação pela voz.
Em 1910, Paris tornou-se o centro do mundo na divulgação do tempo, inaugurando um transmissor na torre Eifel para divulgar periodicamente a hora. A divulgação da hora era feita por intermédio de sinais telegráficos para os poucos rádios de galena existentes.
No Brasil, o aparelho foi iniciado oficialmente no dia 11 de maio de 1852, com o objetivo de modernizar o País e facilitar a comunicação do Palácio Imperial, e o Quartel do Campo, no Rio de Janeiro. As primeiras linhas telegráficas instaladas no País aconteceram devido a necessidades políticas.
O Meridiano 52 mostra o círculo imaginário conhecido desde 1938, atravessando a região centro-oeste brasileira. O Congresso Internacional de História das Ciências, em Lisboa (Portugal) nominou-o “Meridiano Rondon”.
Além de rios serras e localidades, a única projeção policômica americana da “Carta do Estado de Mato Grosso e regiões circunvizinhas” (um grande mapa) no País, mostra em escala de 1:1 milhão o trajeto da linha telegráfica.
Segundo Mário César Cabral, um dos responsáveis pela concepção da exposição, ninguém tem outra no País, é única.
PRANTO GERAL DOS ÍNDIOS
Por ter conhecido Rondon, o saudoso poeta Carlos Drummond de Andrade escreveu em homenagem a ele, Pranto geral dos índios. Trecho:
Eras dos nossos voltando à origem
e trazias na mão o fio que fala
e o foste estendendo
até o maior segredo da mata
A piranha a cobra
a queixada a maleita
não te travavam o passo
militar e suave
Nossas brigas eram separadas
nossos campos de mandioca marcados
pelo sinal da paz
E dos que assustavam pendia o punho
fascinado pela força de teu bem-querer
ó Rondon, trazias contigo o sentimento da terra
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