Terça-feira, 24 de janeiro de 2023 - 12h00
Pesquisadores da
Embrapa desenvolveram o filé de pirarucu (Arapaima gigas) em conserva,
tecnologia agroindustrial que agrega valor ao pescado e desponta como potencial
ativo de bioeconomia e desenvolvimento na Amazônia. O pirarucu está entre os
maiores peixes de água doce do Brasil e do mundo e tem despertado a atenção de
consumidores, manejadores e produtores em todo País, em especial, na Amazônia,
de onde é originário. Entre as características atraentes ao mercado destacam-se
o rápido ganho de peso desse peixe e o aproveitamento de carne, superior ao
encontrado no gado.
A tecnologia está
disponível a empresas interessadas em dar continuidade à pesquisa e levá-la ao
mercado consumidor. Ela foi desenvolvida por meio de parceria entre
a Embrapa Amazônia Oriental (PA) e Embrapa Agroindústria de
Alimentos (RJ) e resultou em um comunicado técnico detalhando
todo processo e que pode ser acessado gratuitamente no portal da
instituição.
A
pesquisadora Alessandra Ferraiolo, uma das autoras do trabalho, defende
que é necessário diversificar os produtos de peixes enlatados existentes no mercado,
e com isso, possibilitar agregação de valor, assim como aumentar a vida útil do
pescado fresco.
O pirarucu é um
peixe carnívoro que pode atingir, em condições de natureza, até três metros de
comprimento e ultrapassar os 200 quilos. No caso da criação comercial, em
cativeiro, os números também são animadores, pois o animal chega a 12 quilos em
apenas um ano, tamanho apreciado pelo mercado.
Em termos de
rendimento econômico, pesquisas da Embrapa indicam que o pirarucu suplanta ao
dobro o tambaqui (CoIossoma macropomum) e em até 40 vezes aos bubalinos,
bovinos e ovinos. Considerando-se os elevados rendimentos de carne, o que
indica a espécie com elevado potencial para a piscicultura industrial.
Segundo Ferraiolo,
o trabalho têm o intuito de agregar valor e incentivar o consumo da espécie,
além de diversificar os produtos de peixes enlatados. “O objetivo do trabalho
foi desenvolver conservas de pirarucu da pesca e da piscicultura e avaliar os
produtos quanto às suas características físico-químicas, sensoriais e qualidade
microbiológica”, detalha.
Ela explica que as
vantagens da espécie para esse tipo de processo agroindustrial estão no
rendimento muscular e qualidade da carne. “A carne do pirarucu possui coloração
clara, textura firme, sabor suave, o que agrada aos consumidores. A ausência de
espinhas intramusculares e baixo teor de gordura são outros pontos
importantes”, conta a cientista.
Do rio à lata
O trabalho dos
cientistas envolveu, além do desenvolvimento de conservas, a avaliação da
qualidade do produto final a fim de incentivar o consumo da espécie e fomentar
a sua cadeia produtiva. Os produtos enlatados foram avaliados quanto às suas
características físico-químicas e sensoriais e à qualidade microbiológica. A pesquisadora
conta que foi obtido um produto de boa qualidade nutricional, sensorial e
sanitária. É também considerado um produto de conveniência, por ser de fácil
preparo, semipronto ou pronto para o consumo. “O filé de pirarucu em lata
dispensa a cadeia do frio para o seu armazenamento, distribuição e
comercialização”, enfatiza a cientista.
Ela lembra que,
como qualquer pescado, o filé da espécie é altamente suscetível à deterioração,
desafio que a apresentação em lata ajuda a contornar. “O beneficiamento aumenta
a vida útil, a diversidade de produtos e a aceitação do pescado pelo mercado
consumidor, além de permitir um melhor controle de qualidade e aproveitamento
dos subprodutos, sem perder os benefícios nutricionais”, defende a cientista ao
ressaltar que o elevado teor de nutrientes presente no pirarucu o torna
recomendável ao consumo.
Pelo processo
agroindustrial desenvolvido, os filés foram higienizados em solução clorada,
imersos em salmoura (3% sal refinado), drenados, cortados e acondicionados em
latas. Em seguida, adicionou-se o líquido de cobertura, à base salmoura a 2% e
as latas foram submetidas aos processos de exaustão, recravação, tratamento
térmico e resfriamento.
Degustações, em
testes sensoriais, também foram realizados e indicaram que a conserva elaborada
com o pirarucu da piscicultura foi preferida em comparação à elaborada com o
peixe oriundo da pesca. Os peixes de criação se sobressaíram nos atributos
textura, sabor e impressão global. O resultado geral foi a intenção positiva de
compra do produto. “A conserva de pirarucu, proveniente da pesca ou da
piscicultura mostrou boa aceitação sensorial”, afirma Ferraiolo.
Mercado
Os dados oficiais
sobre a produção pirarucu tem oscilado nos últimos anos. Depois de uma alta
registrada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano
de 2015, quando a produção nacional atingiu algo em torno de oito toneladas,
houve uma queda significativa em 2020, quando, de acordo com o instituto, a
produção não conseguiu alcançar duas toneladas.
Esses números, no
entanto, não condizem com a realidade da produção do pirarucu, segundo
Francisco Medeiros, presidente-executivo da Associação Brasileira da
Piscicultura (PeixeBR). Medeiros relata que os dados do IBGE provavelmente
registraram apenas a criação comercial e não a produção oriunda dos planos de
manejo. “A produção do pirarucu se divide entre a criação comercial em
cativeiro e os planos de manejo comunitários, estes, nos diversos estados da
Amazônia”, enfatiza o presidente da PeixeBR.
Sobre a discrepância
de dados, Medeiros acredita que pode estar relacionada à dificuldade de
mensurar a pesca de manejo nas comunidades tradicionais. De acordo com os
registro da PeixeBR, somente o estado do Amazonas produziu cerca de três
toneladas em 2020, ou seja, uma tonelada a mais que o registrado pelo IBGE.
A PeixeBR
reconhece, no entanto, que houve um queda vertiginosa na produção em cativeiro,
mas, ao mesmo tempo, um aumento significativo na produção de manejo e
organização comunitária. O executivo avalia que o mercado para esse peixe tem
muitos gargalos, mas também potencialidades e que o papel da pesquisa, a união
de esforços e implementação de políticas públicas, podem reestruturar e
impulsionar a cadeia da espécie nativa.
Se por um lado
houve queda na produção em piscicultura, o mercado de alimentos enlatados segue
aquecido e projeta crescimento, segundo pesquisa divulgada pela empresa de
consultoria Mordor Intelligence. O estudo Mercado de alimentos
enlatados - crescimento, tendências, impacto do COVID-19 e previsões (2022 -
2027) prospecta crescimento no setor para os próximos anos, com destaque
aos produtos de pescados e frutos do mar. De acordo com a pesquisa, a pandemia
de COVID-19 causou uma tendência positiva no consumo de alimentos enlatados, à
medida que mais pessoas recorreram à comida caseira e às compras no varejo,
costume reforçado durante os períodos de confinamento, e que tem sido
incorporado às rotinas.
O relatório destaca
ainda que o mercado de enlatados, em especial, de peixes e frutos de mar, é
impulsionado, principalmente, pela crescente população urbana que prefere
alimentos fáceis e convenientes e ganha reforço na demanda por alimentos
saudáveis, ricos em proteínas, fibras funcionais, vitaminas e ácidos graxos
ômega-3.
Expectativa de
novos mercados
O pirarucu é um
peixe que traz versatilidade econômica aos produtores, sejam eles de manejo ou
piscicultura, pois, tudo se aproveita do animal. A carne, ultrapassa os 50% em
aproveitamento da carcaça, pele, escamas e até a língua tem valor comercial e
nichos de mercados de alto valor agregado. Os resíduos também podem ser
processados como insumo destinado à alimentação animal. Características que
tornam a espécie adequada ao conceito de “economia circular”.
Essa versatilidade
chamou a atenção da família Arima, da cidade de Benevides, Região Metropolitana
de Belém, capital paraense. Proprietária da Paima Pescado, a família atua
há sete anos com piscicultura e o pirarucu é um dos principais produtos da empresa,
como conta o empresário Koji Arima.
O Pará está entre
os maiores produtores do País, segundo o IBGE, e a família Arima segue
apostando no potencial do pescado. A empresa desenvolveu um sistema de criação
próprio, em tanques escavados que propiciam o adensamento e crescimento rápido
dos animais. “Chegamos a 200 animais por tanque e estamos investindo na
verticalização da produção, atuando desde a criação das matrizes, alevinos,
engorda, chegando ao processamento total do peixe ao fim de um ano”, explicou o
empresário.
Atualmente, a
empresa possui 20 tanques, com capacidade de produzir 100 toneladas anuais e a
previsão é expandir para mais 40 tanques até o fim de 2023. “Abastecemos os
supermercados de Belém com filé fresco e entregamos em todo Brasil sob demanda.
Nossa expectativa é atingir o mercado internacional”, anuncia.
Bolsas de pirarucu
De olho no mercado
e na verticalização dos negócios, a empresa criou também um novo
empreendimento, a Domfisher, para a confecção de bolsas acessórios tendo como
matéria-prima o couro de pirarucu. “Nossos produtos são feitos na Amazônia e
queremos ganhar o mundo”, afirma o empresário.
Manejo de pesca
estruturado
Os planos de manejo
de pesca do pirarucu vem se consolidando nos últimos 20 anos. Se há suas
décadas havia o risco da extinção da espécie, dado à pesca predatória, hoje, a
realidade em dezenas de comunidades na Amazônia Brasileira é de estoques
renovados, planos de manejo consolidados, organização comunitária e o começo,
ainda que tímido, de conquistas econômicas a partir dessa atividade. É o que
afirma Ana Cláudia Torres Gonçalves, coordenadora do Programa de Manejo de
Pesca do Instituto Mamirauá (AM).
De acordo com ela,
os planos acompanhados pelo Mamirauá possuem capacidade de ampliar a produção a
partir da pesca do pirarucu e que entre os problemas enfrentados, ainda estão a
dificuldade de estocagem e resfriamento, além de buscar novos mercados que possam
eliminar os atravessadores, garantindo preços mais justos às comunidades e
valorização da preservação dos recursos naturais na Amazônia.
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