Quinta-feira, 25 de abril de 2019 - 10h54
Há cerca de um mês “desapareceram” do site do
Ministério do Meio Ambiente (MMA) os dados das Áreas e Ações Prioritárias para
a Conservação, Utilização Sustentável e Repartição dos Benefícios da
Biodiversidade. Nos últimos anos, lideranças empresariais têm atuado para
reverter decretos e outras normas federais sobre esse instrumento de política
pública, que dá suporte técnico para criação de unidades de conservação, licenciamento
de atividades potencialmente poluidoras, fiscalização e outras ações de gestão
ambiental.
Sob condição de anonimato para evitar represálias,
funcionários do MMA informaram que a ordem para remoção completa dos mapas e
demais informações das Áreas e Ações Prioritárias para a Conservação foi dada
por Ana Maria Pellini, secretária-executiva do ministério. Foram removidas
também reportagens produzidas pela comunicação do MMA. Questionado por meio de
sua assessoria de imprensa sobre essa suposta ordem, o gabinete da pasta não
respondeu.
Entre as entidades empresariais contrárias às
diretrizes das Áreas e Ações Prioritárias para a Conservação está o Fórum do
Meio Ambiente do Setor Elétrico (FMASE). Na terça-feira (24), a presidência
dessa associação enviou ao MMA uma carta ao ministro Ricardo Salles (Novo),
aproveitando a recente decisão do presidente Jair Bolsonaro (PSL) de rever
decretos, portarias e outras normas federais.
REVOGAR DECRETOS
Na correspondência encaminhada a Salles, Marcelo
Moraes, presidente do FMASE, solicitou que seja proposta ao governo a revogação
do Decreto nº 5.092/2004 – que definiu regras para identificação das Áreas
Prioritárias para a Conservação – e suas portarias, e também a revisão do
Decreto nº 8.437/2015, que estabelece os tipos de empreendimentos e atividades
cujo licenciamento ambiental compete à União.
O documento ressalta que o Brasil já tem 30% de seu
território ocupado por unidades de conservação e áreas indígenas e quilombolas,
e aponta também percentuais maiores atribuídos à Embrapa Territorial.* “Essa
realidade, somada à atualização dos citados Mapas com as Ações Prioritárias
para a Conservação da Biodiversidade, prejudicará em muito a implantação e
operação de empreendimentos e atividades necessárias ao desenvolvimento do
país”, afirma a carta.
Moraes, que também é vice-presidente de Relações
Institucionais e Sustentabilidade da Associação Brasileira de Investidores em
Autoprodução de Energia (Abiape), não respondeu às tentativas de contato da
reportagem, inclusive a recado deixado com a secretaria do FMASE.
Em seu questionamento ao MMA, a reportagem
perguntou também sobre a posição do órgão sobre o pedido do Fórum do Meio
Ambiente do Setor Elétrico e sobre se o ministério já havia realizado
tratativas com a entidade referentes ao tema. Não houve resposta.
FALTA TRANSPARÊNCIA
“O governo tem obrigação de manter públicos seus
dados. Especialmente aqueles que mostram as diferentes demandas sobre o
território. O Mapa das Áreas e Prioritárias para a Conservação indica enormes
riquezas dos brasileiros que devem ser consideradas antes de serem destruídas”,
afirmou a engenheira agrônoma Maria Cecília Wey de Brito, que foi secretária
nacional de Biodiversidade de 2007 a 2010 durante a gestão de Marina Silva no
MMA, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Não ter essas informações disponíveis como sempre
foram é deixar a população refém de decisões que não se sabe ao certo como
foram tomadas. Transparência é a base da democracia”, acrescentou.
A remoção dos dados também foi criticada pelo
geólogo Claudio Maretti, que foi presidente do Instituto Chico Mendes para a
Conservação da Biodiversidade (ICMBio) de 2015 a 2016, no final da gestão de
Izabella Teixeira no MMA, no governo de Dilma Rousseff (PT). “Onde estão essas
informações? Quais as políticas que esse Ministério do Meio Ambiente prepara
para sua implementação?”, questionou;
“Se é verdade que se escondem essas informações,
isso seria um tipo de crime ambiental por analogia, por impedir a conservação
dos ecossistemas e espécies ameaçados”, afirmou Maretti, que permaneceu até
janeiro deste ano como diretor de Ações Socioambientais e Consolidação
Territorial em Unidades de Conservação do ICMBio durante a gestão do MMA de
Sarney Filho (PV), no governo de Michel Temer (MDB) e nos primeiros dias da de
Salles, com Bolsonaro. “É importante não esquecer que a natureza é patrimônio
dos brasileiros e da humanidade”, acrescentou.
CÓPIAS ARMAZENADAS
Mapa das Áreas e Prioritárias para a Conservação, Utilização Sustentável e Repartição dos Benefícios da Biodiversidade (clique na imagem para ampliá-la em outra aba ou janela).
Estabelecidos em 2004 com base em recomendações da
Convenção sobre a Diversidade Biológica das Nações Unidas, os mapas e demais
informações das Áreas e Ações Prioritárias para a Conservação foram organizados
com a participação de órgãos públicos das áreas de recursos naturais e também
de universidades e demais instituições de pesquisa, além de organizações não
governamentais.
O acervo passou por duas reavaliações e atualizações. A
primeira foi iniciada em 2006 e concluída em 2007, e a segunda foi iniciada em
2016 e concluída em 2018. Todas essas informações, que foram produzidas com
suporte de recursos públicos, estavam armazenadas no subdomínio
http://areasprioritarias.mma.gov.br, agora inacessível. Grande parte desse
conteúdo que estava disponível em 11 de janeiro deste ano ainda pode ser
consultado no repositório Archive.org.
* Direto da Ciência não reproduz os dados da Embrapa Territorial mencionados na carta por se tratarem de desinformação. Confira nos Agromitômetros, do Observatório do Clima.
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