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A bela da Funai só não seduz o Planalto


A bela da Funai só não seduz o Planalto - Gente de Opinião 

CYNARA MENEZES
Carta Capital (*)

 

Como se vê na foto menor em que aparece o cacique Raoni, os índios costumam olhar para Maria Augusta Assirati, a atual e ainda interina presidente da Funai, como se ela fosse uma versão contemporânea de Iracema, a virgem dos lábios de mel do romance de José de Alencar. Infelizmente, Guta não exerce o mesmo fascínio sobre os ocupantes do Palácio do Planalto. Enquanto a presidente da Confederação Nacional da Agricultura, a senadora Kátia Abreu, crítica contundente do trabalho dos indigenistas, teve ao menos quatro audiências com Dilma Rousseff nos últimos 12 meses, a responsável pela Funai só foi recebida uma única e escassa vez pela presidenta. E há nove meses espera em vão sua efetivação no comando da fundação.
 

A advogada paulistana de 37 anos tenta manter o sorriso quando pergunto se o fato de não ter sido efetivada é um sinal claro do esvaziamento do órgão. “Ter um presidente efetivo, passar por uma situação de estabilidade, seria um reconhecimento importante”, desconversa. Insisto: os indígenas estão entre as prioridade do governo? “Na verdade, os índios nunca foram prioridade de governo algum. Há 500 anos é assim.”
 

Guta assumiu a Funai em junho passado, em substituição à antropóloga Marta Azevedo, primeira mulher a ocupar o cargo, que alegou problemas de saúde para deixar a Funai. Em outubro, em uma entrevista ao blog de Felipe Milanez, no site da CartaCapital, atribuiria à atual política indígena as causas de seus males. “Fiquei com um problema sério de saúde, uma doença autoimune, que pode ser debitada na conta dos ruralistas. Se não fossem eles, muitos indígenas estariam vivos e eu estaria saudável.”
 

Especializada em Direito Público, Guta nunca tinha se dedicado à questão indígena até trabalhar na fundação (antes de assumir a presidência interina, ela ocupou a Diretoria de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável). “Conhecer os povos indígenas e a sua luta dá a oportunidade ou de ser picada pelo mosquito da causa, e aí você se envolve de uma maneira muito intensa, ou de não ter nenhuma identificação. Eu me identifiquei muito rapidamente, fui picada.”
 

Nos bastidores, consta que Guta faz muito sucesso entre os índios, não exatamente pela atuação destacada no comando de um órgão esvaziado, e sim pela beleza morena. Segundo uma funcionária da Funai, os índios sempre saem do gabinete da presidência com sorrisos nos lábios. Ela ri da história e atribui essa satisfação à sua opção de sempre falar a verdade. “Índio não mente, então eu também não minto para eles. Acho horrível prometer alguma coisa e depois não poder cumprir.”
 

Ser mulher e jovem a transformou em alvo de ataques machistas dos inimigos das causas indígenas. Para provocá-la, um blog apócrifo chegou a divulgar um poema seu, da juventude, seguido de comentários jocosos. O poema diz: Fiz do verso a alegoria de meus medos/ da palavra, a fantasia dos dias/ em que eu, nua, vestia preto. A presidente da Funai diz que a apelação ao machismo “não é infrequente” e afirma pretender processar o autor do blog tão logo descobrir de quem se trata.
 

Segundo o cacique caiapó Megaron Txucarramãe, nem ele nem seu tio Raoni tiveram muito contato com a presidente da Funai, por isso ele prefere não opinar a respeito de sua atuação. Queixou-se apenas do fato de Guta não ter comparecido a uma reunião na aldeia Piaraçu, no Xingu, para a qual foi convidada, em março. Megaron não poupa, porém, a fundação. “Ela tem que ajudar índio, mas até agora está fraquinho, a Funai está muito fraquinha. Não é igual antigamente, que estava presente na aldeia.”
 

Para as lideranças, foi equivocada a reestruturação da fundação em 2010, quando os postos nas reservas foram fechados e o atendimento passou a ser centralizado nas cidades. “Agora o índio precisa ir nas coordenações regionais, que são muito longe e não têm estrutura”, afirma Megaron. A própria presidente da Funai reconhece: é preciso reaproximar o órgão dos índios. “Queremos descentralizar ainda mais, com unidades próximas às terras indígenas.”
 

De maneira geral, a opinião dos índios sobre a presidente da Funai é semelhante: “uma boa pessoa”, mas à frente de uma estrutura fraca e desprestigiada. A reestruturação, aliás, foi vista na época como uma tentativa do governo de reduzir o papel do órgão. Os rumores sobre a provável extinção da fundação, criada em 1967 em substituição ao Serviço de Proteção ao Índio, volta e meia reaparecem e não escaparam aos ouvidos de Guta. “Também ouço”, ela diz, e deixa transparecer um certo desânimo. “Mas não acredito. Acho que a Funai só iria acabar se deixasse de haver indígenas no Brasil.” Pergunto se são os ruralistas os maiores inimigos dos índios hoje em dia. “Eu diria que é a ignorância e o preconceito. A sociedade brasileira precisa conhecer muito sobre os indígenas para poder compreendê-los.”
 

O governo Dilma Rousseff foi o que menos demarcou terras indígenas desde a era Fernando Henrique Cardoso. Segundo o Conselho Indigenista Missionário, sob os petistas aumentou a média de nativos assassinados: 56,5 por ano na gestão Lula e 54 no governo Dilma, ante 20,8 por ano nos tempos de FHC. A dirigente da Funai ensaia uma explicação: o maior número de demarcações feitas nos anos 1990 foram na Amazônia Legal, enquanto aquelas que ainda faltam são em regiões com muito mais conflitos e em áreas mais ocupadas.
 

O fato não exime Brasília de críticas. “O governo poderia ter mais instâncias para acolher o contato com os indígenas”, defende. “Esta nunca foi uma pauta tranquila, sobretudo no aspecto fundiário, e hoje vivemos um momento difícil. A bancada ruralista está muito forte no Congresso e é um setor contra o regime de demarcação. O caminho para consolidar a política indigenista tem de ser definido agora.”
 

Se quiser sobreviver na Funai, Guta precisará incorporar o espírito guerreiro das florestas.
 

(*) O título da matéria é de Amazônias.

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