RAIMUNDO NONATO BRABO ALVES
Amazônias (*)
BELÉM, Pará — Sábado à noite foi a Hora do Planeta, um protesto pacífico contra o aquecimento global, numa iniciativa da WWF em 117 países. No Brasil, 72 cidades aderiram à manifestação. Mesmo não havendo muita mobilização em minha comunidade, resolvi apagar a luzes de nossa casa, em adesão à campanha, provocado até mesmo — devo confessar — por um peso na consciência.
Interessante que na falta de luz até por mais de 8 horas, a minha reação natural é inicialmente de angústia e posteriormente de revolta contra a companhia de eletricidade. Na noite de sábado como a adesão foi voluntária a sensação foi diferente. A experiência me levou a uma atitude reflexiva: do quanto sou dependente de energia.
Desligado do estresse com céu estrelado
A primeira percepção foi do silêncio que me “desligou” do estresse do dia a dia e me fez repensar em minhas atitudes em relação ao ambiente em que vivo. A segunda experiência foi a de ver o céu estrelado e a lua radiante em plena noite de março, coisa rara na Amazônia, nesta época do ano.
Nesse momento lembrei que há muito eu não observava o céu e as estrelas. Pensei que talvez seja uma atitude que eu deva tomar como rotina, para meu próprio bem estar, quem sabe uma vez por semana ou uma vez por mês.
Tentei compensar meu lazer assistindo os noticiários pelo celular. Descobri que a autonomia da bateria para a função TV é de apenas 30 minutos. Que pobre dependência!
Aí fiquei a refletir: e se a falta de energia fosse definitiva? Não poderia mais ver televisão. Não haveria mais notícias pela internet. Não poderia mais me comunicar por não conseguir mais recarregar meu celular. Não beberia mais água e cerveja gelada. Não mais teria banho de chuveiro. Não teria mais como conservar os alimentos. Não haveria roupa lavada. Enfim estes seriam apenas meus problemas mais imediatos.
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O vagalume que despertou o pesquisador para a beleza da noite estrelada em Belém do Pará /FOTO BRABO ALVES |
Luz esverdeada na escuridão
Quando comecei a pensar na logística de fornecimento de bens de consumo e serviços que dependem de energia das mais diferentes fontes. Aí então pude compreender o que seria um verdadeiro caos, quem sabe até mesmo o fim de grande parte da população humana no planeta.
De repente na escuridão da noite, percebi a luz esverdeada de um vagalume a acender intermitentemente, como que me levando a refletir o quanto eu sou dependente e ao mesmo tempo impotente quando o assunto é energia. Os vagalumes são providos de um fenômeno químico conhecido como bioluminescência, que é a transformação da energia química em energia luminosa, conferindo-lhe a beleza do brilho esverdeado. Esse recurso é usado para a atração do sexo oposto. Isso mesmo, a freqüência do lampejo é uma espécie de código no namoro para a aproximação dos pares. Decidi fotografar a inusitada fonte de luz.
Fiquei a imaginar que fonte de energia não se esgotaria. Todas que o homem manipula se esgotam: desde as primitivas, entre as quais, gordura de baleia e de peixe-boi, carvão, petróleo, biocombustíveis, hidrelétricas, nuclear e até mesmo as que são ditas renováveis mais que dependem de baterias como a eólica e a solar. A do vagalume não se esgota e quanto mais namoro mais vagalume e, portanto mais energia.
Enquanto a maioria dos seres vivos necessita apenas da energia dos alimentos para viver e se movimentar, eu necessito do restante da energia do mundo para satisfazer meus desejos de consumo e ser feliz: alimentação, vestuário, transporte, lazer e outros. O quanto somos limitados e ao mesmo tempo prepotentes. Em matéria de produção de energia bons mesmos são os vagalumes.
(*) O autor é pesquisador responsável pelo Núcleo de Apoio à Pesquisa e Transferência de Tecnologia da Embrapa no Baixo Tocantins. Escreve o blog Amazônia em Devaneios. Veja-o, aqui.
NOTA
O relato de Brabo Alves lembra-me a infância. Nas brincadeiras noturnas numa Teodoro Sampaio (SP) ainda sem energia elétrica, gritávamos nas ruas: “Vagalume tem-tem, teu pai taqui, tua mãe também!” (Montezuma Cruz)