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A rebelião de 1932 e o início do baratismo


 A rebelião de 1932 e o início do baratismo - Gente de Opinião

Magalhães Barata: inteventor e governador do Pará /Arquivo O Estado Tapajós


LÚCIO FLÁVIO PINTO
Editor do Jornal Pessoal
De Belém (Pará)

Em 1924 o tenente Magalhães Barata ocupou militarmente Óbidos, a caminho de Belém, vindo de Manaus, à frente de tropa sublevada do exército. Pretendia dar sua contribuição para o fim da oligarquia carcomida da República Velha. Mas ficou aí. Reprimido, o movimento não se prolongou. Mesmo porque o comandante esteve muito longe de ter um comportamento heroico.
 

Oito anos depois, o tenente revolucionário estava no topo do poder no Pará e a rebelião que irrompeu de novo em Óbidos era contra ele e o novo poder estabelecido dois anos antes. Desta vez houve combates e mais determinação.
 

No entanto, a versão desse episódio que prevaleceu foi a do interventor. Segundo sua reconstituição utilitária, os revoltosos foram comandados por um oportunista de fora, o baiano Athenógenes Pompa de Oliveira. Seu objetivo foi apenas saquear o comércio e os pecuaristas, ficando com o dinheiro e praticando arbitrariedades. Não havia verdadeiro conteúdo político nesse movimento.
 

A rebelião de 1932 e o início do baratismo - Gente de Opinião
 

O jornalista e historiador Walter Pinto de Oliveira desmonta essa artimanha no livro 1932 – A revolução constitucionalista no Baixo Amazonas (Paka-Tatu, 304 páginas, 2013). Consultando meticulosamente uma alentada bibliografia e documentos primários que vasculhou em diversos arquivos para o que, originalmente, foi a sua dissertação de mestrado, Walter mostra que os fatos foram deturpados e manipulados.
 

O objetivo de Barata era valorizar a rebelião de 1924, da qual foi líder, e diminuir a insurreição de agosto de 1932, da qual foi o alvo imediato. O interventor se preocupou em eliminar os propósitos políticos dos insurgentes, que tomaram por inspiração a revolução constitucionalista de São Paulo.
 

Como em 1924, em 1932 o Pará era um lugar distante do centro hegemônico nacional. Mesmo personagens importantes da revolução constitucionalista tinham, a partir de São Paulo, uma visão idílica e falsa do que podia estar acontecendo naquele ponto em que o Amazonas fica mais estreito em todo o seu curso em território brasileiro – e só por isso Óbidos, com seis mil habitantes, conquistou uma função estratégica.
 

Era a sede 4o Grupo de Artilharia de Costa e de uma fortaleza da época colonial, onde não mais do que uma centena de homens acompanhavam as subidas e descidas dos milhares de embarcações que singram até hoje o maior rio do planeta. Analisado num mapa, o local podia parecer mais relevante do que efetivamente era. Mereceu por isso a anotação de Getúlio Vargas em seu diário. “A revolta tende a alastrar-se como uma furunculose. Rebela-se o Forte de Óbidos no Amazonas”. Afinal, era a “primeira manifestação efetiva de apoio à causa constitucionalista no Norte, após 50 dias de combate”, como Walter observa.
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No entanto, como em 24, novamente foi fácil controlar a rebelião. Só havia uma saída para os amotinados, pelo rio. Eles não passavam de duas centenas de homens “mal armados e sem nenhuma embarcação para deslocamento”. Foi o “único combate naval dos 64 registrados durante a Revolução Constitucionalista”. A “batalha de Itacoatiara” foi, porém, desigual: do outro lado estava a flotilha do 27o BC, formada por seis navios, com 230 homens, mais bem armados”. Houve mortes., em número até hoje não apurado com precisão.
 

Quando o navio Poconé atracou em Belém, trazendo 72 prisioneiros de Óbidos, no dia 6 de setembro, estudantes, guardas civis e militantes comunistas iniciaram outro movimento de adesão à causa de São Paulo, que durou até o dia seguinte, com o saldo final de três mortes na dura repressão desencadeada pelo governo, que contou com apoio popular.
 

Joaquim de Magalhães Cardoso Barata já empregava o seu estilo populista e autoritário, combinando violência contra os adversários e tolerância para com seus partidários, admiradores e aderentes. Mas utilizando a imprensa de aluguel ou partidária para formar opinião pública favorável. Era um jeito novo de fazer política, embora sua novidade fosse muito mais de forma do que de conteúdo.
 

Fiel a essa tática, ele declarou a respeito dos conflitos na capital: “Açularam umas crianças, mentiram a esses ignorantaços da Guarda Civil”. Um dos três mortos era da guarda. Outro era da extinta Força Pública (o terceiro era um comerciário desempregado). Desacreditava as lideranças da revolta e atraía para o seu perdão a massa de manobra. Além de conter a oposição, queria exibir força para o poder central, de onde extraía sua legitimidade. Queria ser admirado como um tenente revolucionário – valente, corajoso, estadista.
 

Não era o que a sua biografia sugeria até então. Em 1930, quando se tornou interventor federal, estava há 10 anos no mesmo posto no exército, o de primeiro tenente, ao qual foi promovido em janeiro de 1920. No primeiro ano no poder ascendeu sucessivamente a capitão e major. Sua maior façanha, o motim de 1924, terminou com a rendição incondicional ao general Mena Barreto, embora “com Mas era o bastante para o jornal oficioso Diário da Tarde incensá-lo.
 

Apesar do mandato ainda curto de dois anos, já era “um governo por todos os títulos o maior de quantos já tivemos, honesto, trabalhador, brilhante, e que vai deixar na sua passagem por esta terra um rastro luminoso de benemerência que jamais se apagará”. O major se tornara, ao mesmo tempo, “símbolo do povo, símbolo do Exército, símbolo da revolução de Outubro”.
 

Como todo ditador, Barata parecia acreditar nos qualificativos comprados e se esmerava em poli-los e azeitá-los, conforme Walter Pinto demonstra em seu livro, uma tentativa de relativizar os termos da oração oficial e recuperar a história real. O movimento não foi tosco nem mal intencionado, como quis o interventor. Há vários fatores que influíram para a sua eclosão: “a própria organização militar, o confronto nacional entre centralismo e regionalismo, o sistema de promoção nas Forças Armadas, a carreira militar, a insatisfação contra o autoritarismo”.
 

Se os vencedores procuraram destacar as requisições em dinheiro e mercadorias feitas pelos revoltosos, Walter lembra que o valor requisitado pelos rebeldes de 1924 equivalia ao pagamento de duas folhas salariais do exército em Óbidos, enquanto oito anos depois o valor correspondia a apenas duas folhas de A manipulação dos dados, o uso imoderado da força, a busca da voz única e a intolerância pela oposição já se revelavam no início da presença de Barata no poder e iriam se manter até o fim da sua passagem, ao longo de três décadas.
 

Se foi o coveiro da oligarquia da República Velha, o tenentismo foi também o parteiro de regimes de força que evoluiriam até a ditadura aberta, em 1964. A revolução de 1930 foi a porta de entrada para essa nova era, acentuada nos “Estados do Norte”: dos 11 que havia, em nove o governo foi exercido por tenentes como Barata. O livro de Walter Pinto é o melhor registro da abertura desses tempos.

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