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Agressões sem fim


 Agressões sem fim - Gente de Opinião
Em demonstração de audácia, madeireiros reconstroem ponte sobre o rio do Sangue
usada para escoar ilegalmente toras da TI Manoki /SINA

Andreia Fanzeres /Opan
Em Cuiabá

Faz menos de três meses que a Polícia Federal esteve no norte da Terra Indígena (TI) Manoki junto com o Ibama para realizar uma ação de fiscalização que apreendeu maquinários e toneladas de madeira que eram extraídas clandestinamente da área.

Há pouco mais de um ano, os Manoki incendiaram uma ponte de madeira construída com o único objetivo de servir como rota de escoamento de madeira ilegal de seu território até as serrarias do município de Nova Maringá, para além dos limites do rio do Sangue.

Acharam que impedindo fisicamente o trânsito de caminhões o desmatamento ia diminuir. Por pouco tempo. Na primeira semana de novembro, eles se depararam com um caminhão carregado de cambará e cedrinho arrancados clandestinamente da terra indígena. E sua rota de saída era por aquela mesma ponte, que acaba de ser reconstruída pelos criminosos.

Há cerca de cinco anos, os indígenas têm o cuidado de registrar em vídeos e fotos suas denúncias mensais às autoridades ambientais e policiais sobre o intenso movimento de caminhões e outros veículos na terra indígena. Não faltam evidências sobre o avanço das agressões à TI Manoki. Em suas expedições rotineiras de vigilância, os indígenas já flagraram esteiras, toras, áreas queimadas, gente armada, novas fazendas e estradas no território. Há sete anos, desde que seu território foi demarcado, eles aguardam a homologação da área e com ela o início do processo de desintrusão e indenização aos ocupantes de boa-fé, com a certeza de que, cada minuto a mais, uma árvore a menos vive na floresta.

Na viagem de vigilância do mês de novembro, eles visitaram uma vila que está surgindo nos limites da TI Manoki conhecida como Bom Futuro. Também foram a um loteamento que ganha a cada mês uma casa nova, chamado Banco da Terra, no interior do território indígena. Ele já tem energia elétrica instalada, ruas abertas, capoeiras. Fica próximo ao rio Treze de Maio, no extremo norte da terra indígena, vizinho ao Projeto de Assentamento (PA) Tibagi. Os Manoki foram direto para lá porque já acompanhavam, há semanas, a fumaça das queimadas que partiam dali. Quando chegaram, confirmaram as suspeitas: o fogo limpava a área para o loteamento crescer.

Mais de 20% perdidos

De acordo com o monitoramento do desmatamento na TI Manoki realizado pela OPAN desde 2012, atualmente a área já perdeu mais de 20% de sua cobertura vegetal original. A cada expedição, os indígenas encontram mais cercas e porteiras instaladas por gente que está deliberadamente invadindo e devastando o território indígena, sem medo ou qualquer receio de eventuais penalidades. Desta vez, os Manoki fotografaram uma placa em uma das áreas de fazenda abertas dentro da terra indígena que indica o financiamento da atividade por parte do Banco do Brasil e aponta o nome da proprietária: Ellen Adriana Rodrigues Conti, que em janeiro de 2015 foi nomeada assessora de gabinete de Vagner Dupim Dias, juiz de direito e diretor do foro da Comarca de Brasnorte.

“Nossa área está totalmente diferente. Ficamos perdidos no meio da lavoura. As estradas aqui dentro estão cascalhadas, o que indica trânsito intenso de caminhões”, informa o cacique geral do povo Manoki, Manoel Kanunxi.

O caminhoneiro abordado pelos indígenas durante a vigilância dirigia um veículo de placa de Nova Maringá, com placa MZG 0277. Ele conversou com os Manoki e disse que naquele momento havia pelo menos outros cinco caminhões recolhendo madeira de dentro da terra indígena e que esse movimento é diário. Segundo ele, os compradores dessa madeira ilegal pertencem a um proprietário conhecido como Vilela e ao grupo Machadinho.

A recorrência dos crimes ocorre mesmo com a aplicação de multas milionárias aos infratores. Em 2014, o Ibama embargou 61,5 mil hectares e aplicou aproximadamente R$ 2 milhões em multas por desmatamento e descumprimento de embargos. No ano anterior, o órgão apreendeu colheitadeiras e tratores que operavam ilegalmente dentro da TI Manoki, doando ao município de Brasnorte 39 toneladas de arroz plantados irregularmente na terra indígena. O proprietário foi multado em R$ 9.5 milhões pelas mesmas infrações: descumprir embargo e impedir a regeneração da vegetação nativa.
Imbróglio desnecessário

Receosos que, com tantas porteiras e fazendas novas, os Manoki sejam cada vez mais impedidos de circular pela sua própria terra indígena, eles apelam por uma ação enérgica por parte do governo.

Ações suspendem regularização

No entanto, o primeiro passo para a solução dos problemas – a conclusão do processo de regularização fundiária – encontra-se estacionada na Justiça. Embora o rito de identificação da Terra Indígena Manoki tenha acontecido conforme estabelece a legislação indigenista, o que inclui a fundamental etapa do contraditório (quando quaisquer entes que discordem dos laudos indicativos de reconhecimento da terra indígena são convidados a se manifestar), conforme o rege o Decreto 1775/96, diversas associações de produtores rurais de Brasnorte judicializaram o processo, já que seus argumentos não foram considerados consistentes dentro da tramitação administrativa.

Segundo informou a Funai, duas ações movidas pela Associação de Produtores Rurais de Água da Prata e Associação de Produtores Rurais de Niterói de Brasnorte tiveram liminares que suspenderam o andamento da regularização fundiária da TI Manoki, que tem 206 mil hectares.

Apesar da decisão da juíza federal subsitituta da 21ª vara do Distrito Federal, que revogou as decisões anteriores e indeferiu os pedidos de antecipação dos efeitos de tutela ainda em 2013, o processo administrativo da TI Manoki não pode prosseguir por decisões da Justiça Federal em Mato Grosso decorrentes de ações de autoria de Philllip Monteiro Laignier Costa, da Associação de Produtores Rurais Esperança Ltda e da Associação de Produtores Rurais Estrela Dalva.

“Se o judiciário levasse em conta os estudos de identificação da Funai para emitir julgamento em casos de judicialização de reconhecimento de terras indígenas, talvez proferisse sentenças justas. O que assistimos é a protelação de indenizações de ocupantes de boa fé onde todos saem perdendo sem a devida regularização fundiária – os municípios, o estado e a União”, diz Andrea Jakubaszko, coordenadora do Programa de Direitos Indígenas da OPAN. “Seria importante, em casos como esses em que os indígenas aguardam há décadas o direito constitucional da homologação de suas terras de comprovada ocupação histórica, que os juízes nomeassem peritos, garantindo a imparcialidade necessária em vez de incorrer em clientelismos locais”, completa.

Em nota enviada à OPAN, a Polícia Federal informou que um inquérito já foi instaurado e uma força-tarefa em parceria com Ibama e Incra será realizada para identificar os responsáveis sobre os crimes na TI Manoki. Do mesmo modo, também existe um inquérito civil aberto no Ministério Público Federal com a finalidade de apurar os danos ambientais na terra indígena.

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