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Aos 71 anos, seu Manoel da Gameleira comanda cooperativa amazônica


 

Aos 71 anos, seu Manoel da Gameleira comanda cooperativa amazônica - Gente de Opinião
Manoel da Gameleira é um dos mais antigos líderes de seringueiros do Acre e se tornou um símbolo do cooperativismo na Amazônia / MONTEZUMA CRUZ

  

MONTEZUMA CRUZ
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BRASILÉIA, Acre – Os 150 funcionários com carteira assinada na Cooperativa Central de Comercialização Extrativista do Acre (Cooperacre) o conhecem por Manoel da Gameleira, presidente dessa empresa fundada em 2001 e atualmente com 21 associadas em mais da metade dos 22 municípios acreanos.

 

— Nunca passei fome. Calcei meu primeiro par de sapatos quando tinha 15 anos. Nasci numa colônia (sítio) em Rio Branco, fui seringueiro no tempo em que colônia não valia nada – declara Manoel José da Silva, 71 anos, dono desse apelido.

 

Junto com os parentes, na colocação onde trabalhou, seu Manoel conseguiu produzir mais de 60 latas de látex defumado em bolas de 60 quilos. Ele formava estoque para fugir à exploração patronal.

 

— Era o Basa (Banco da Amazônia S/A) quem punha preço na borracha. Eu tinha 18 árvores, meu sogro outro tanto desse, e o meu cunhado, 22 — recorda. Um dia o noteiro (encarregado) pôs na minha conta umas latas de biscoito Aymoré (*) e eu mandei devolver.

 

Não apenas esses biscoitos chegavam nos confins amazônicos. Vinham sardinha e outros enlatados de porco, banha e até goma de mascar. Segundo o jornalista Élson Martins, que nasceu num seringal em Sena Madureira, era comum no passado os regatões levarem supérfluos entre as cargas de produtos desembarcadas nas barrancas do Rio Purus.

 

Seringueiros e castanheiros viam-se obrigados a aceitar produtos que lhes eram “empurrados” nos barracões dos seringais. Poucos se rebelavam. Foi o caso de seu Manoel. A liderança dele já se manifestava desde os anos 1960. Naquela época, os apelos para que os companheiros “segurassem” a produção renderam-lhe sucessivas ameaças de jagunços. Ele sabia de onde vinham e porque vinham as ameaças.

 

— Buscavam pistoleiros em Cuiabá, no centro daquela cidade. Mas aqui, os comboieiros iam com 20 burros e voltavam descarregados. Em 1972 eu comprei a colocação por dois milhões de cruzeiros.

 
 

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Cooperacre produz 40 toneladas de castanha por mês e atende a 1,8 mil famílias de extrativistas do Alto Acre, Baixo Acre e Purus /MONTEZUMA CRUZ

40 toneladas por mês

 

A Cooperacre produz 40 toneladas de castanha-do-Brasil (Bertholletia excelsa) por mês e atende a 1,8 mil famílias de extrativistas nas regionais do Alto Acre, Baixo Acre e Purus. O produto sai empacotado em caixas de 20 kg.

 

O galpão principal, medindo 40m x 15m, não melhora o padrão da castanha, mas conserva, lembra Manoel Monteiro, 39. Os três galpões exigem mais ventilação. Ele, Luiz Ramos, 72 e José Raimundo Rodrigues, 51, são os outros diretores. Todos se lembram de quando a lata de 20 litros alcançou a cotação de R$ 13.

 
 
 

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O presidente Manoel recebe o secretário da Embaixada da Alemanha em Brasília, Michael Grewee, e o secretário de Floresta, Milton Cossons /MONTEZUMA CRUZ


Fábrica remodelada e caminhões

 

No biênio 2008/2009 o governo acreano investiu R$ 2 milhões na Cooperacre. O Pro-Florestania, gerenciado pela Secretaria de Extensão Agroflorestal e Produção Familiar (Seaprof) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social também contribuíram com cerca de R$ 3 milhões para remodelar a fábrica e adquirir caminhões.

 

As principais unidades armazenadoras concentram-se nas comunidades de Boa Esperança, Capixaba, Feijó, Macapá, Porangaba, Pracaúba, São Gabriel, Recife, São Luiz do Remanso, Tarauacá, Vai se Ver, Wilson Pinheiro.

 

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Na Resex Cazumbá-Iracema, em Sena Madureira, castanheiros caminham até duas horas para levar o produto da floresta até o paiol /GLEILSON MIRANDA

 

Estado domina 20% do mercado nacional

 

BRASILÉIA e RIO BRANCO – Bons resultados e otimismo. A Cooperacre vem alcançando um razoável ritmo de negócios e, desta maneira, vê valorizada a sua safra de castanha. Este ano, por exemplo, a cotação subiu de R$ 14 em média, conseguidos no ano passado, para R$ 17.

 

O Acre já detém 20% do mercado nacional da castanha retirada da Floresta Amazônica pelas populações tradicionais. É também o estado amazônico que conserva quase 90% de sua formação original.

 

Mas ainda há obstáculos a serem vencidos, reconhece o secretário de Florestas, Milton Cossons. Segundo explica, o extrativismo ainda é feito com práticas rudimentares, mesmo sendo uma das principais fontes de renda para essas populações.

 

No castanhal da Resex Cazumbá são necessários força e coragem. São gastas até duas horas do fim do castanhal até o paiol, onde a castanha é depositada. A alternativa encontrada pelos extrativistas foi trabalhar em grupo. Uma estratégia utilizada é trabalhar por árvore: todos coletam os ouriços e jogam num ponto comum, depois quebram e apanham só as castanhas. (M.C.)

 

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Seleção das melhores amêndoas é uma das marcas do sucesso da Cooperacre em Brasiléia: um trabalho minucioso e higiênico /MONTEZUMA CRUZ

 
 

Compradores vêm de todo o País

 

 

BRASILÉIA e RIO BRANCO – A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no Acre escreveu um capítulo de participação na obtenção de melhores amêndoas e no combate a fungos e pragas. Um dos experimentos feitos pelos pesquisadores da instituição estudou o comportamento do fungo que produz a aflatoxina.

 

A Embrapa procurou saber se ele está presente na árvore ou infesta o ouriço no solo. E concluiu: ao contrário do que muitos imaginavam, o fungo não infecta a semente enquanto o fruto não cai e fica exposto por algum tempo no solo. A partir daí, consegue-se fazer um planejamento do sistema de exploração para que esse fruto fique menos tempo no solo.

 

Em 2009, a empresa Nutrimental enviou representantes ao Acre para conhecer a cadeia produtiva da castanha. Conhecida por suas tradicionais barrinhas de cereais, ela fechou contrato com a Cooperacre para o recebimento de 12 toneladas por mês de castanha beneficiada, ao preço de R$ 14 no quilo da amêndoa.

 

O leque se abre. A Cooperacre já é procurada por empresas de 12 estados brasileiros, dois dos quais – Rio de Janeiro e Santa Catarina – com representação da cooperativa, a fim de facilitar as vendas. (M.C.)

 

 

(*) Biscoitos Aymoré

 

• Os biscoitos Aymoré resultam da união de várias fábricas. Em 1958, Produtos Alimentícios Cardoso fabricava a linha de biscoitos Cardoso. Dez anos depois, a empresa comprou máquinas da Fábrica de Balas Suíssa e, em 1969, adquiriu os equipamentos da Produtos Alimentícios Morro Velho.

 

• A linha de produtos foi diversificada com balas e caramelos. Em 1975 a empresa comprou da Refinações de Milho Brasil, de São Paulo, todo o acervo da antiga Aymoré, que já existia desde 1920.

 

• A partir de então, a Cardoso S.A. começou a vender seus produtos com a tradicional marca Aymoré, que passou a ser fabricada em Contagem (MG).

 

• A empresa continuou se expandindo com novas aquisições e investimentos. Em 1996, a Aymoré se associou ao Grupo Danone. Em 1997 foi construída em Contagem a fábrica de biscoitos mais moderna da América do Sul. Na virada do milênio, a Danone adquiriu o controle acionário da Aymoré. Os tradicionais biscoitos ganharam a assinatura "LU Aymoré".
 

 
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