Segunda-feira, 8 de junho de 2020 - 10h53
Uma área desmatada de pelo menos 4.500 quilômetros quadrados na Amazônia, equivalente a três vezes o município de São Paulo, está pronta para queimar. Resultado da soma do que foi derrubado no ano passado e nos primeiros quatro meses desse ano, e ainda não queimado, essa vegetação no chão pode virar fumaça com a estação seca que começa em junho em mais uma temporada de fogo intensa como observamos em 2019. Se isso ocorrer, o número de internações por problemas respiratórios pode aumentar expressivamente, pressionando ainda mais o sistema de saúde da região, já duramente afetado pela covid-19.
O alerta foi dado nesta segunda-feira (8/6) em uma nota técnica divulgada pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM). Pelos cálculos dos cientistas, se o ritmo acelerado de desmatamento continuar nos próximos meses, quase 9 mil km2 poderão virar cinzas, já que a época mais intensa de derrubada e queima se inicia agora, com a chegada do período seco na região.
“Coibir as queimadas e o desmatamento neste ano, além de uma ação de proteção ambiental, é também uma medida de saúde”, afirma o autor principal da nota, o pesquisador Paulo Moutinho, do IPAM. A preocupação reflete os dados do ano passado, quando os municípios que mais queimaram na Amazônia viram o ar ficar 53% mais poluído, em média, em relação a 2018. Moutinho ainda pondera que “uma não ação dos poderes públicos na prevenção do desmatamento e das queimadas poderá representar perdas de vidas humanas para além das previstas com a pandemia”. “Precaução é a palavra chave agora”, conclui.
Normalmente, anos assim cheios de fumaça levam centenas de pessoas para postos de saúde e hospitais da região. Se isso acontecer em 2020, elas encontrarão leitos ocupados por infectados pelo coronavírus.
“Durante a temporada de fogo, extensas áreas da Amazônia têm qualidade do ar pior que no centro da cidade de São Paulo devido às queimadas. Isso tem forte efeito na saúde, especialmente em crianças e idosos, que são as populações mais vulneráveis”, explicou o físico Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo, que colaborou com o trabalho. “Como a poluição das queimadas viaja por milhares de quilômetros, comunidades isoladas de índios respiram esta atmosfera insalubre, que é muito acima dos padrões de qualidade do ar da Organização Mundial da Saúde.”
Quatro estados concentram 88% da área desmatada e não queimada: Pará (com 42%) dos 4,5 mil km2, Mato Grosso (23%), Rondônia (13%) e Amazonas (10%). Olhando com mais cuidado, onze regiões são especialmente preocupantes. Elas devem ser consideradas como prioritárias para ações de comando e controle, especialmente aquelas planejadas pelo governo federal, assim como para o planejamento de atendimento à saúde pelos governos estaduais.
O fogo é o próximo passo no processo de conversão de uma floresta em outro uso da terra, como pasto, explica a diretora de Ciência do IPAM, Ane Alencar, que também assina a nota técnica. “Por isso, quando temos uma taxa de desmatamento alta na Amazônia, a relação com o aumento de focos de calor é direta. Foi o que vimos acontecer em 2019 e, infelizmente, se nada for feito, é o que deveremos ver em 2020, já que a derrubada continua num ritmo elevado.”
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