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Amazônias

Bandidos da floresta


Volume  de madeira apreendida é estimado em 131 mil metros cúbicos é suficiente para a construção de 2.620 casas populares (Foto  Divulgação/Exército Brasileiro) - Gente de Opinião
Volume de madeira apreendida é estimado em 131 mil metros cúbicos é suficiente para a construção de 2.620 casas populares (Foto Divulgação/Exército Brasileiro)

A Polícia Federal anunciou esta semana ter feito “a maior apreensão de madeira nativa da história do Brasil”. Ao longo de vários dias, os agentes apreenderam 43,7 mil toras, com 131,1 mil metros cúbicos de madeira bruta, extraída de uma área de 20 mil quilômetros quadrados. Ela fica no extremo oeste do Pará, na divisa com o vizinho Estado do Amazonas. São as duas maiores unidades federativas do país (em conjunto, ocupam um quarto do território nacional).

Só a madeira já computada é mais do que o dobro da maior apreensão anterior, efetuada 10 anos atrás, em 2010. Foram 65 mil metros cúbicos de madeira, retirada da Reserva Extrativista (Resex) Renascer, também no oeste do Pará.

A logística montada para o corte, transporte e armazenamento das toras para seu transporte por via fluvial evidencia o pesado investimento realizado pelos autores do crime ambiental, sua audácia e a presunção de impunidade que talvez os tenham estimulado a realizar a operação (como os supostos garimpeiros, que já garimpam até minério de ferro).

Valendo-se de um sistema baseado em um satélite de alta precisão, desenvolvido por uma empresa privada internacional, a PF selecionou 120 locais que estocavam as árvores. Selecionou 40 pátios com maior volume de madeira para iniciar a ação direta nos locais. Significa que ainda há mais árvores a recuperar.

O desafio agora será transportar todas as toras, uma logística de alta complexidade que deve levar semanas. Saraiva defende que a madeira seja doada para fins públicos. “O que não se admite é o leilão para essas madeiras. Isso seria muito ruim porque estaríamos legalizando o ilegal. Os próprios infratores, por meio de interpostos, poderiam adquirir essa madeira e ficariam com um documento de origem lícita que poderiam usar até com outras madeiras.”

Em plena época de alerta para a destruição das florestas do planeta, especialmente as tropicais, com maior biodiversidade, um quadro de devastação como o que fotos e vídeos distribuídos pela Polícia Federal exibiram para o mundo fazem lembrar a origem do Brasil. Tendo recebido de empréstimo a designação da primeira árvore nativa submetida a exploração econômica como seu nome de batismo, o país não deixa esquecer que seus habitantes expandiram a sua presença destruindo florestas. Sem parar. Sem arrependimento.

Nenhum outro povo chegou a tanta destruição quanto os brasileiros na Amazônia ao longo dos últimos 70 anos, justamente na região que abriga um terço das florestas tropicais do mundo. Entre os anos 1950/70 prevalecia a mera derrubada (ou queima) da mata nativa para em seu lugar surgirem pastos e plantios agrícolas.

Os incentivos fiscais oferecidos pelo governo federal, que poderiam representar até 75% do investimento total de um empresário particular, sem retorno do dinheiro aplicado, sustentaram essa dissipação de floresta pelo fogo, o machado e a motosserra, com o mínimo de capital de risco privado. A grilagem de terras era desenfreada e o uso de pistoleiros facilitava a usurpação de áreas de domínio público ou detidas por posseiros, em unidades familiares de produção.

Assim, em duas décadas, a densa e alta floresta entre as bacias do Araguaia-Tocantins e o Xingu desapareceu. Quem anda por essa região tem dela a impressão de que tem mais a ver com o Planalto Central do que propriamente com a Amazônia. Foi uma atividade tão predatória, caminhando de leste para oeste, pelo centro do Pará, que era inteiramente previsível a sua repetição no vale seguinte, o do Xingu, equivalente ao Araguaia-Tocantins.

Mas entre 2001 e 2002, a maior grilagem de terras da história da humanidade, feita pelo empresário Cecílio do Rego Almeida (falecido em 2008), dono da Construtora C. R. Almeida, ofereceu a quem tinha olhos para ver um espetáculo tão dramático quanto o atual.

A grilagem bem-sucedida, graças ao apoio da justiça e da polícia, permitiu que fossem extraídas e comercializadas, de uma só vez, 7,2 mil toras de mogno e cedro, contendo 18 mil metros cúbicos de madeira sólida, que ficaram estocadas no rio Xingu, em frente de Altamira, a maior cidade da região, para escândalo impotente de quem acompanhou essa triste história. Atuando na retaguarda estava Osmar Ferreira, celebrizado como o rei do mogno, a árvore mais valiosa da Amazônia.

Seu lugar foi ocupado pelo ipê, não porque seja uma madeira mais valiosa. É que o mogno praticamente foi extinto. Talvez ainda haja árvores de mogno, cedro e ipê mais a oeste. Mas não será por muito tempo. Os destruidores de floresta continuam ativos, inescrupulosos e com poder e dinheiro suficientes para manter as suas frentes de derrubadas, sem precisar de imobilização em capital fundiário.

Uma das mudanças surgidas nessa rota foi o avanço desses cupins humanos sobre as unidades de conservação, terras indígenas e reservas extrativistas, invadidas e saqueadas. Destroem essas sementes de esperança num futuro melhor porque o governo os apoia nos bastidores e o dinheiro se tornou tão ou mais eficiente do que a antiga arma que utilizavam, quando eram os donos de tudo: o “três oitão”, o revólver calibre 38 duplo.

Ao invés de disparar balas, eles podem fazer o governo vender a madeira apreendida, no maior volume da história do Brasil. Se isso acontecer, quem não se apresentou imediatamente para reivindicar como de sua propriedade legal as toras retidas pela Polícia Federal, supostamente abrangidas por planos de manejo, fará seu lance em um eventual leilão para legalizar a madeira e prosseguir na sua comercialização.


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