Quarta-feira, 3 de janeiro de 2018 - 16h18
Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – Com a chegada do verão inicia-se também a temporada de chuvas na região Sudeste. A diferença é que este ano o aplicativo SOS Chuva poderá informar à população sobre a possibilidade de chuva ou de tempestade na localização exata onde a pessoa está.
É a chamada previsão imediata que, diferente da previsão do tempo convencional, consegue informar a incidência de chuva, granizo ou tempestade com precisão de 1 quilômetro e antecedência de 30 minutos a 6 horas. Desde outubro, o aplicativo SOS Chuva pode ser baixado gratuitamente em smartphones e já conta com mais de 60 mil usuários.
A ferramenta foi desenvolvida por cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) em colaboração com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) e o Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas, os dois últimos da Universidade de São Paulo (USP).
“A previsão de tempo que ouvimos no jornal é uma previsão que está, de certa forma, bem estabelecida. Sua teoria foi desenvolvida nos anos 1950. Já a previsão imediata é um desafio novo, com funções, equipamentos e modelagens matemáticas completamente diferentes. Até porque é diferente dizer que amanhã vai chover ou falar que daqui a duas horas vai chover no ponto exato onde você está”, disse Luiz Augusto Toledo Machado, pesquisador do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CPTEC/Inpe) e coordenador do projeto.
Com apoio da FAPESP, o Projeto Temático SOS Chuva, iniciado em 2016, vai desenvolver mais dois aplicativos, um voltado para a agricultura e outro para a Defesa Civil. Os pesquisadores pretendem também aumentar a compreensão da dinâmica das nuvens e melhorar modelos matemáticos usados na previsão climática.
“É um projeto que tem o aspecto científico de melhorar modelos de previsão imediata e também outro aspecto associado à extensão, que é o desenvolvimento do aplicativo e de sistemas de alerta mais sofisticados para a Defesa Civil e para a agricultura”, disse Machado.
Em novembro, a equipe do projeto fez um treinamento para técnicos da Defesa Civil da região de Campinas (SP) e para profissionais do CPTEC que atuam nas regiões do Vale do Paraíba e no Litoral Norte do Estado de São Paulo. O objetivo é que os centros regionais de meteorologia possam fazer a previsão imediata. A iniciativa é inédita no país.
“Estamos desenvolvendo também um aplicativo voltado para o técnico, para que ele possa fazer a previsão imediata e divulgar os alertas com base nos nossos modelos matemáticos. Isso porque, dado o grande detalhamento, a previsão imediata deve ser feita regionalmente. Por isso, estamos desenvolvendo a ferramenta e os modelos matemáticos para que, no futuro, a previsão imediata seja feita nos centros regionais de meteorologia”, disse.
Agrometeorologia de precisão
O grupo formado por pesquisadores do CPTEC/Inpe e da Esalq também está desenvolvendo um terceiro aplicativo, dedicado ao produtor rural.
“O aplicativo de cunho agrícola, além de mostrar onde exatamente está chovendo, também armazenará informações pluviométricas por um período, para que o agricultor possa acompanhar e identificar possíveis variações de produtividade”, disse Felipe Pilau, do Departamento de Engenharia de Biossistemas da Esalq, responsável pela parte agrícola do projeto.
Pilau afirma que com essa ferramenta será possível estipular estratégias para a chamada agrometeorologia de precisão. O termo junta a agricultura de precisão – que analisa a variabilidade da produção a partir de fatores como fertilidade do solo e recursos hídricos – com a parte meteorológica.
“Ao incluir a parte meteorológica na agricultura de precisão, é possível enxergar onde chove mais e se essa variabilidade vai afetar a produtividade agrícola. Até então, a parte meteorológica estava esquecida na agricultura de precisão”, disse Pilau.
Para fazer a previsão imediata, seja para o usuário comum, o agricultor ou para a Defesa Civil, o projeto conta com um radar meteorológico de dupla polarização – adquirido com apoio da FAPESP e instalado no Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura da Universidade Estadual de Campinas (Cepagri-Unicamp).
A previsão do tempo convencional necessita de dados obtidos a partir de imagens de satélite, estações meteorológicas e também da interpolação desses dados. Já para obter os dados com precisão de 1 quilômetro de distância, o radar de dupla polarização trabalha com a emissão e reflexão de comprimentos de onda.
Ao emitir um feixe de energia, ele obtém a refletividade, uma medida da reflexão do feixe emitido pelo radar ao se chocar com um obstáculo, como uma gota de nuvem, por exemplo. O sinal então retorna para o radar e, dessa forma, é possível mapear o local exato onde vai chover.
Para fazer a previsão imediata de todo o Estado de São Paulo, o projeto SOS Chuva conta ainda com as informações de outros quatro radares instalados em Bauru, Presidente Prudente, São Paulo e no Rio de Janeiro.
Com a ajuda do radar de dupla polarização, os pesquisadores conseguem ter uma visão tridimensional da nuvem e acompanhar a velocidade com que ela se propaga. Assim é possível analisar outros parâmetros, como acúmulo de cristais de gelo dentro da nuvem ou os chamados intrarraios, raios dentro da nuvem que são indicativos da ocorrência de granizo.
“Com o radar de dupla polarização conseguimos saber, por exemplo, quais os cristais de gelo que têm dentro da nuvem e a partir disso fazer cálculos e previsões”, disse Machado.
O pesquisador explica que ao acompanhar a nuvem é possível saber como esses diferentes cristais aumentam e diminuem, indicando a previsão de severidade ou formação de tornados. “Conseguimos também informações a partir do vento, se ele está formando uma circulação fechada, se há descarga elétrica. Tudo isso somado nos ajuda a fazer previsões”, disse.
Entendendo eventos extremos
A experiência dos pesquisadores do SOS Chuva em desenvolver modelos e cálculos matemáticos para a previsão imediata será usada em um novo projeto de colaboração com colegas argentinos, chilenos e norte-americanos.
“Continuaremos a coletar dados em Campinas e a melhorar nossos modelos até agosto de 2018. Depois disso, vamos levar nossa instrumentação para São Borja, no Rio Grande do Sul, para uma nova campanha de medidas de colaboração internacional”, disse Machado.
O pesquisador explica que a região a ser estudada é onde ocorrem as maiores tempestades do planeta. O fenômeno no Sul do Brasil, conhecido como Complexos Convectivos de Média Escala, ocorre em resposta a uma relação entre a região amazônica e a Cordilheira dos Andes.
“A umidade da Amazônia se propaga, encontra os Andes e se canaliza, trazendo a umidade para o Sul. É esse canal de umidade que começa a formar esses sistemas intensos de nuvens na Argentina. A baixa pressão acelera esse fluxo de umidade que vem da Amazônia e forma tempestades muito grandes.”
O projeto nomeado RELAMPAGO é financiado pela National Science Foundation (NSF) e conta com a cooperação da agência espacial Nasa e da National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), nos Estados Unidos, do Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (Conicet) da Argentina, da Comisión Nacional de Investigación Científica y Tecnológica (Conicyt) do Chile, da FAPESP e do Inpe.
“Será um experimento muito grande e o SOS Chuva participará desse esforço que é entender as tempestades severas que entram no Brasil, inclusive com possibilidade de formação de tornados”, disse Machado.
O aplicativo SOS Chuva pode ser baixado na App Store (iOS) e na Google Play Store (Android). Mais informações: http://soschuva.cptec.inpe.br/soschuva.
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