Quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011 - 07h07
A ciência propõe maior proteção para a biodiversidade; o mercado não aceita mais um País operando num mercado global sem proteger o ambiente. Aqui, a transformação da mandioca em álcool, pela Embrapa /MONTEZUMA CRUZ |
ANA MARIA MEJIA
Especial para Amazônias
BRASÍLIA – Cientistas demonstram que não são necessárias mudanças para aumentar a produtividade agrícola. A Frente Parlamentar Ambientalista aproveitou a deixa sobre a ausência de contribuição científica no substitutivo do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) ao Projeto de Lei 1876/99 que reforma o Código Florestal Brasileiro, já aprovado na Comissão Especial e pronto para votação no plenário da Câmara dos Deputados. Rapidamente, promoveu nesta terça-feira, 22, o seminário Código Florestal Brasileiro: Aspectos Científicos e Jurídicos.
O Grupo de Trabalho formado por pesquisadores da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Associação Brasileira da Ciência (ABC) conduziu as cinco horas e meia de apresentações, questionamentos, comentários e discursos. Ao final, os participantes comemoraram a reviravolta de adiar a votação do substitutivo no Plenário e criar uma comissão especial com a participação de cientistas para novamente debater o tema.
“Com as informações científicas se cria condições para um novo conceito de reforma do Código Florestal dentro de uma nova dinâmica econômica e social do País”, disse o coordenador de políticas agrícolas do Instituto Socioambiental, Raul Valle. O Coordenador Internacional do Greenpeace na Amazônia, Paulo Adário, disse que o seminário marcou o fim da dicotomia entre proteção e desenvolvimento.
No Acre, a limpeza de igarapés e a conservação da mata ciliar no Vale do Juruá são imprescindíveis para garantir produção com ambiente preservado /MONTEZUMA CRUZ |
Algo novo: desenvolvimento exige floresta em pé
“Ouvíamos que as exigências do Código Florestal reduziriam a produção agropecuária, a economia seria duramente afetada. Hoje, ouvimos algo novo: maior proteção à floresta garante um futuro promissor para a potência agrícola Brasil”, afirmou ele.
A ciência diz que se deve estabelecer maior proteção para a biodiversidade; o mercado não aceita mais um País operando num mercado global sem proteger o ambiente. “O projeto do Aldo Rebelo fala de um país do passado. O do futuro ouviu a ciência que repõe a discussão se o Brasil precisa ou não de áreas de preservação permanente, qual o papel da reserva legal”, afirmou João Paulo Capobianco, ex-secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente.
Oitenta milhões de hectares não cumprem o estabelecido
O texto original, de 1965, que foi modificado em 1989 e em 2000 dispõe sobre as áreas de preservação permanente, as APPs, (topos de morro e matas ciliares) e áreas de reserva legal (áreas preservadas dentro de propriedades privadas que não podem ser desmatadas). Rigoroso, o Código nunca foi muito respeitado.
Mais de 80 milhões de hectares de terra no País não cumprem o estabelecido. A proposta de Rebelo beneficia quem não cumpriu a lei e legaliza propriedades daqueles que infringiram a lei. A flexibilização do Código minimiza os problemas do agronegócio e coloca em risco a biodiversidade e os serviços ambientais prestados pela floresta, alertaram os cientistas.
Coordenado pelo professor Antonio Aleixo da Silva, o grupo de trabalho analisou os números da agropecuária brasileira e o uso da terra. Sugestão: potencializar a pecuária extensiva que hoje mantém 1,4 cabeças/hectare ocupando 61 milhões de hectares nessa atividade e obter áreas para agricultura, sem desmatar.
O professor da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", Gerd Sparoveck, afirmou que mesmo o código atual sendo integralmente cumprido, sobram 103 milhões de hectares de vegetação desprotegidos. Segundo ele, 294 milhões de hectares de vegetação nativa se encontram em propriedades privadas. Apenas 170 milhões de hectares estão em unidades de conservação e em terras indígenas.
Em bom momento, o seminário promovido ontem pela Frente Parlamentar do Meio Ambiente incluiu a ciência no debate do Código /AGÊNCIA CÂMARA |
APPs e reserva legal são essenciais para biodiversidade
O ponto mais criticado do substitutivo de Aldo Rebelo é a redução das áreas de preservação permanente principalmente nas margens de cursos d'água. O texto reduz a extensão de vegetação de 30 metros para 15 metros no caso de rios e córregos com até 5 metros de largura. Esses rios são responsáveis por quase 70% dos recursos hídricos do Brasil.O professor Ricardo Rodrigues ressalta que são exatamente esses rios menores que mais necessitam de proteção. “São eles que mais sofrem assoreamento e, por isso, precisam mais proteção”, sustenta
Já o professor da Unicamp Carlos Alfredo Joly ressaltou que a redução da cobertura nativa tanto em leitos de córregos e rios quanto em topos de morros e encostas pode levar à extinção uma série de espécies. “Com a mudança da área de preservação em margens de rio de até 5 metros de largura, metade dos anfíbios desapareceria”, assegurou.
O professor chamou a atenção também para o aumento dos custos com tratamento de água, devido ao aumento da contaminação. Segundo ele, hoje São Paulo gasta entre R$ 2 e R$ 3 para tratar mil metros cúbicos de água. “Com a contaminação por agrotóxicos, o custo sobe para um valor entre R$ 250 e R$ 300 pela mesma quantidade.”
O secretário de Ciências e Política da Tecnologia Carlos Nobre propôs que haja a distinção entre áreas rurais e urbanas, não prevista no Código. “Se entendermos, diz ele, como princípio do Código a preservação da vida humana, não deveria haver ocupação em áreas urbanas com declividade 25 graus, especialmente em áreas sem a vegetação natural”.
Em áreas de várzea seria aplicado o conceito da passagem da inundação, na qual a água extravasa do leito – que são parâmetros ajustados para cada área. A população brasileira é urbana – nela vivem 83% dos habitantes.
Um dos pontos mais polêmicos do projeto que altera o Código Florestal é a redução da APP (área de preservação permanente) de 30 metros para 15 metros nas margens de riachos com até 5 metros de largura. Essa é a situação em que se encaixa a maioria dos riachos de cabeceira do País. Os impactos atingem a biodiversidade e os serviços ambientais da floresta. Veja alguns exemplos:
(Informações da Unesp) |
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