Quinta-feira, 12 de maio de 2011 - 18h52
Seu Jesus, doente e cercado por madeireiros que cobiçam a terra quilombola /ÁLBUM DE FAMÍLIA |
MONTEZUMA CRUZ
Amazônias
GUAJARÁ-MIRIM, Rondônia – Acamado em casa, o patriarca da Comunidade Jesus vê ameaçadas as riquezas naturais da única terra quilombola em Rondônia, no município de Seringueiras, na Amazônia Ocidental. O clamor da família por recursos para tratá-lo é grande, mas não encontra ressonância. Tudo está distante desse lugar situado a 527 quilômetros da capital, Porto Velho.
Com câncer de pulmão, seu Jesus de Oliveira, 80 anos, se vê impotente diante da cobiça de madeireiros, os mesmos que já avançaram sobre outras reservas de espécies nobres em reservas indígenas da região central do estado e do Vale do Guaporé.
“Sou do tempo da extração da borracha (látex natural) nas seringueiras. Hoje tô aqui, rezando todo dia pela minha saúde”, ele comenta. Seu Jesus fumou durante muitos anos. Hoje, apesar de serem raras as missas na comunidade, ele abre as portas da capela todo dia para rezar.
Remanescentes de quilombos do Brasil Colônia viveram mais de um século em completo anonimato. Ao saírem, nos anos 1940, passaram por quase meio século de paz e tranqüilidade, mas agora depararam com a iminente presença de invasores sobre os cinco mil hectares de terras que lhes foram reconhecidos pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário e titulados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Leo Oliveira, chefe da Unidade do Incra em Guajará-Mirim, é sobrinho do líder das famílias quilombolas /MONTEZUMA CRUZ |
O Vale do Guaporé tem atualmente cerca de quinhentas comunidades de quilombolas. A mulher de Jesus, Luiza Oliveira Assunção, 80, sofreu dois derrames e não tem condições de cuidar dele. Recuperou a saúde bebendo misturas de chás de poejo e outras plantas adicionados a novalgina.
Peões de fazenda
Jesus e Luiza são primos de terceiro grau. Criaram 12 filhos e comandam uma família de 56 pessoas. “Se for contar só namorei primas, antes de me casar com Luiza”, ele conta.
Desde 2010 o patriarca é assistido pelos irmãos Melquíades, 76, e Isabel, 81. Alguns filhos dele trabalham como peões em fazendas da região, onde perceberam o interesse dos vizinhos em fazer derrubadas para vender as árvores ricas. Ganham cerca de R$ 500 mensais por empreitadas de roçados.
O acesso à área é feito por uma estrada que sai da sede do município de São Miguel do Guaporé, a 108 km dali. No meio de tantas áreas alagadas, eles não conseguem ir além da pecuária e das pequenas lavouras de arroz, mandioca e milho, todas de subsistência. Só comercializam o mínimo da safra, por causa da falta de acesso rodoviário para o escoamento das safras.
Luziânia, uma neta, cuida do mandiocal. Fora da estatística estadual, os quilombolas ainda transportam sua produção no lombo de jericos, ou em canoas, pelo Rio Guaporé.
O que fazer nesse município isolado, sem recursos nas áreas agrícola, de saúde e de educação? Mesmo assim, a professora Esmeraldina vê algum avanço: “Desde julho de 2008 já funciona aqui o nono ano escolar, numa iniciativa do governo estadual.”
Historicamente, os negros chegaram à região em 1783 para trabalharem na construção do Forte Príncipe da Beira, em Costa Marques, na fronteira brasileira com a Bolívia. Não saíram mais da região.
“Se a titulação dessa terra foi anunciada como uma dívida do Brasil para com esses descendentes do povo escravo, eu pergunto: que dívida é essa que ainda não se pagou?”, questiona o executor da Unidade Avançada do Incra em Guajará-Mirim, Leonardo Oliveira.
Sobrinho de Jesus e filho de Melquíades, o executor sabe do que está falando, pois ele próprio lutou para que o governo federal delimitasse e reconhece o território de afro-descendentes nessa parte do Vale do Guaporé.
O falecido deputado Eduardo Valverde (PT-RO) e a ex-senadora Fátima Cleide defenderam os direitos dos quilombolas. Com a morte de Valverde, eles parecem ter perdido o discurso, pelo menos até que algum sucessor se apresente à altura do que significa essa conquista agora ameaçada.
RIQUEZA MADEIREIRA
Por trás da pompa do ato de entrega dos títulos de terra, em outubro do ano passado, contempla-se agora um sintomático cerco a essas espécies. São essas as principais riquezas florestais existentes em terras quilombolas do Vale do Guaporé:
■ Aroeira
■ Angelim
■ Canafístula
■ Castanheira
■ Cerejeira
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