Sexta-feira, 6 de julho de 2018 - 15h39
O desmatamento na Amazônia aumenta em até 6°C a temperatura média dos riachos de cabeceira. O que, por sua vez, leva a uma significativa perda de massa nos peixes que vivem nestes ambientes. É o que sugere um estudo conduzido por pesquisadores da USP e publicado na revista científica PLOS One. No experimento em laboratório, o grupo descobriu que os peixes “emagrecem” até 16% em uma temperatura mais elevada.
A comunidade científica já conhecia a relação entre desmatamento e aquecimento de rios e córregos. “A copa das árvores intercepta, bloqueia e reflete a radiação solar incidente. Uma vez que você remove a floresta, o que ocorre é que a radiação solar incide diretamente sobre o solo e sobre a superfície da água”, explica o biólogo Luís Schiesari, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP e um dos autores do artigo.
Também já era conhecida a relação entre águas mais quentes e redução do tamanho corpóreo dos organismos. Segundo Schiesari, essa relação foi verificada principalmente no caso de organismos de sangue frio, como peixes, anfíbios e répteis, e é reconhecida por cientistas do mundo todo como uma regra universal do aquecimento global.
A novidade do estudo é o cruzamento de dados sobre a redução do tamanho dos peixes com dados ambientais locais. “O que nós hipotetizamos é que talvez outros cenários de mudança ambiental que levem ao aquecimento também possam levar a uma diminuição do tamanho corpóreo”, conta Schiesari. “Curiosamente, ainda não tinha sido testado o efeito desse aquecimento nos peixes”, completa o biólogo Paulo Ilha, outro autor do artigo, que desenvolveu o trabalho como parte de seu doutorado em Ecologia no IB.
A pesquisa contou com duas etapas: uma em campo, realizada no município de Querência (MT), e outra em laboratório, em São Paulo.
Sem floresta, temperatura sobe e oscila mais
No trabalho de campo, os pesquisadores mediram a temperatura das águas de seis riachos de cabeceira – nascentes de rios que alimentam o Xingu. Três deles estavam em área de floresta e os outros três, em área que foi desmatada na década de 1980 para dar lugar a pastagens e, posteriormente, convertida em plantação de soja entre 2003 e 2008. As medições mostraram que as águas dos riachos na floresta têm temperatura média de 25°C, com uma variação que vai dos 24°C aos 26°C durante o dia.
Já os riachos de área agrícola têm temperatura média de 28°C, com uma oscilação muito maior, de 24°C a 34°C. Nos horários mais quentes do dia, a diferença de temperatura média chegava a 6°C na comparação entre os riachos de floresta e os de área agrícola. As temperaturas máximas batiam uma diferença de 7°C.
Os cientistas coletaram os peixes que fizeram parte da amostra nos mesmos riachos. Das 29 espécies encontradas, seis delas concentravam 90% dos indivíduos. Eles pesaram os peixes dessas seis espécies e compararam as medidas dos que viviam na floresta com as dos que viviam na área desmatada. Em cinco espécies, os peixes dos riachos de área agrícola eram menores do que os da floresta.
Na natureza, além da temperatura da água, outros fatores influenciam o tamanho dos peixes, como a presença de matéria orgânica na água e a oferta de alimentos. Para analisar o efeito da temperatura isoladamente, era necessário um experimento em laboratório.
Peixe minúsculo participou do experimento
Os pesquisadores elegeram a espécie mais abundante da amostra para o experimento em laboratório. O Melanorivulus zygonectes adulto chega a, no máximo, 4 centímetros (cm) de comprimento. Para fugir dos predadores, ele vive nas margens dos riachos, nas águas mais rasas, e tem a habilidade de pular de poça em poça d’água.
“A espécie escolhida tem características que favorecem o experimento em laboratório. Acontece nos dois lugares (riachos de floresta e de área desmatada), é abundante, fácil de coletar, tem sobrevivência fácil e alta no transporte e no cativeiro. É pequeno, o que facilita criar muitos em um espaço relativamente pequeno de laboratório”, explica Ilha.
Os peixinhos coletados viajaram do Mato Grosso até o Laboratório de Ecofisiologia e Fisiologia Evolutiva do IB. Lá, eles foram colocados em aquários individuais. Vinte peixes foram mantidos em aquários com temperatura da água em 24°C. Outros vinte ficaram em águas a 32°C. Todos receberam a mesma alimentação.
Depois de dois meses, a temperatura mais alta afetou negativamente o crescimento dos Melanorivulus, principalmente daqueles originários dos riachos da floresta.
Em média, os peixes da floresta mantidos em temperatura de 24°C ganharam 27,5 miligramas (mg), enquanto os mantidos em 32°C perderam a mesma quantidade de massa. No caso dos peixes originários da área agrícola, os que ficaram nos aquários mais frios ganharam 26,4mg, enquanto os mantidos em aquários mais quentes perderam apenas 9,5mg. Ou seja, nas temperaturas mais altas, os peixes da floresta perderam, em média, 16% do peso que tinham no início do experimento, enquanto os peixes de área agrícola perderam, em média, 5%.
“O que entra de energia no organismo pela alimentação serve basicamente para três funções fundamentais. Uma delas é crescer, a outra delas é o metabolismo básico e a terceira é se reproduzir. Existe um balanço entre esses três investimentos. Se você tem um desses componentes drenando mais energia, essa energia vai faltar para os outros. O animal que está investindo mais energia na regulação, na manutenção da temperatura em lidar com essas variações, vai acabar tendo menos energia para a reprodução e o crescimento. É como se uma pessoa comesse o mesmo tanto que a outra, mas uma estivesse correndo na esteira e a outra, sentada no sofá confortavelmente”, diz Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico (IO) da USP, que não participou do estudo.
A temperatura também afetou a sobrevivência dos peixes da floresta. A 24°C, 93% deles sobreviveram ao experimento. Mas a 32°C, um terço dos peixes morreram.
Do Jornal da USP, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 06/07/2018
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