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Diversidade de árvores em áreas úmidas da Amazônia é três vezes maior do que o esperado


Compilação de dados de inventários florestais e coleções biológicas gerou lista com 3.615 espécies de árvores nas áreas úmidas da bacia amazônica (foto: Thiago Sanna Freire Silva) - Gente de Opinião
Compilação de dados de inventários florestais e coleções biológicas gerou lista com 3.615 espécies de árvores nas áreas úmidas da bacia amazônica (foto: Thiago Sanna Freire Silva)

Maria Fernanda Ziegler  |  Agência FAPESP – Ao longo das planícies dos rios amazônicos existem florestas imensas que passam quase metade do ano alagadas. São vegetações como igapós, pântanos, campinas, mangues e várzeas que margeiam nascentes e depressões de terrenos que constituem as chamadas áreas úmidas amazônicas.

Segundo um novo estudo, esses hábitats reúnem 3.615 espécies de árvores conhecidas, número três vezes maior que o previsto e que configura a maior diversidade em áreas úmidas no mundo.

O estudo, com apoio da FAPESP, foi realizado no âmbito do programa BIOTA. Resultados publicados na revista PLOS One constituem a mais abrangente listagem de espécies arbóreas presentes em áreas úmidas.

Os autores combinaram dados disponíveis em inventários florestais e coleções biológicas sobre os nove países em que a bacia amazônica se faz presente.

“A lista com o nome de todas as espécies é a grande contribuição desse trabalho, que tem acesso aberto. Com ela, será possível avançar em estudos futuros, pois há um vazio de conhecimento botânico sobre as áreas úmidas, principalmente nos afluentes dos rios Solimões e Amazonas. Se houvesse mais inventários o número de espécies poderia triplicar de novo rapidamente”, disse Bruno Garcia Luize, primeiro autor do artigo e doutorando no Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro, com bolsa da FAPESP.

O número de espécies três vezes maior do que o estipulado em estudos anteriores é resultado da ampliação tanto da área de investigação como dos tipos de hábitats.

“Estudos anteriores focavam apenas nas florestas alagáveis das várzeas dos rios de água branca e nas planícies de inundação. Incluímos dados de igapós, de campinas alagadas e de mangues, por exemplo. Conseguimos também acrescentar dados, além da calha do Solimões-Amazonas, de afluentes importantes a partir de raros inventários florestais nos rios Purus, Juruá, Madeira e vários outros”, disse Luize à Agência FAPESP.

Para os pesquisadores, a alta quantidade de espécies arbóreas é indicador de que as áreas úmidas têm papel importante no mecanismo de manutenção e geração de diversidade na Amazônia.

“Tradicionalmente, esse papel é atribuído aos Andes, com seu gradiente climático. Mas o fato de encontrarmos quase todas as famílias e gêneros bem distribuídos, com espécies capazes de colonizar áreas úmidas, sugere que esse ecossistema esteja envolvido no processo de diversificação há bastante tempo”, disse Thiago Sanna Freire Silva, professor no Departamento de Geografia da Unesp e coordenador do estudo. O trabalho integra o Projeto Temático "Estruturação e evolução da biota amazônica e seu ambiente: uma abordagem integrativa", coordenado pela professora Lúcia Garcez Lohmann.

Intercâmbio entre espécies

As florestas de áreas úmidas têm grande sazonalidade, com variações de períodos de seca e de alagamento, quando as árvores podem ter até oito metros de inundação. Com essa situação limite, as áreas úmidas podem ser consideradas filtros ambientais que selecionam indivíduos e espécies capazes de tolerar inundações e secas recorrentes durante sua vida útil.

“É um ambiente incrivelmente bonito. O igapó, por exemplo, é uma das imagens mais emblemáticas da Amazônia. Por quatro ou cinco meses, os embriões das árvores ficam submersos enquanto se desenvolvem. Isso ao mesmo tempo em que macacos passam pelas copas das árvores ou um boto-rosa se alimenta de peixes dentro da floresta”, disse Luize.

Mesmo com o difícil regime hidrológico imposto, o total de espécies das áreas úmidas amazônicas compreende 53% das 6.727 espécies confirmadas em estudo mais recente da flora arbórea de toda a Amazônia.

Para os pesquisadores da Unesp, essa alta proporção de árvores – sendo que territorialmente as áreas úmidas compreendem 30% dos 7 milhões de km2 da Amazônia – é dada pelo intercâmbio entre as espécies. Dentro d’água as raízes ficam inundadas e algumas chegam a apodrecer, dificultando a troca de oxigênio.

“As áreas alagadas demandam um metabolismo diferente das árvores e algumas espécies de terra firme também conseguem tolerar as condições de inundação. Porém, estudos mostram que as populações nos diferentes ambientes não têm a mesma performance. Basicamente, isso quer dizer que se você plantar uma semente da mesma espécie de terra firme na área inundada, e vice-versa, elas provavelmente não vão vingar”, disse Luize.

Segundo ele, essa diferença leva a crer que ocorre um ajuste fisiológico ao longo da vida das árvores, ou que as populações que cresceram nas áreas úmidas já estão se adaptando para aquele ambiente.

“Com isso, chegamos ao extremo que são espécies exclusivas de ambientes de áreas úmidas ou que só ocorrem nos ambientes de terra firme”, disse.

Variação da variação

Nas áreas úmidas, existe uma variação grande na duração das inundações de um ano para o outro.

“Conforme a inundação fica mais curta, menos intensa, a composição das espécies de árvores tende a se aproximar da encontrada em terra firme. No entanto, uma vez que essas espécies desenvolvem tolerância ao período de cheia, mesmo que seja inicialmente uma tolerância baixa, isso abre caminho para que as espécies colonizem novos ambientes inundados. Isso eventualmente pode levar a uma especialização dos indivíduos de área úmida, que se tornam diferentes dos indivíduos de terra firme”, disse Freire Silva.

As árvores podem ficar cada vez mais tolerantes à inundação ou adquirir novas formas de dispersão de sementes pela água ou por peixes. “Ao longo de milhares de anos ocorre a maior diversidade de espécies, aumentando a variedade de nichos disponíveis para serem ocupados por elas”, disse.

A América do Sul é considerada a região com maior quantidade de áreas úmidas, ecossistema fundamental para o balanço de água doce no planeta. Os pesquisadores destacam que é preciso entender melhor a variação entre as características, sejam metabólicas ou fisiológicas, das espécies que vivem tanto em terra firme como em zona úmida.

“Esse é um ponto que precisamos estudar melhor, mas há estudos que indicam os efeitos de secas e cheias na produtividade da floresta, na tomada de carbono da atmosfera e da emissão de carbono para a atmosfera. A tolerância a esses extremos hídricos de seca e de inundação, que é uma característica das árvores alagáveis, é importante entender esses balanços, essas trocas em uma escala da bacia como um todo”, disse Luize.

O doutorado de Luize tem como tema principal a influência das áreas úmidas na geração da diversidade de espécies de árvores. Atualmente, o pesquisador está na University of Michigan, nos Estados Unidos, com Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior da FAPESP, estudando a filogenia de uma família específica de árvores da Amazônia (Lecythidaceae) – da qual se inclui a castanha-do-pará –, para entender como ocorre essa migração e adaptação de espécies de terra firme e áreas úmidas.

O artigo The tree species pool of Amazonian wetland forests: Which species can assemble in periodically waterlogged habitats? (doi: 10.1371/journal.pone.0198130), de Bruno Garcia Luize, José Leonardo Lima Magalhães, Helder Queiroz, Maria Aparecida Lopes, Eduardo Martins Venticinque, Evlyn Márcia Leão de Moraes Novo, Thiago Sanna Freire Silva, pode ser lido em http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0198130.

 Árvore da espécie Crudia amazônica (Fabaceae, orelha-de-cachorro) na margem da floresta alagada Apenas a copa da árvore que está repleta de frutos fica para fora da água (foto: Bruno Garcia Luize)  - Gente de Opinião
Árvore da espécie Crudia amazônica (Fabaceae, orelha-de-cachorro) na margem da floresta alagada Apenas a copa da árvore que está repleta de frutos fica para fora da água (foto: Bruno Garcia Luize)

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