Sexta-feira, 20 de setembro de 2019 - 07h44
“O gado não é o grande vilão, a forma
que é feita essa produção que pode ser maléfica ou não”, explica a engenheira
agrônoma Jerusa Cariaga.
Isso porque os criadores de gado da
Reserva Amanã, além de estarem em uma unidade de conservação, têm as limitações
impostas pelo próprio bioma. A unidade de conservação tem florestas de terra
firme e de várzea, ecossistema cujas áreas alagadas servem como limitador
‘natural’ para a expansão de áreas de pastagem em um nível que possa causar
desequilíbrio no ecossistema.
Os meios de produção agropecuária
praticados pelos ribeirinhos também seguem preceitos da agroecologia. “Esse
modelo preserva as relações entre os seres e também incrementa para que elas
aconteçam de forma equilibrada”, explica a veterinária Paula Araújo.
Na agropecuária convencional, apenas os
sintomas são tratados. “Se há algum problema acontecendo, é este que será
tratado e se desconsidera outras relações que podem ter sido responsáveis pela
causa. A agroecologia passa a observar o ambiente como um conjunto de relações,
assim a gente consegue entender onde estamos falhando para ter esse olhar mais
apurado. ”
O trabalho realizado pelo Programa de
Manejo de Agroecossistemas (PMA) do Instituto Mamirauá, organização social
fomentada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações
(MCTIC), visa fortalecer as práticas sustentáveis junto a comunitários e, ao
mesmo tempo, tornar a produção agropecuária uma fonte viável de renda para os
envolvidos na atividade. “O nosso trabalho é valorizar o que eles fazem de
positivo. No que pode ter um impacto negativo, a gente trabalha para junto com
eles construir uma alternativa”, explica Paula.
Entre as ações, o grupo promove desde
2016 oficinas de manejo agroecológico de gado, embasada na metodologia proposta
pelo Pastoreio Racional Voisin (PRV).
No modelo idealizado pelo pesquisador
francês André Voisin, o gado fica em uma área delimitada até no máximo três
dias. A defecação e a urina dos animais nesse período contribuem para
reestruturação do solo.
Posteriormente, os animais são
transferidos para outra parcela, respeitando o período de descanso para
recomposição do pasto e novo pastejamento. Com esse incremento de produção de
pasto, reduz-se a demanda pela abertura de novas áreas na floresta.
Conservação da biodiversidade
Os ribeirinhos também participam
ativamente do processo de conservação da biodiversidade do ecossistema onde
vivem.
Em análise, uma das questões apontadas
pelos pesquisadores e técnicos do Instituto Mamirauá foi o baixo PH do solo, ou
seja, o alto nível de acidez do mesmo. “O PH elevado é responsável pela
disponibilidade de alguns nutrientes e fertilidade do solo. Se o solo é ácido,
então como esse solo, depois de 15 anos de abertura de área, ainda consegue
sustentar a pastagem? Pode ser um resultado do aporte intenso de matéria
orgânica proveniente da floresta e das árvores que também compõem os campos de
pastejo”, explica Jerusa.
“É a paisagem atuando naquele ambiente
e o ser humano faz parte dela”, diz.
Os próprios criadores também passaram a
entender que sem o cuidado com a floresta, a produção não seria possível. Vivem
em relações de dependência. “Se não respeitar a paisagem que estão inseridos e
se preocupar com a biodiversidade, amanhã isso vai ter consequência na própria
produção”, afirma Paula.
Importante fonte de renda e
subsistência
O gado criado na Reserva Amanã é
considerado importante pelos criadores porque a produção tem alta liquidez, ou
seja, é vendida rapidamente e durante todo o ano, diferentemente de recursos
nativos e sazonais, como o pescado.
“Serve como uma poupança, uma segurança
para a vida financeira dessas famílias caso surjam emergências e
eventualidades”, afirma Paula.
Além disso, complementa Jerusa, a
criação de gado na região também se tornou uma tradição. Grande parte das
comunidades ribeirinhas da região do Médio Solimões foram formadas a partir de
famílias advindas de outras regiões do Norte após o fim do ciclo da borracha.
Trouxeram também cabeças de gado. “Provavelmente imaginavam que as opções de
proteína na região não seriam muitas”, diz Jerusa.
Longe dos centros urbanos, as
comunidades dependem da caça e da pesca para sobreviver. Neste contexto, o gado
torna-se uma opção a mais de fonte de proteína.
Ainda assim, os desafios ainda são
grandes.
Com grandes custos de produção e
dificuldades logísticas para escoamento do produto, são poucas as famílias que
encaram o desafio de criar gado na várzea amazônica. Atualmente, a Reserva
Amanã conta com cerca de 600 cabeças de gado, entre bois e búfalos, criados por
cerca de 25 famílias.
“Há ainda também uma grande lacuna de
conhecimento das características agronômicas sobre plantas nativas utilizadas
pelos criadores em suas respectivas pastagens. Aos poucos vamos superando”,
explica Paula.
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