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EDUARDO VALVERDE, UM EXEMPLO PARA TODOS NÓS


 

EDUARDO VALVERDE, UM EXEMPLO PARA TODOS NÓS - Gente de Opinião

JORGE STREIT

Não havíamos ainda assimilado a perda de Odair Cordeiro e já fomos novamente surpreendidos pela notícia da morte de companheiros em Rondônia. Em 11 de março, em um violento acidente na BR 364, morriam tragicamente os companheiros Eduardo Valverde e Ely Bezerra.

 

Após pegar um avião às pressas, lá estava eu em Porto Velho, frente a frente com os caixões desses dois grandes amigos. No velório, na Sede do PT, estavam centenas de pessoas aos prantos esperando que nós, seus mais antigos companheiros de jornada, tivéssemos algo de alentador para lhes dizer, mas embarguei a voz e não consegui dizer quase nada.

 

Minhas palavras foram poucas e meio desconexas, muito aquém do que eles dois mereciam. Talvez o longo abraço trocado com Mara, companheira de Eduardo, tenha sido bem mais eloquente. Ao abraçar velhos militantes como Severino Dias, Maria Bahia, Bernardo, Neri Firigolo, Nério Bianchine e outros me emocionei ainda mais,  pois havia ali uma espécie de orfandade política. Pessoas experientes na vida e na militância se sentindo como crianças na perda dos pais.

 

A principal lembrança que guardo de Ely Bezerra é daquele seu humor inabalável. Desde o nascedouro do SINTERO (Sindicato dos Trabalhadores em Educação no Estado de Rondônia), seu principal papel entre nós sempre foi o de introduzir um pouco de alegria nas carrancudas plenárias sindicais. Passei os olhos sobre as pessoas da sua família que ali estavam e tentei sem sucesso ver o Romualdo, seu irmão, pessoa com quem cheguei a ter amizade naquele período agitado, quando criamos os primeiros sindicatos de servidores públicos em Rondônia.

 

Falarei mais sobre Eduardo, com quem tive mais contato por todos estes últimos anos. Ao acabar minha fala, ainda meio atordoado pelos fatos e em meio àquela multidão comovida, olhava para o rosto da Mara e lembrava de quando ela e Eduardo começavam sua história juntos. Ríamos do esforço dela, bem mais jovem, tentando organizar minimamente o namoro com aquele solteirão atrapalhado que só tinha cabeça para os livros e para a militância política.

 

Depois, com eles dois já casados, vimos nascer os dois filhos. Zequinha, como Eduardo gostava de chamar, nascera em período muito próximo ao nascimento de Jorginho, meu filho caçula. Desde então, sempre que nos encontrávamos, falávamos um pouco sobre os meninos.

 

Como eu saí da linha de frente da política partidária em 1998, minha última candidatura, pude estar mais perto dos meus filhos dali em diante. Eduardo, ao contrário, mergulhou cada vez mais fundo na atividade partidária e obrigava-se a ausências cada vez maiores. Na última vez que estivemos juntos, ele me pareceu mais chateado com isso do que das outras vezes. Talvez fosse ainda um pouco da “ressaca” pela derrota de 2010.

 

Sua militância sempre foi uma coisa meio febril. Era como se cada minuto descansando ou parado por qualquer razão representasse um tempo perdido irreparável. Lembro-me que na nossa humilde campanha de 1994, por várias vezes, eu e Israel Xavier fomos surpreendidos no café da manhã dos hotéis com o Eduardo chegando da rua. A verdade é que ele acordava mais cedo do que nós e ia para os locais onde as pessoas se aglomeravam nas primeiras horas do dia, principalmente nas feiras livres. E, nos seus oito anos como Deputado Federal, deslocava-se direto de Brasília para o interior de Rondônia e cumpria agendas extenuantes e enfrentava enormes riscos na estrada para estar sempre em contato com os líderes municipais.

 

Eduardo jamais teve projeto pessoal ou de enriquecimento com a atividade política. Passava perrengues financeiros o tempo todo, apesar de sempre ter recebido bons salários como trabalhador qualificado que era. Mesmo depois de eleito deputado, vez por outra precisava levar uma bronca de alguém para que ele pensasse em fazer alguma reserva financeira. Talvez influenciasse nisso o aspecto generosidade.

 

Vi poucas pessoas generosas como ele em toda minha vida. Talvez por isso as pessoas simples de Rondônia tivessem por ele tanto carinho. Fiquei impressionado ao ver as manifestações de líderes religiosos em seu velório. Sua doação franciscana às causas dos deserdados e excluídos explica um pouco isso. Indígenas, quilombolas, atingidos por barragens, acampados, sem-terra, sem-teto, discriminados por orientação sexual, ambientalistas, enfim, todos os que são postos à margem numa sociedade como a nossa tinham nele um defensor incansável.

 

O jeito amoroso de tratar os humildes e seu estilo bonachão passavam a falsa ideia de que ali estava um homem fácil de ser batido. Porém, muito cedo sua coragem passou a ser reconhecida por todos nós. Certa vez, em Cacoal, quando fomos cercados num hotel por um grupo de jagunços, após termos nos manifestado contra o poderio dos traficantes que atuavam na política local, sua firmeza foi fundamental para que saíssemos de uma situação muito perigosa.

 

Em vários outros momentos críticos, em greves e ocupações de terra, demonstrou imensa coragem. E, mais recentemente, em 2005 e 2006, quando parte da elite tramava o impeachment de Lula, lá estava Eduardo Valverde por noites adentro, no Plenário da Câmara, enfrentando os conspiradores. Certa vez, vi na TV Câmara, Eduardo sozinho, extenuado e literalmente cercado pelos golpistas defendendo Lula e seu governo. Poucos deputados do PT tiveram a sua bravura naquele momento.

 

Mas, de todas as suas qualidades, talvez nenhuma outra irá fazer mais falta ao PT de Rondônia neste momento do que o seu desprendimento e sua capacidade de perdoar. O mau desempenho do PT de Rondônia nestas ultimas eleições e o isolamento de sua candidatura ao Governo continuavam a inquieta-lo. Entretanto, não era do seu feitio promover "caça às bruxas". O trabalho que ele e Ely estavam começando na fatídica viagem a Costa Marques tinha o  objetivo de aparar as arestas do mau resultado de 2010 e preparar o partido para 2012.

 

E, também na sociedade, fará enorme falta. Pensei nele quando vi as notícias dos tumultos no canteiro de obras de Jirau e Santo Antonio. Como líder sindical experiente, como ex-funcionário da Eletronorte, ex-barrageiro e Procurador do Ministério do Trabalho, poderia ajudar muito na conciliação desse conflito.

 

Quando ocorreu a morte de Odair Cordeiro relacionei uns dez companheiros que nos deixaram nos últimos anos. Mortes ocorridas em situações diferentes umas das outras, mas que tiveram em comum o fato de nos colocar frente a frente com a inexorabilidade da morte. A diferença é que para uns, como Eduardo e Ely, ela vem mais cedo e os leva no auge da saúde e do vigor. E, quando vamos muito antes que os filhos, como foi o caso deles dois, subverte-se ainda mais a ordem e os entes queridos ficam mais chocados do que em outras circunstâncias. Mas, apesar de tudo, tentemos vê-la de forma mais natural e consideremos que eles semearam só o bem e a alegria enquanto estiveram entre nós e que agora descansarão em paz.

 

Eduardo, amigo velho e companheiro, exemplo de homem público que, mesmo no exercício do poder tinha a justiça e a pureza dentro de si, a ti dedico as palavras do timoneiro da luta pela independência de Angola nos anos 60 e 70, o grande Agostinho Neto:

 

“No povo buscáramos a força e a razão. Inexoravelmente como uma onda que ninguém trava vencemos. O povo tomou a direção da barca. Mas a  lição lá está, foi aprendida: Não basta que seja pura e justa a nossa causa. É necessário que a pureza e a justiça existam dentro de nós.”

 

E a você Mara, mulher militante da causa negra, dos direitos humanos e de tantas outras que a hipocrisia da sociedade nos empurra a abandonar, saiba que estaremos contigo na superação dessa perda tão dolorosa.

 

(*) O autor é presidente da Fundação Banco do Brasil.

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