Quarta-feira, 17 de janeiro de 2018 - 17h06
Por BRUNO CALIXTO
Revista ÉPOCA
Ao longo de 2017, pequenos agricultores ouviram a história de uma terra prometida em Buritis, Rondônia. Como na passagem bíblica, era uma terra boa e larga (mais de 500 hectares) que manava leite e mel. Para ter acesso a essa terra, eles pagaram até R$ 1.000 por lote e pegaram emprestado equipamentos para derrubar a floresta, com a promessa de que poderiam construir casas, fazer um roçado ou criar gado. Mas a terra prometida tem dono – o governo. Trata-se do Parque Estadual Guajará-Mirim, uma importante Unidade de Conservação do estado. Em três operações no ano passado, o governo e a Polícia Civil conseguiram evitar o loteamento do local, o desmatamento dos 500 hectares e prender os mandantes do desmate. Isso foi possível graças a uma mudança de abordagem: os agentes consideraram a operação como uma ação contra o crime organizado.
As operações foram idealizadas pelo secretário de Meio Ambiente de Rondônia, Vilson de Salles Machado(foto). Gaúcho de 49 anos, mudou-se para Rondônia em 1992 para ser policial militar. Subiu na hierarquia da corporação até a patente de coronel. Foi observador da ONU em duas missões em Angola, em 1997 e 1998. Em 2014, aceitou o desafio de assumir a Pasta de Meio Ambiente. Ele percebeu que a melhor forma de atuar era encarar o desmatamento como caso de polícia. “Nas fiscalizações, combatemos verdadeiras quadrilhas, que operam no patamar do crime organizado. Investigando dessa forma, conseguimos chegar aos empresários que financiam o crime ambiental.”
Antes de Machado assumir como secretário, as fiscalizações por desmatamento nem sequer resultavam na instauração de inquérito policial. Por isso, uma das primeiras mudanças que ele implementou buscava melhorar a inteligência das operações. Os policiais conseguiram autorizações judiciais para quebra de sigilo e interceptações telefônicas. O acesso a esse tipo de informação permitiu rastrear atividades como o transporte de madeira ilegal e identificar os mandantes do desmatamento. Ao todo, foram emitidos 20 mandados de busca e apreensão. Oito mandantes foram presos preventivamente. Hoje, eles respondem a processo em liberdade, mas passaram a ser monitorados pelas mesmas tornozeleiras eletrônicas que ficaram famosas com as megaoperações da Lava Jato. Entre os detidos estava Luciano Jordão, conhecido como Zarolho. Ele é suspeito de ser o maior desmatador de Rondônia.
Ainda é difícil estimar o efeito que a mudança de abordagem de Rondônia trará para o combate ao desmatamento da Amazônia. Mas os sinais são promissores. “Rondônia está tentando fazer uma gestão ambiental mais atualizada nestes últimos anos”, diz Ricardo Mello, coordenador do programa Amazônia da ONG WWF-Brasil. “Mas ainda é muito cedo para saber se dará resultado.” Mello diz que é preciso valorizar esse tipo de esforço. “Todos os problemas ambientais da Amazônia ocorrem em Rondônia de forma amplificada.” O estado atingiu o limite definido no Código Florestal de áreas que podem ser desmatadas legalmente. Isso faz com que a pressão do desmatamento avance sobre terras indígenas e áreas protegidas, gerando frequentemente conflitos sociais. Rondônia tem figurado, consistentemente, na lista dos três estados que mais desmatam a Amazônia. Em 2017, foram 1.252 quilômetros quadrados de florestas derrubadas, o equivalente à área do município do Rio de Janeiro, segundo o Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe).
Os efeitos da política de Rondônia interessam também por causa do contexto nacional. Nos últimos anos, as políticas tradicionais de fiscalização começaram a perder efeito. De 2004 até 2012, o país conseguiu o feito de reduzir o desmatamento. Desde então, no entanto, não houve avanços. A meta de desmatamento ilegal zero em 2030 está comprometida. Nesse cenário, algumas iniciativas foram tomadas para tentar acabar com a impunidade no desmatamento. O governo federal editou um decreto para mudar as regras do pagamento de multas ambientais, já que hoje 95% das multas não são pagas. O Ministério Público Federal prometeu entrar com processos judiciais contra todos os proprietários flagrados em ações de desmatamento. “Quem passar o trator na floresta vai ser identificado e nós vamos processá-lo. Isso vai ter um efeito inibidor muito forte no desmatamento”, disse o procurador da República Daniel Azeredo.
O projeto do MPF, batizado de Amazônia Protege, usa os dados oficiais de desmatamento monitorados por satélite e cruza essas imagens com o Cadastro Ambiental Rural (CAR), um banco de dados obrigatório a todos os imóveis rurais do país. Esse cruzamento de informações, inédito no país, permitiu associar um CPF ou CNPJ a cada imagem desmatada. Usando esses dados, o MPF deverá entrar com mais de 1.200 ações contra proprietários em toda a Amazônia neste ano.
Para o coronel Machado, o cerco ao crime ambiental abrirá caminho para uma produção sustentável em Rondônia. “Nossas riquezas estão na natureza, na biodiversidade. Quando prendemos essas pessoas, estamos tirando do mercado pseudoempresários que comprometem a produção legal do estado”, diz o secretário. Com as operações, o Parque Guajará-Mirim pode até não mais manar leite e mel. Mas ainda assim será bem aproveitado pela população. O governo deverá abrir o parque para visitação pública após um investimento de cerca de R$ 1 milhão em infraestrutura de turismo sustentável. O parque terá área de acampamento, trilhas para cachoeiras, programas de educação ambiental e uma trilha para mountain bike. Uma verdadeira terra prometida para quem gosta da natureza.
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