Segunda-feira, 23 de março de 2015 - 06h40
Elton Alisson | Agência FAPESP – Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP) elucidaram um dos mecanismos usados pelo sistema imune para controlar a presença de plasmódios – os protozoários do gênero Plasmodium, causadores da malária – no sangue do hospedeiro.
O trabalho foi feito em colaboração com colegas do Instituto de Química da USP, além do Instituto Gulbenkian de Ciência, de Portugal, do Medical Center Research, no Reino Unido, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Université d’Orléans, na França.
Eles descobriram que células dendríticas, presentes em grandes quantidades na região da polpa vermelha do baço, são ativadas para conter e eliminar plasmódios no sangue, nos primeiros dias de infecção, pela fagocitose (englobamento e ingestão) de glóbulos vermelhos (eritrócitos) infectados.
Resultado da pesquisa de doutorado “Caracterização dos mecanismos efetores da imunidade inata e adquirida no modelo de malária crônica em camundongos CD28KO infectados pelo Plasmodium chabaudi”, realizada com Bolsa da FAPESP, a descoberta foi descrita em um artigo publicado na revista PLoS Pathogens.
“Constatamos que, logo após a infecção pelo parasita, as células dendríticas começam a fagocitar eritrócitos infectados e que elas desempenham um papel muito importante limitando a parasitemia inicial [número de parasitas na corrente sanguínea], assim como na ativação da resposta imune contra esses patógenos”, disse Henrique Borges da Silva, pós-doutorando no ICB da USP com Bolsa da FAPESP e primeiro autor do estudo.
De acordo com Silva, já se sabia que a polpa vermelha do baço é uma região do organismo especializada no controle de infecções transmissíveis pelo sangue, como a malária, por possuir grandes populações de macrófagos – células com alta capacidade de eliminar por fagocitose eritrócitos velhos ou infectados –, além de alguns tipos de microrganismos causadores de doença (patógenos).
Não se sabia, contudo, como outras células fagocíticas presentes nessa região do órgão contribuem, especificamente, para a eliminação de patógenos do sangue, como os plasmódios causadores da malária, explicou Silva.
Como há uma grande população de células dendríticas na polpa vermelha do baço, os pesquisadores levantaram a hipótese de que esse tipo celular exercesse esse papel ao fagocitar eritrócitos infectados por plasmódio.
A fim de avaliar essa hipótese, eles inocularam de forma intravenosa uma cepa transgênica e fluorescente do parasita Plasmodium chabaudi em camundongos transgênicos C57BL6.CD11c-YFP, que apresentam células dendríticas do baço (esplênicas) coloridas com uma proteína fluorescente chamada Yellow Fluorescent Protein (YFP).
Em diferentes tempos após a infecção, eles analisaram as interações entre eritrócitos infectados pelo parasita transgênico e fluorescente com as células dendríticas esplênicas dos camundongos por meio de um microscópio confocal intravital – equipamento capaz de detectar fluorescência em diferentes profundidades e produzir imagens tridimensionais de diversas camadas de um tecido, permitindo a observação de órgãos inteiros em organismos vivos.
Parte dos experimentos foi realizada no Centro de Facilidades à Pesquisa (Cefap) do ICB-USP – uma das facilities financiadas pelo Programa Equipamentos Multiusuários da FAPESP.
As análises das imagens tridimensionais produzidas por meio dessa técnica indicaram que as células dendríticas esplênicas dos camundongos reconheceram e fagocitaram ativamente eritrócitos infectados durante a fase aguda da infecção sanguínea pelo plasmódio.
Nessa fase – que ocorre já a partir do primeiro dia após a infecção, antes de surgirem os primeiros sintomas da doença em camundongos –, uma parte da população de células dendríticas esplênicas migrou para regiões ricas em linfócitos T e estimulou a ação de células T CD4+ – que são de extrema importância para o sistema imune –, ativando a resposta imune adaptativa do hospedeiro à infecção, observaram os pesquisadores.
“É a primeira vez que se demonstrou diretamente in vivo [em um organismo] e in situ [em um órgão viável] as interações entre células dentríticas esplênicas e eritrócitos infectados e um nível tão alto de fagocitose por essas células do sistema imunológico do baço”, disse Silva à Agência FAPESP.
“Os estudos realizados anteriormente para avaliar a fagocitose de eritrócitos infectados por outros tipos de células do sistema imune do baço por meio de outras técnicas, como a citometria de fluxo, reportavam porcentagens muito baixas, que não condiziam com o grau de parasitemia que observávamos em camundongos infectados com plasmódios, nem com a importância do baço para a eliminação dos plasmódios relatada anteriormente”, contou.
Controle de parasitemia
A fim de avaliar se a capacidade de eliminação de parasitas por fagocitose pelas células dendríticas esplênicas contribuía para controlar a parasitemia e, consequentemente, aumentar a sobrevivência de camundongos infectados, os pesquisadores realizaram um segundo conjunto de experimentos em que, primeiro, inocularam toxina da difteria humana (DTx) em camundongos transgênicos CD11c-DTR.
A DTx induz a eliminação de células dendríticas nessa espécie transgênica de camundongo, explicou Silva. “Quando tratamos esses camundongos com a toxina diftérica humana, todas as células dendríticas esplênicas deles são eliminadas”, afirmou.
Após inocular a DTx nos camundongos, eles infectaram os animais com parasitas Plasmodium chabaudi a fim de avaliar a importância das células dendríticas esplênicas na evolução da infecção.
Os pesquisadores observaram que, com a ausência de células dendríticas esplênicas, os camundongos apresentaram parasitemia e mortalidade em decorrência da infecção pelo parasita em grau maior do que os animais que não receberam injeções da toxina diftérica humana.
“Os resultados desse ensaio indicaram que, pelo menos no nosso modelo experimental de malária, as células dendríticas esplênicas são fundamentais para conter a fase aguda da infecção sanguínea por plasmódios”, disse Silva.
Os pesquisadores também constataram que, logo nos primeiros dois dias depois da infecção, os camundongos transgênicos que receberam injeções de DTx apresentaram um alto grau de parasitemia em comparação com os não infectados previamente com a toxina diftérica humana.
Uma das hipóteses que levantaram para explicar o grau tão elevado de parasitemia na fase aguda da infecção é que a falta de células dendríticas esplênicas impossibilitou parte da eliminação direta dos eritrócitos infectados pelo plasmódio.
“O fato de, na ausência de células dendríticas esplênicas, a parasitemia no começo da infecção ser muito maior indicou que o papel fagocítico dessas células pode ser importante para conter o número de parasitas em circulação no sangue”, disse Silva.
Os pesquisadores também observaram que as células dendríticas esplênicas pareciam só atingir o estágio total de maturação após a parasitemia atingir um pico e ser controlada, o que ocorre no final da fase aguda da infecção.
Apenas quando atingem o estágio total de maturação as células dendríticas esplênicas conseguem, por exemplo, estimular a produção de células T CD4+ de memória, fundamentais para responder ou conter novas infecções pelos plasmódios causadores da malária, explicou Silva.
“Essa descoberta pode ser útil para o desenvolvimento ou melhoramento de estratégias de imunização, especialmente para a fase sanguínea de infecção por plasmódio, quando ocorrem as principais respostas imunes contra o parasita”, avaliou Silva.
Um dos próximos passos do estudo será investigar como as células dendríticas esplênicas reconhecem e fagocitam eritrócitos infectados, contou o pesquisador.
O artigo “In vivo approaches reveal a key role for DCs in CD4+ T cell activation and parasite clearance during the acute phase of experimental blood-stage malária” (doi: 10.1371/journal.ppat.1004598), de Silva e outros, pode ser lido na revista PLoS Pathogens em http://journals.plos.org/plospathogens/article?id=10.1371/journal.ppat.1004598
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