Domingo, 25 de janeiro de 2015 - 10h37
Navegar é preciso. Em tempos de parcerias público-privadas, a exemplo daquela que construirá o Hospital de Emergências de Rondônia (Heuro), o governo estadual encontraria facilidades para restabelecer a tradicional via de transporte fluvial na fronteira brasileira com a Bolívia, tirando do isolamento famílias de localidades distantes até 800 quilômetros da Capital, Porto Velho. Elas não têm mais a quem recorrer.
Desde a falência da extinta Empresa de Navegação de Rondônia (Enaro), que sucedeu aos antigos Serviços de Navegação Madeira e do Guaporé (SNM e SNG), Guajará-Mirim não pode dispor da sua maior galinha do ovos de ouro: os rios. Embarcações antigas perderam-se na ferrugem do tempo, abandonadas à beira do rio Mamoré.
Cipriano Pires de Almeida, 72, navegou desde os anos 1960 nos rios Mamoré, Guaporé e Pakaas-nova. Lembra até mesmo dos dias da viagem dos barcos: “Cinco, dez e 15”. “Naquele tempo era com a voga” – ele conta. Voga é um tipo de remador mais próximo da ré do barco. Cipriano acompanhou o funcionamento das antigas empresas e têm as melhores recordações daquela época. “O povo dependia do barco”, resume.
Ninguém mais ficaria entregue à própria sorte ao longo dos rios da região do Guaporé, se o serviço de navegação ressurgisse por meio de empresa enxuta, financiada com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) e rigidamente administrada.
Guajará-Mirim, 40 mil habitantes, um dia teve dois serviços de navegação, situação raríssima na América Latina. Não era luxo, mas pura necessidade, e até hoje é assim.
O mesmo plano estratégico que constrói estradas e vicinais no interior do estado pode incluir o segmento fluvial, fazendo ver ao BNDES que investimentos nesse setor são tão importantes quanto o financiamento de ferrovias, metrô e hidrelétricas em países sul-americanos. O banco faz isso há anos.
Pleito antigo
Coincidentemente a esse pleito antigo da Associação Comercial, da Prefeitura e da Câmara Municipal de Guajará-Mirim, na próxima semana o barco da Secretaria Estadual de Assistência Social transportará para a região do Baixo Madeira diversas autoridades governamentais, do Ministério Público, do Poder Judiciário e de órgãos policiais , a fim de atender famílias totalmente dependentes da maioria dos serviços públicos.
Do simples escoamento de frutas à pessoa doente e carente de atendimento hospitalar, a via fluvial é importante. Basta olhar para a situação da vila de Surpresa, a 17 horas de barco do porto de Guajará-Mirim. A cada ano perdem-se aproximadamente cinco mil melancias por falta de transporte, queixa-se a Associação dos Moradores de Surpresa.
Na sede da desconhecida Associação dos Canoeiros de Guajará-Mirim o visitante encontra rolos de cabos de aço, sucatas de trilhos da extinta Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, e pessoas dispostas a contar histórias. Entre elas, o canoeiro Francisco Maciel do Nascimento, 58 anos, solda ferros das 8h às 18h. Já recuperou pelo menos um dos três antigos barcos pertencentes ao antigo SNG, caprichando-lhe o novo casco de madeira itaúba. “Pode contar uns cem anos. É o tanto que esse barco pode durar agora” – afirma categórico.
Na memória
Essa entidade ainda consegue reunir meia dúzia de marceneiros e mecânicos de embarcações. Tem pouco mais de 20 sócios, pobríssimos. Um empurrãozinho do governo estadual, outros do governo federal, garantiria a recuperação de velhos barcos à primeira vista condenados.
Expostos à ação do tempo no matagal do Bairro do Triângulo repousam esqueletos de embarcações próximos à estação captadora da Companhia de Águas e Esgotos de Rondônia.
Para o boliviano Jesus Gongora Azaba, 62, nascido em Exaltación, próximo a Trinidad (no Beni, Amazônia Boliviana), os rios ainda o fazem sonhar. Trabalha desde menino e nunca saiu das proximidades do porto fluvial de Guajará-Mirim. Ali ele reformou barcos e aprendeu a fazer alinhamento de motor. “Mecânica e carpintaria deram certo para mim”, ele diz.
Em 1931 Paulo Cordeiro da Cruz Saldanha, administrador dos seringais da Guaporé Rubber e da empresa Júlio Muller, criou o Serviço de Navegação do Mamoré e Guaporé, subvencionado pelo governo federal. A empresa atendeu aos moradores entre Vila Bela e Forte Príncipe da Beira, escoando látex e a produção agrícola. Em 1943 essa empresa foi adquirida pelo governo federal, transformando-se no Serviço de Navegação do Guaporé (SNG).
Com o fim do território federal e o início do Estado de Rondônia, nasceu a Empresa de Navegação de Rondônia (Enaro), de curta existência. Era de economia mista, 99% pertencente do capital pertencente ao estado. Ao reconhecer o fim das atividades da Enaro, o Tribunal Regional do Trabalho determinou que o estado respondesse subsidiariamente pelos débitos com seus funcionários.
ANTAQ, O CAMINHO DAS ÁGUAS
A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), criada pela Lei n° 10.233 (5/6/2001, integra a administração federal indireta sob regime autárquico especial, com personalidade jurídica de direito público, independência administrativa, autonomia financeira e funcional. Vinculada ao vinculada ao Ministério dos Transportes, ela pode instalar unidades administrativas regionais. Tem por finalidades:
❶ Implementar políticas formuladas pelo Ministério dos Transportes e pelo Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte, segundo os princípios e diretrizes estabelecidos na Lei nº 10.233, de 2001;
❷ Regular, supervisionar e fiscalizar atividades de prestação de serviços de transporte aquaviário e de exploração da infraestrutura portuária e aquaviária exercida por terceiros;
❸ Garantir a movimentação de pessoas e bens, em cumprimento a padrões de eficiência, segurança, conforto, regularidade, pontualidade e modicidade nos fretes e tarifas;
❹ Harmonizar os interesses dos usuários com os das empresas concessionárias, permissionárias, autorizadas e arrendatárias e de entidades delegadas, preservando o interesse público;
❺ Arbitrar conflitos de interesse e impedir situações que configurem competição imperfeita ou infração contra a ordem econômica.
Fonte
Texto: Montezuma Cruz
Fotos: Montezuma Cruz /Arquivo pessoal
Decom - Governo de Rondônia
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