Terça-feira, 4 de agosto de 2020 - 11h10
O
fogo em áreas recém-desmatadas na Amazônia respondeu por 34% dos focos de calor
registrados em 2019 na região. Foi a maior taxa dos últimos quatro anos e
semelhante à quantidade de queimadas em pastagens e áreas agrícolas, que
historicamente é o tipo de fogo mais comum na Amazônia.
Queimar
terrenos após a derrubada da floresta é a maneira mais rápida e barata de
limpar a área de árvores mortas, galhões e folhas. É o último estágio do
desmatamento, seguido da conversão da terra em pasto ou plantação. No ano
passado, esse tipo de fogo respondeu por 34% dos mais de 87 mil focos de calor
capturados pelos satélites na Amazônia. Em 2018, o índice era de 25% e, nos
dois anos anteriores, de 15%.
O fogo para
manejo agropecuário respondeu por 36% dos focos de calor de 2019. Os incêndios
florestais, quando o fogo entra em uma área de vegetação nativa, responderam
por 30%. Os dados fazem parte de uma nota
técnica do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), que tipificou as
queimadas e segregou-as por categorias fundiárias e estados.
“Somando os
incêndios florestais e o fogo de desmatamento, podemos ver claramente o risco
que as florestas sofrem atualmente. Não é fogo de capim que cria aquelas nuvens
de fumaça que intoxicam a Amazônia e viajam até Sudeste, é árvore queimando,
derrubada ou em pé”, diz a diretora de Ciência do IPAM, Ane Alencar, principal
autora do estudo.
O fogo de desmatamento
foi distribuído de forma uniforme principalmente entre assentamentos (26%
dos focos de calor desse tipo), imóveis rurais (25%) e florestas não-destinadas
(23%) – essa última um sinal de grilagem, a ocupação ilegal de terras públicas,
já detectada em análises de distribuição fundiária do desmatamento na Amazônia.
“Uma
moratória pode ajudar a controlar o fogo e evitar que a fumaça ameace a saúde
da população na região, o que recomendado em tempo de covid-19. Mas é um
remédio para tratar o sintoma, não a causa principal. Enquanto o desmatamento
não for contido, o problema vai persistir”, diz Alencar.
Alencar
também destaca a força dos incêndios florestais no ano passado. Ao contrário de
2016 e 2017, anos mais quentes e secos do que o normal para a região, 2019
apresentou uma quantidade de chuvas normais. Mesmo assim, mais de 26 mil focos
de calor avançaram sobre a vegetação nativa, muitas vezes escape de uma
queimada vizinha.
Uma vez que
o fogo na Amazônia não ocorre naturalmente, como acontece na Austrália ou na
Califórnia, as florestas aqui não estão adaptadas e degradam rapidamente,
abrindo espaço para mais incêndios no ano seguinte e para a invasão de espécies
como gramíneas. Esse processo é intensificado pelas mudanças climáticas.
Situação de 2020
A nota do
IPAM também analisa o primeiro semestre de 2020. O número absoluto de focos de
calor é mais baixo do que o do primeiro semestre do ano passado, mas eles
mascaram o problema real.
O pico de
fogo de Roraima, que normalmente acontece entre janeiro e março, foi incomum em
2019 e desviou os números para cima. Já em 2020, os estados com mais
desmatamento (Pará, Mato Grosso, Amazonas e Rondônia) tiveram aumento de
queimada nos primeiros seis meses de 2020 se comparados ao mesmo período do ano
anterior – e o pico de fogo nessas localidades acontece entre julho e outubro.
Tirando
Roraima da conta, é preciso agir para evitar uma temporada tão ou mais quente
do que a de 2019. “Os estados têm um papel relevante ao fiscalizar o
cumprimento da moratória do fogo decretada pelo governo federal”, diz Alencar.
“Abandonar a prática da queimada e trocar por tecnologia agrícola, investir no
bom uso das áreas já abertas, combater a ilegalidade, proteger as florestas...
Nada disso é ciência avançada. É preciso querer fazer."
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