Domingo, 9 de maio de 2010 - 20h33
Odair (à direita) defendeu direitos indígenas durante a ocupação da sede regional da Funasa, na semana passada /FOTOS JULIO OLIVAR |
JULIO OLIVAR (*)
Amazônias
VILHENA – Em meio aos índios com a cara pintada e usando indumentárias tribais, o mais falante e indignado do grupo chama atenção: Odair da Silva Sabanê, de 39 anos, usa bigode e trajes comuns a qualquer colono da região, no entanto, ostenta um colar indígena. É filho de uma índia e um fazendeiro.
Na semana passada, lá estava Odair entre os cerca de 70 indígenas de 17 aldeias de Rondônia e Mato Grosso que ocuparam a sede da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) em Vilhena. O ato foi um repúdio contra o mau atendimento prestado na Casa de Saúde Indígena (Casai), mantido pela entidade federal.
Odair é protagonista de uma história curiosa. Ele fez o caminho inverso de muitos índios que migraram para os núcleos urbanos em busca de “conforto”. Nasceu e cresceu na cidade de Pimenta Bueno, mas voltou para a mata há 20 anos.
– Não são todos os brancos que gostam de índios. Às vezes nos sentimos sem rumo nas cidades — relata.
Pai “torrou” dinheiro e ficou pobre
A história de Odair rende um bom estudo socioantropológico para quem se considerar no direito de fazê-lo. Está em tempo. Segundo ele, seu pai, Juracy Vieira, então com 17 anos, “roubou” da aldeia a sua mãe, Lurdes Sabanê, 15. Foram viver juntos e tiveram seis filhos, mas se separaram quando Odair tinha nove anos.
– Meu pai acabou ficando pobre, gastou tudo com mulheres e minha mãe ficou sozinha. Tive que ser engraxate, vender picolés nas ruas e, depois, fui ser garimpeiro, trabalhar com derrubadas de matas. Estudei apenas dois anos em escola de branco e da língua sabanê eu entendo apenas o que falam, mas não falo e nem escrevo.
Com alguns dos líderes de 17 tribos de Rondônia e Mato Grosso |
Apesar de nunca ter negado sua condição de mestiço e manifestar-se “mais índio do que branco”, Odair casou cinco vezes com mulheres não-índias. Todas moram em cidade.
– Tenho três filhos, que também estão na cidade, e o meu sonho é que cursem a faculdade. Os índios também deveriam ter mais acesso à educação para defender seus direitos com mais conhecimento de causa – sugeriu.
Líder na Aldeia Felipe Camarão
Depois de peregrinar por diversas aldeias, Odair fundou, há quase cinco anos, a aldeia Felipe Camarão. O povoado, hoje com 27 famílias, está a 45 km do centro de Vilhena, dentro de uma reserva de 118 mil hectares, composta de quatro tribos comandadas por um cacique-geral e três lideranças. Odair é uma delas.
O lado índio está na feição e no engajamento nas lutas dos povos das florestas. A face do filho de fazendeiro está no caráter “empreendedor” do líder. Na aldeia ele mantém 20 cabeças de vacas de leite – todas de sua propriedade pessoal e não da comunidade –, faz negócios com “caraíbas” (homens brancos), mas frisa que articula benefícios para seu povo.
— Neste ano, por exemplo, um empresário doou uma caminhonete Hilux e arrumou 61 km de estrada para a nossa comunidade. Foi a contrapartida que recebemos por conta do impacto que ele causou pra gente, ao montar uma usina hidrelétrica no município de Chupinguaia — comenta.
Na Funasa, durante o manifesto da semana passada, o caboclo esbravejou na frente da imprensa e de autoridades contra o que ele reputou de “abandono” e “desrespeito” aos índios.
– Na Casai não tem médico, nem qualquer estrutura. Falta um muro para a nossa segurança e os índios doentes estão jogados no chão. Só neste ano morreram nove índios praticamente à míngua – desabafou, fazendo coro a outros companheiros.
A índia Luciana Sabanê chorou ao lembrar que perdeu um bebê por falta de cuidados médicos.
– Será que nosso sangue e o ar que respiramos são diferentes do povo branco? Não são! A gente ama o povo branco, nunca roubamos nada de ninguém, não incomodamos. Mas também queremos amor e nossos direitos – ela disse, comovida.
Maria Nazaré Sabanê recolheu latas nas ruas de Vilhena durante o festejo de 1º de maio |
Índia sabanê cata lixo na cidade
VILHENA – Enquanto muitos índios lutam para assegurar condições dignas de atendimento na Casai e nas aldeias, outros vagam pelas cidades, na mais absoluta miséria. É o caso de dona Maria Nazaré Sabanê.
Ela e as netas Mayara, 11 anos, e Maísa, quatro, cataram latas de alumínio nas imediações do Centro de Tradições Gaúchas (CTG), onde foi promovida, no dia 1º, a Festa do Trabalhador.
Sem saber sequer sua própria idade, dona Maria conta que nasceu na Reserva Aroeira, a 18 quilômetros do centro de Vilhena. Atônita, ela assistiu o “progresso” chegar à região, empurrando o seu povo para as margens da conquista do Oeste brasileiro. (J.O.)
(*) É editor da Folha do Sul em Vilhena e colaborador de Amazônias.
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