Segunda-feira, 29 de maio de 2017 - 10h08
Embora o manejo participativo de jacarés possua autorização legal, ainda é uma atividade pouco desenvolvida por populações tradicionais e ainda há muito a ser desenvolvido em relação às metodologias e técnicas para a sustentabilidade da atividade. Exemplo disso é que ainda não existe um modelo padrão de estrutura flutuante para o abate do animal, embora a legislação que autoriza e estabelece regras para este manejo esteja em vigor há mais de cinco anos. Visando solucionar esta lacuna, o Instituto Mamirauá está desenvolvendo a Planta de Abate Remoto (Plantar), que será uma estrutura piloto para o desenvolvimento do manejo participativo de jacarés.
A proposta é que a Plantar possa servir de modelo, em acordo com as legislações vigentes e conciliando sustentabilidade ambiental, tecnologia e inovação, e adequação às exigências higiênicas e sanitárias, como descreve o pesquisador do Grupo de Pesquisas em Inovação, Desenvolvimento e Tecnologias Sustentáveis do Instituto Mamirauá, João Paulo Borges Pedro. "Ainda não existe no estado do Amazonas uma estrutura flutuante que permite abater jacarés e que contemple as exigências legais e sanitárias. Além disso, a estrutura flutuante é inovadora porque permitirá que o abate de jacarés, seguindo os protocolos de manejo, seja realizado na área da comunidade, próximo aos locais de captura, reduzindo assim o esforço dos comunitários envolvidos com o processo", comentou.
A estrutura está sendo construída no município de Tefé, no Amazonas, com envolvimento de técnicos e pesquisadores do Instituto, que atua como uma unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Será uma estrutura flutuante de metal, de 112 metros², com tecnologias adaptadas para geração de energia e tratamento de água e resíduos. Esta ação é financiada pela Fundação Moore.
Manejo
Robinson Botero-Arias, pesquisador do Instituto Mamirauá, reforça que as pesquisas científicas já demonstraram que o manejo de jacarés é viável na região. De acordo com o pesquisador, são dois locais com informações científicas de longo prazo, no estado do Amazonas, sobre o status das populações de jacarés: a Reserva Mamirauá e a Reserva Piagaçu-Purus. Estes resultados dão suporte científico para a implementação de um sistema participativo de manejo de jacarés pelas comunidades locais.
"Na Reserva Mamirauá, temos informações sobre a dinâmica populacional, uso de habitat e ecologia reprodutiva dos jacarés, importantes no desenvolvimento do sistema de zoneamento e uso", comentou Robinson. O pesquisador enfatiza que estes dados são "a base para a implementação e acompanhamento do uso de jacarés, dentro dos preceitos de manejo participativo, no qual o monitoramento é componente fundamental para entender o efeito sobre as populações naturais, após as extrações, e garantir assim a sustentabilidade ecológica".
Inovação
Toda a energia utilizada para o funcionamento dos equipamentos e tecnologias da Plantar será gerada a partir de um Sistema de Energia Solar Fotovoltaica, escolha para evitar a utilização de combustíveis fósseis e o lançamento de gases nocivos à atmosfera. A água utilizada durante o manejo será obtida por um Sistema de Captação e Tratamento de Água de Chuva. O projeto também conta com a instalação de um Sistema de Tratamento de Efluentes, para que a água suja, gerada durante o processo produtivo, seja tratada antes de ser devolvida ao rio, e também de um Sistema de Armazenamento de Resíduos Sólidos.
"No Instituto Mamirauá, sempre tivemos a preocupação com a geração de renda das famílias ribeirinhas, conciliada ao uso sustentável dos recursos naturais. Assim, desde a concepção do projeto Plantar, consideramos como prioridade o uso de tecnologias de baixo impacto ambiental", contou João Paulo. O pesquisador explicou que, após muitas discussões e planejamento, a equipe chegou a um modelo de flutuante que pode ser considerado sustentável, a partir da utilização dessas tecnologias.
O projeto terá a duração de três anos. Neste primeiro ano de realização, a Plantar está sendo construída e haverá a instalação de todos os dispositivos e tecnologias. Após esta etapa, será feito o primeiro manejo participativo de jacarés nesta estrutura, previsto para 2018. Todo processo é executado com o envolvimento de uma equipe de especialistas do Instituto Mamirauá, formada por engenheiros ambientais e sanitários, um zootecnista, uma médica veterinária, biólogos, especialistas em tecnologias sociais, entre outros. O manejo participativo será realizado na Reserva Mamirauá, por um grupo de manejadores, com assessoria técnica do Instituto.
Histórico
Em 2000, a lei n°9.985 instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. O capítulo III delimita as diferentes categorias de unidades de conservação e autoriza o uso de recursos naturais pelas populações que vivem em áreas protegidas como Reservas Extrativistas (Resex) e Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS).
Em 2004, o Governo do Estado do Amazonas desenvolveu o primeiro projeto de manejo experimental de jacarés na Amazônia. O local escolhido para a implementação do projeto foi a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Desde então, foram realizadas quatro experiências de manejo com o mesmo grupo de manejadores do setor Jarauá, uma das áreas da divisão administrativa da Reserva (em 2004, 2006, 2008 e 2010). O Instituto Mamirauá contribuiu com dados de pesquisa sobre a biologia e ecologia de duas espécies que ocorrem na região: o jacaré-açú e o jacaretinga. A partir de 2008, o Instituto passou a colaborar com o Governo do Estado com o acompanhamento da aplicação dos critérios técnicos, junto às comunidades que realizaram a atividade.
"O que fundamentou se pensar no manejo foi a descoberta de uma grande quantidade de jacarés na Reserva Mamirauá, o recurso natural fundamental para se fazer isso. Depois, foi a base legal que permite o manejo de recursos naturais em RDS e Resex. Além disso, já se desenvolvia um sistema de manejo participativo funcionando muito bem na reserva, que era do pirarucu. E também que existia um histórico de exploração tradicional do jacaré na região", comentou Diogo de Lima Franco, pesquisador do Instituto Mamirauá.
As experiências destes quatro projetos experimentais serviram como base para a publicação de legislações estaduais que regularizam o manejo participativo do jacaré: a resolução de n°008, publicada em 2011 pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente do Amazonas, que delimita aspectos básicos do manejo, por exemplo a cota e tamanho do indivíduo autorizados para abate. E a instrução normativa n°001, publicada também em 2011 pela Secretaria de Estado de Produção Rural e pela Comissão Executiva Permanente de Defesa Sanitária Animal e Vegetal do Estado do Amazonas, que dispõe sobre as questões técnicas, estruturais e metodológicas do abate e do processamento das espécies.
Em 2013, tendo como base as experiências com o apoio ao desenvolvimento de manejo participativo comunitário e as pesquisas científicas já realizadas, o instituto Mamirauá lançou o protocolo "Construindo as bases para um Sistema de Manejo Participativo dos Jacarés Amazônicos". A publicação, que está disponível gratuitamente para consulta e download no site do Instituto, estabelece os critérios e princípios para o manejo participativo sustentável.
Algumas das etapas, descritas no protocolo, são a organização comunitária, o sistema de zoneamento das áreas de manejo, o método participativo de contagem de jacarés, a identificação da cadeia de comercialização, o abate, e o amparo legal para realização da atividade, entre outras.
Fonte: Amanda Lelis
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