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Amazônias

João da Mata, um peregrino do Aripuanã


 



JULIO OLIVAR (*)
Amazônias

 

VILHENA, Rondônia – Servidor federal desde 1979, João Rodrigues Alves, de 69 anos, é o guardião de uma mata de 20 hectares, dentro da área do campus vilhenense da Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Contratado como prestador de serviços gerais, seu João não esconde sua predileção por cuidar dos bichos e plantas.
 

A reserva abriga macacos, tatus, antas, jacus, bichos-preguiças e muitos tipos de aves. O amor ao trabalho é tanto que ele leva de casa frutas e legumes para tratar dos seus amigos.
 

— Eu venho todo dia bem cedo para ver os macaquinhos comerem o mamão e a comida que eu trago. Eles gostam muito e tenho certeza que entendem o que a gente fala — ele diz, comovido.
 

Durante o dia, os animais se embrenham no matagal e não são vistos. Eles aparecem apenas no raiar da manhã à beira da mata, mas não se aproximam do movimento de pessoas, no prédio da universidade. Comem e logo voltam para o seu hábitat.   

 

Homem da cobra
 

Seu João dá atenção por igual a todos os bichos, mas não esconde sua admiração pelos macacos que ele chama de “coisas mais lindas”. Sabe identificar um a um do grupo que vai buscar alimentos. Nesta semana, um deles morreu atropelado na estrada que fica entre as matas da UNIR e da Coopernorte e que dá acesso à Vila Darimar.
 

— Fiquei muito triste, fui ver umas três vezes no dia o corpo, que ficou jogado na beira da estrada —, lamenta. O avanço dos conjuntos habitacionais urbanos preocupa o defensor dos animais. 
 

— Eles estão assustados.  Daqui a uns tempos não terá mais onde eles possam viver em paz. 
 

Há 12 anos na UNIR, o servidor lembra que sua paixão pelos animais vem de muito antes. Em 1980, seu João foi o responsável por juntar a bicharada que fazia parte do zoológico nas imediações do museu Casa de Rondon, criado pela Prefeitura de Vilhena.

 

Sucuri de seis metros e 120 quilos
 

— Eu não só cuidava de tudo aquilo, como fui quem trouxe das matas as onças, queixadas, antas, gaviões, enfim, 156 animais que compunham o zoológico. Só não trouxe o leão Leo, porque aqui não existe leão [risos]. Foi doado pelo então senador Olavo Pires, mas era eu quem ia ao matadouro arranjar cabeças de boi para alimentá-lo — conta.
 

Uma das maiores atrações do zoológico era uma sucuri de seis metros e mais de 120 quilos. Ele tem fotos espalhadas pelo mundo, abraçado a essa cobra e até deitado sobre ela.
 

— Os turistas me pediam para demonstrar minha amizade pelo animal e gostavam de me fotografar com ela — recorda.  Quando seu João ganhou a cobra, o bicho tinha dois metros. Foi um caminhoneiro que a deixou num bordel nas proximidades de Vilhena. Ele a buscou num saco e doou para o zoológico.  Quando o zoo foi fechado, há uns 15 anos, os bichos foram doados para criadores em Cuiabá.
 

Ele lembra que “naquele tempo as leis ambientais não eram tão rígidas e não era muito claro o conceito de preservação”, por isso ele aceitava pegar bichos no mato. Hoje, porém, não gosto de manter animais em cativeiro.
 

— Acho isso errado.
 

 Em casa, seu João trata, diariamente, de dezenas de pássaros soltos e que consomem pelo menos cinco quilos de canjiquinha por semana.

 

Histórias de andanças
 

Mineiro de Conselheiro Pena e morador em Vilhena há 35 anos, seu João estudou apenas dois anos, mas “a pouca leitura”, como ele diz, não impede sua curiosidade e o conhecimento empírico sobre zoologia e arqueologia. Começou a vida profissional como garimpeiro, ainda em Minas Gerais. Muito interessado em história, sempre que viaja compra peças de antiquários.
 

O mais interessante de suas histórias são as aventuras que ele passou nas trilhas do Marechal Cândido Rondon, exatamente há30 anos. Na época, a pedido do então prefeito Arnaldo Martins, já falecido, seu João, junto com outros dois companheiros, percorreu longos trechos a pé, ficando acampado, em meio à mata para recolher artefatos que teriam sido usados pela expedição militar comandada por Rondon, há mais de 100 anos.
 

Quase todo o material disponível no museu Casa de Rondon, fechado e abandonado há 14 anos, foi apanhado por ele. No chão do bosque, João desenha o mapa de suas peregrinações para que o repórter entenda. A 34 km do centro de Vilhena, indo pela estrada de Juína (MT), há uma estrada, à direita, que termina numa fazenda. Depois, é preciso andar a pé 170 km até alcançar o rio Roosevelt.
 

— Foram três semanas de caminhada e depois ficamos acampados alguns dias. Lá você não vê nem avião, é um deserto. Encontrei muita coisa abandonada: os eixos de carro de boi, uma moeda de 1865, fios e postes de telégrafo. O que mais gostei de achar foi uma garrafa com um jornal muito antigo, dentro. Eu estimava demais esse jornal, mas sumiu do museu. Carregamos essas coisas nos ombros para colocar no museu e tudo acabou abandonado e esquecido — recorda o aventureiro.
 

O lugar é descrito por seu João como um santuário. Há motivos para tal:
 

— Água mineral jorra naquelas terras até hoje entocadas. É um lugar misterioso e desconhecido. Havia três sepulturas e soubemos por um pescador da fábula do ouro que aconteceu naquela região deserta. Reza a lenda que um dos expedicionários que acompanhavam Rondon descobriu, numa escavação, uma laje de ouro.  Segundo os mais antigos, o tal sujeito foi enforcado imediatamente para que a notícia não se espalhasse.
 

(*) É editor da Folha do Sul em Vilhena e colaborador de Amazônias.

 
 

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