Quarta-feira, 31 de outubro de 2018 - 16h37
MAURÍCIO TUFFANI
Editor do blog Direto da Ciência
Antes de mais nada, vamos dar o nome certo ao que o presidente eleito Jair Bolsonaro decidiu fazer com os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura. Não será uma fusão ou união, ou qualquer coisa que coloque as duas áreas em pé de igualdade. Na verdade, será uma incorporação do primeiro ao segundo. A ideia, desde que o então candidato pelo PSL a apresentou pela primeira vez em seu canal no YouTube em 14 de março, foi sufocar o MMA e seus órgãos de fiscalização ambiental.
Um dos aspectos mais lamentáveis dessa decisão do presidente eleito é que ela é um erro que nem mesmo o regime militar – que ele tanto defende – cometeu. Em outubro de 1973, em pleno governo do presidente Emílio Garrastazu Médici, foi criada a Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema) no âmbito do Ministério do Interior.
Isso ocorreu mais de um ano após a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em Estocolmo, na Suécia, em 1972. O governo brasileiro tentava ainda desfazer sua imagem negativa por ter assumido posições contrárias à proteção do meio ambiente naquele evento. Para comandar a Sema foi convidado Paulo Nogueira-Neto, professor de ecologia da USP, que permaneceu no cargo também nos governos de Ernesto Geisel (1974-1979), João Batista Figueiredo (1979-1985) e de José Sarney em seu segundo ano.
Nesses 12 anos, o trabalho da Sema foi decisivo para a criação não só de 26 reservas, estações ecológicas e outras unidades de conservação, totalizando 3,2 milhões de hectares de áreas protegidas, mas também da lei da Política Nacional do Meio Ambiente em 1981. Por sua atuação à frente da Sema, Paulo Nogueira Neto foi convidado pelas Nações Unidas para integrar a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento, que formulou conceito de desenvolvimento sustentável. Assumido pela Assembleia Geral da ONU em 1987, esse conceito tem fundamentado leis, políticas públicas e projetos que extrapolam o âmbito da conservação ambiental em quase todo o mundo.
INTERESSES RETRÓGRADOS
Outro aspecto deplorável dessa decisão de Bolsonaro é o fato de ela atender a interesses dos setores mais retrógrados do agronegócio. É o caso de entidades como a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), que poucos dias antes do primeiro turno das eleições levou para o então candidato a vice, general Hamilton Mourão, uma pauta de reivindicações.
No cardápio, itens no estilo “liberou geral”, como “liberar do licenciamento de atividade as propriedades rurais” e “as demais licenças devem ser concedidas de forma digital automática e online, bastando declaração do proprietário rural”.
Esses setores retrógrados – e não todo o agro, é importante deixar isso claro –, estão na contramão da produção rural brasileira certificada com base em práticas socioambientalmente corretas e que vem se tornando cada vez mais competitiva no mercado exterior. Uma boa mostra dessa diferença de perspectivas dentro do agronegócio é mostrada hoje pelo jornalista Mauro Zafalon em sua reportagem “Fusão de Agricultura e Meio Ambiente divide ruralistas”, na Folha de S. Paulo.
Referindo-se também essa reportagem, a edição de hoje do Boletim ClimaInfo comenta:
(…) os mercados internacionais estão querendo cada vez mais distância do desmatamento e de condições degradantes de trabalho. O jornalista Mauro Zafalon, da Folha, chama atenção para a importância da diplomacia comercial para a manutenção das portas abertas. A isso se dá o nome de processo civilizatório.
RETROCESSO NO LICENCIAMENTO
Por trás da ideia de sufocar o MMA não está apenas a
enganosa ladainha de Bolsonaro e seus aliados ruralistas sobre a
“indústria de multas” ambientais, cuja existência foi devidamente
desmentida por técnicos do Ibama e do ICMBio. Está também o desejo de
enfraquecer a legislação do licenciamento ambiental, também destacado
hoje na Folha pela reportagem “Bancada ruralista quer aprovar novo
licenciamento ambiental neste ano”, de Angela Boldrini.
O
licenciamento ambiental é um avanço iniciado no Brasil desde a citada
Política Nacional do Meio Ambiente de 1981, reiterada pela Constituição
Federal de 1988. Sua manutenção depende da compreensão de que produção e
conservação são áreas que devem ter estruturas administrativas
distintas e independentes uma da outra.
Sem essa separação e
independência entre Meio Ambiente e Agricultura, será impossível evitar o
prejuízo para o que era assegurado pelo artigo 225 da Constituição,
transcrito a seguir.
Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever
de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
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