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Mostra dos 50 anos de JK traz o Brasil ao passado indígena de Rondônia


Mostra dos 50 anos de JK traz o Brasil ao passado indígena de Rondônia - Gente de Opinião
O sorriso dos indígenas traz várias interpretações: da satisfação por auxiliarem o trabalho dos brancos, ou da conformação por terem que entregar grande parte do seu antigo território /ARQUIVO CULTURAL DE VILHENA

JULIO OLIVAR e
MONTEZUMA CRUZ
Amazônias

 

VILHENA e BRASÍLIA – Quando apreciarem as 20 fotos de João Alves Nogueira e Manoel Rodrigues Ferreira, os visitantes encontrarão vestígios da história rondoniense nos anos 1960. Esse olhar não os remeterá apenas ao ato de inauguração da BR-29 (depois 364). Vai conduzi-los à reflexão a respeito da vida nativa na região do Vale do Guaporé, mais de cem anos antes da sua redescoberta.

Ali estará exposto um período da história de Vilhena antes de ser uma cidade, e a própria história rondoniense, que não se resume à Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. A exemplo dos índios Karipuna, cujas terras foram cortadas pelos trilhos da lendária ferrovia, os Pareci e Nambikwara que aparecem sorridentes numa das fotos, perderam grande parte do seu território para empresas agropecuárias, algumas com escritórios e base de apoio em Cuiabá (MT).

A exposição que será aberta na próxima sexta-feira, 16, marcará o início das comemorações da abertura da rodovia BR-29 (atual 364), na época conhecida como Brasília-Acre. Praticamente, essa estrada originou o fluxo migratório que culminou no surgimento de Vilhena. Em dezembro de 1984, quando entregou oficialmente a obra asfaltada, com festas em diversas cidades do estado, o governador Jorge Teixeira de Oliveira tirou do bolso uma anotação registrando mais de 107 mil migrantes no ano, só até aquela data.

Antes da BR-29, a região tinha apenas aldeias indígenas e uma casa que abrigava o posto telegráfico, a seis quilômetros de onde seria mais tarde construído o núcleo urbano. Quando esteve com os Mamaindê na década de 1960, o antropólogo Paul Aspelin registrou o uso e vários utensílios, entre os quais, panelas e roupas. Ou seja, o branco havia chegado bem antes da abertura da estrada.


 

Só havia a casa do índio Marciano

O presidente Juscelino Kubistechek de Oliveira, mundialmente conhecido por JK, chegou ao Planalto dos Parecis e se encontrou com os operários da construtora Camargo Corrêa. O dono da empresa, Sebastião Camargo, lá estava. Foi uma festa. Os registros fotográficos mostram a estrada enlameada; o aeroporto construído em 25 dias para que o presidente pudesse aterrissar; os indígenas e a Casa de Rondon (posto telegráfico).

Até dois meses antes da chegada de JK, Vilhena nada mais er

Mostra dos 50 anos de JK traz o Brasil ao passado indígena de Rondônia - Gente de Opinião
O empresário Sebastião Camargo, sorri, ao lado do presidente nesta foto, sisudo: Vilhena já tinha aeroporto e se transformava no portão de entrada de migrantes para Rondônia /ARQUIVO CULTURAL DE VILHENA

a do que uma única casa da linha telegráfica estendida pela expedição militar comandada em 1910 pelo tenente Cândido Mariano da Silva Rondon. Na transição entre o Cerrado do Planalto Central Brasileiro e a Floresta Amazônica, só existia a casa e barro onde o índio pareci Marciano Zonoecê e sua família cuidavam da linha telegráfica. Ele mesmo era o telegrafista.

Há 50 anos, portanto, Vilhena tinha o telégrafo, sucedido depois pelo telex e pelo telefone. Essa outra faceta da história amazônica será relembrada no final do ano, quando a prefeitura promoverá outros eventos alusivos.

Se o telégrafo integrou Rondônia ao restante do Brasil, a abertura da rodovia, por JK, permitiu a milhares de brasileiros migrarem para o então território federal.


 

Aviões abastecem a região

Anunciada a construção da Rodovia Brasília-Acre, em fevereiro de 1960, o prazo de dez meses para concluí-la desafiou a todos. As matas eram fechadas. Os construtores abriram diversas frentes de trabalho e, como não havia campo de pouso para abastecê-las, a tripulação dos aviões jogava mantimentos sobre clareiras na floresta.

Paralelamente, a Camargo Corrêa construiu três campos de pouso e se responsabilizou por um deles, em Vilhena. O primeiro avião a pousar nessa pista foi um DC-3 da FAB, em quatro de julho de 1960, com o presidente JK e comitiva. A pista, de 1400 metros de extensão por 50 de largura foi construída e asfaltada pela Camargo Corrêa em apenas 25 dias.

— Foi uma aventura, porque era uma região inóspita, habitada por índios, um povo guerreiro. Havia sempre um receio muito grande em relação aos índios e de bichos, onças... Bicho tinha demais — recordou em 2004 o engenheiro Sérgio Ferragi.


 

Índios imaginavam que “peões”
fossem seringueiros. E os atacavam.

 

VILHENA e BRASÍLIA — A explicação é sociológica: a Comissão Rondon iniciou, em 1907, a primeira expedição à região do Vale do Juruena, para estabelecer o trajeto da linha telegráfica que ligaria o Mato Grosso ao Amazonas. Conforme relato da Enciclopédia dos Povos Indígenas do Brasil, nessa época os Nambikwara já estavam em contato com seringueiros e freqüentemente entravam em atrito com eles, usando machados de ferro

Atacavam funcionários dos postos telegráficos, conseqüência da provável associação que faziam entre os trabalhadores da linha e os seringueiros que costumavam matá-los e roubar-lhes as mulheres.

Conheciam seringueiros e ex-escravos que habitavam os quilombos da região, mas só tiveram contatos pacíficos quando ali chegaram servidores do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), dirigido por Rondon. O SPI antecedeu a Funai. As linhas telegráficas também abriram caminho para a penetração de religiosos.

Segundo o Relatório Price (1972), em 1924 um casal de missionários da Inland South American Missionary Union – organização protestante com sede nos Estados Unidos – se estabeleceu próximo ao Posto Telegráfico de Juruena. Pouco tempo antes de sua chegada, os Nambikwara mataram seis empregados da linha telegráfica, possivelmente em vingança pela morte de um índio que fora atingido por tiros de espingarda disparados pelo inspetor do posto.

O casal deixou o posto em 1927 e retornou com o filho pequeno em 1929, quando foi atacado por índios Wakalitesu, após ter medicado um índio que morreu em seguida. Apenas a mulher sobreviveu ao ataque e retornou aos EUA, onde se dedicou a arrecadar fundos para dar continuidade à missão.

Ao longo dos anos, os Mamaindê, também nativos da região, aglomeraram-se em uma única aldeia que reúne cerca de duzentas pessoas. Desde a década de 1960 eles deixaram de fazer também uma pequena casa onde guardavam as flautas de bambu tocadas exclusivamente pelos homens durante os rituais realizados na época da abertura de novas roças.

Apesar de não construírem mais a casa das flautas, os Mamaindê continuam fazendo esses rituais que ocorrem principalmente na estação seca, entre os meses de maio e setembro. A maioria dos jovens Mamaindê é hoje bilíngüe. Já os velhos e as crianças pequenas falam apenas a língua mamaindê, que continua sendo o idioma predominante nas conversas cotidianas.

Cultivam mandioca doce e amarga, várias espécies de batata, cará, milho, fava, banana, amendoim. Mudaram o estilo da caça: do arco e flecha, há muito tempo já usam a espingarda. As caças são uma raridade, por causa do desmatamento, que cresceu desde a abertura de novas pastagens. Assim, eles vão à cidade e se abastecem com arroz, feijão, óleo, café, sal e açúcar. (J.O. e M.C.)


 

A rica história Nambikwara está
em museus, no Rio e na Europa

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Família Nambikwara visitada pelo sociólogo e pesquisador francês Lévi-Strauus, em 1935 / DO AUTOR, EM TRISTES TROPIQUES

VILHENA e BRASÍLIA — Em 1912, o professor de antropologia Edgard Roquette-Pinto, o primeiro etnólogo a visitar os Nambikwara na região da Serra do Norte, já havia estudado o material enviado pela Comissão Rondon ao Museu Nacional. Foi ele quem escolheu o nome para o extinto território federal que também se chamou Guaporé.

Um livro dele publicado em 1917 descreve sua experiência com os indígenas e conta que diversos objetos coletados nas aldeias foram levados para o Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Roquette-Pinto também filmou duas festas de guerra e deixou para o museu os primeiros sons das músicas dos Nambikwara.

A presença de estrangeiros no Vale do Guaporé leva-nos à interpretação de que, a partir daí, a história da ocupação das terras dos Nambikwara ficou conhecida além-fronteiras, ganhando museus da Europa. Em 1938, por exemplo, o antropólogo Claude Lévi-Strauss conviveu meses com diferentes grupos do Povo Nambikwara que estavam em acampamentos temporários nas proximidades dos postos telegráficos.

Dez anos depois, Lévi-Strauss publicava a famosa etnografia intitulada “La vie familiale et sociale des indiens Nambikwara”. Parte dela saiu no seu livro “Tristes Trópicos”, em 1955. Strauss morreu aos cem anos, em novembro de 2009.

À riqueza de detalhes deixada por Strauss, Vilhena e o mundo têm acesso. Minucioso, ele descreveu parentesco, chefia, nomeação, relação entre guerra e comércio nas sociedades indígenas. Explicou os sistemas dualistas de organização social; noção de arcaísmo na antropologia e xamanismo. Assinou ainda um artigo sobre os Nambikwara no “Hanbook of South American Indians”, em 1948.

Acompanhado do médico Jean Vellard, na expedição ao Brasil Central, Lévi-Strauss, publicou em 1939 um artigo sobre a preparação do curare entre os Nambikwara. Luiz de Castro Faria publicou um livro com suas notas de campo e os registros fotográficos que fez da expedição. Tudo isso está no Museu Nacional.

Em 1949, outro pesquisador, Kalervo Oberg esteve na missão jesuítica de Utiariti, em Mato Grosso, para pesquisar o grupo que ele denominou Waklitisu, na época constituído por apenas 18 pessoas. Daí também se avaliou a organização social, as práticas religiosas e o ciclo de vida dos Nambikwara.

Dez anos depois, outro, Lajos Boglár, visitou Utiariti. Ele registrou as músicas indígenas, depois analisadas pelo pesquisador Halmos. Em 1968, o pesquisador René Fuerst coletou artefatos entre os grupos Nambikwara do Vale do Sararé. As peças foram levadas para museus na Europa.

Há muito mais a se conhecer dos Nambikwara, de autorias diversas. Destaquem-se, por exemplo, trabalhos produzidos por missionários Peter Kingston, Bárbara e Menno Kroeker, Ivan Lowe e David Eberhard, do Summer Institute of Linguistics, a respeito das línguas Nambiquara,  e as publicações do padre jesuíta Adalberto de Hollanda Pereira.

O missionário registrou vários mitos dos grupos Nambikwara do Vale do Juruena. Como se vê, uma imensurável riqueza muito além e superior ao asfalto que brevemente levará brasileiros de todos os quadrantes à fronteira brasileira com o Peru. (J.O. e M.C.)

SERVIÇO



● Exposição 50 Anos de História – JK em Vilhena será aberta na próxima sexta-feira (16), com um coquetel a partir das 19h30.

● Local: Livraria Café & Letras, na Avenida Capitão Castro, ao lado da ACIV.

● A mostra será itinerante. Permanecerá na livraria por uma semana e segue depois para o Paço Municipal, faculdades, escolas, agências bancárias, entre outros locais.

● Dois jornalistas e historiadores farão palestras: Lúcio Albuquerque, do Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia e presidente da Academia Rondoniense de Letras; e Emmanoel Gomes da Silva, da Academia Vilhenense de Letras. Tema: “A aventura da construção da BR-29 e o seu significado sociológico para Rondônia e o Brasil”.

● Além da prefeitura e da livraria, a exposição conta com o apoio do vereador José Cechinel, jornal Folha do Sul e Academia Vilhenense de Letras.  


 



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