Quinta-feira, 19 de agosto de 2010 - 08h25
Alguns dos guerreiros Suruís dos anos 1970 e 80, hoje influentes conselheiros em todas as decisões dos jovens que substituem a flecha pelo computador |
MONTEZUMA CRUZ
Amazônias
ALDEIA LAPETANHA, Linha 11, Reserva Sete de Setembro (RO) – O velho guerreiro Ipatara, 60 anos, se levanta da cadeira na Escola Tancredo Neves, olha para os computadores na mesa, contemplando em seguida a fisionomia dos jovens que descrevem na língua nativa os planos de cada grupo. Pede desculpas por não participar dos quatro dias do encontro e desabafa na língua tupi-mondé, com tradução de Julio, 30, filho de Anine, outro veterano dos guerreiros desse povo.
– Almir, o que você diz é a mais pura verdade: precisamos nos reestruturar. Eu, índio selvagem, moço, no tempo do contato me alimentava com tudo natural. Mas nos esquecemos de muita coisa e precisamos voltar às nossas origens – ele diz.
Desde quando organizações não-governamentais começaram a apoiar a causa dos suruís, eles próprios se surpreenderam com os resultados do discurso. Rapidamente, conforme lembra o líder Almir Suruí, todos passaram a assimilar os termos usados por ambientalistas. Assim, uma das frases mais usadas por eles atualmente é o “uso responsável da floresta”.
Sucessivos golpes perpetrados por yara (brancos invasores) e pela própria Colonizadora Itaporanga, os Suruí-Paíter amargaram dificuldades até conseguir a demarcação das suas terras. Para defendê-las, Ipatara, Cádio, Idiaraga, Itabira, Anine e outros guerreiros dos anos 1970 defenderam o território com arcos e flechas. Por alguns momentos, usaram espingardas. A Itaporanga vendeu lotes em Cacoal e Espigão do Oeste, alguns deles, dentro da Terra Indígena.
Na essência, os suruís conservam a língua tupi-mondé, o espírito guerreiro, festas e rituais próprios. Isso é da mais alta importância no momento em que eles prevêem o funcionamento das “zonas de proteção integral da floresta”. Devem saber o que é isso, porque no passado perderam muita madeira, peixes e animais. Em resumo, foram saqueados durante o dia, à noite e de madrugada.
Na semana passada, eles dividiram esse território verde em zonas. A zona quatro será entregue ao cultivo de arroz, banana, batata, café, cará, feijão e mandioca .
Até bombas
Sentado, gesticulando, ora sorrindo ou circunspecto, Itabira, 53, oferece subsídios para o plano de conservação a partir das imagens de satélite. Lembra dos principais rios freqüentados naquela época, entre os quais o Sete de Setembro, o Manoel e o Branco. E também recorda da pesca predatória com bombas e espinhéis, quando caminhões estacionavam na sexta-feira às margens dos rios, saindo só na segunda-feira, cheios.
– Nosso inimigo caçou um macaco no rio Oriente e levou ele nas costas. Cozinharam o bicho, mas ninguém comeu – diz Itabira. Em seguida, sugere a identificação dos locais onde os rios são atualmente explorados, “de que forma e por quem”. É que ainda há locais onde atuam índios e brancos.
O falecido sertanista Apoena Meireles será homenageado pelos Suruís a quem tanto amou: eles darão seu nome a uma das zonas de caça. Apoena contatou-os em 1969, junto com seu pai, o sertanista Francisco Meireles.
A Associação Metareilá já estuda uma espécie de festa uma vez por ano, com a participação de grande número de pessoas, com o objetivo de torná-la tradicional.
Almir se tornou um líder com andanças internacionais. Sua dedicação motivou debates na semana passada. Daí, a decisão do que fazer e como fazer |
Agentes ambientais ficarão
"na cola" de estranhos
ALDEIA LAPETANHA - Agentes ambientais indígenas se preparam. Enfrentarão o risco de desmatamento, deixando de convidar brancos para caçar ou pescar nos rios das aldeias. Nas áreas protegidas eles não matarão filhotes de animais e se comprometeram a caçar sempre o mesmo bicho.
Os grupos aprovaram zonas de proteção definitiva, nas quais serão preservadas áreas de igarapés e não haverá derrubada de madeira. Serão recolhidos plásticos, latas e pilhas. Pesquisas científicas autorizadas para brancos serão devidamente acompanhadas.
– Haverá obediência a manejos sustentáveis nas zonas escolhidas. Considerada sagrada pelo povo Suruí-Paíter, a zona três é o local onde morreram os avós indígenas, há mais de 30 anos, em conflito com seringueiros, seringalistas, garimpeiros e jagunços, ou com outros índios.
Se antigamente os Suruís precisavam ser violentos ao combater excessos cometidos por yaras, agora eles se organizam dentro de políticas capazes de lhes dar a esperada conservação da floresta. Separaram equipes de plantio, caça e vigilância. Agentes ambientais, quase todos jovens, ocuparão postos estrategicamente situados.
Foi Itabira quem ainda lembrou o papel dos rios que passam por áreas do território sagrado:
– Existe rio, porque existe o Deus do rio. Precisamos manter esse lugar, para a permanência dos espíritos – apelou. Foi onde ocorreu o contato, no rio Branco, em 1969. Uma área conhecida por Nambekó-dabadaqui-ba, ou seja, “o lugar onde os facões foram pendurados” – o conjunto das malocas, o centro da vida, a casa grande. (M.C.)
Divisão de Limites feitas por brancos
ALDEIA LAPETANHA - No semblante dos participantes da assembléia de quatro dias viu-se muita vontade de conquistar melhorias e de honrar aqueles que lutaram pela homologação dos 249,4 mil ha, pelo decreto nº 88.867/83.
Os mais jovens sabem ter havido uma redução do total dessa área, a fim de atender aos interesses de invasores, o que motivou diversos desentendimentos entre a Coordenadoria Especial do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e a Fundação Nacional do Índio (Funai).
Decisões surgiram à força. Mais de oitocentos suruís tiveram que permitir a permanência de posseiros e até grileiros num território inferior à metade do tradicional. A maior parte das 25 aldeias obedeceu a uma divisão de linhas feitas pelos colonos. Por causa das invasões, nos anos 1980 eles se organizaram em grupos familiares no final das linhas 9, 10, 11, 12 e 14.
Estudo a respeito da autodeterminação dos Suruí-Paíter revela confrontos com seringalistas desde 1948. O extinto Serviço de Proteção aos Índios (SPI), que a antecedeu a Funai, não conseguiu evitar choques e massacres.
Na época do contato os Suruís começaram a sofrer perdas, em conseqüência de gripe e sarampo. Reduziram-se a menos de trezentos indivíduos. Só se agruparam em torno do Posto Indígena Sete de Setembro quando atacados por uma epidemia de sarampo, em 1973. Um terço da população então se mudou para fora das terras tradicionais, assentando-se perto de Espigão do Oeste. (M.C.)
Ipatara, 61 anos, cumprimenta Almir por conduzir as negociações com o Google Earth e obter apoio de ONGs. |
O QUE SERÁ FEITO
• 151 mil hectares foram escolhidos para a reserva a ser contemplada com créditos de carbono.
• 96 mil hectares da Terra Indígena totalizam a área que a assembléia Suruí decidiu destinar à produção agrícola.
• 17 mil hectares se destinarão a reflorestamento. Viveiros produzirão mudas próprias de espécies nobres.
QUEM APÓIA OS SURUÍS
► Associação de Defesa Etno-Ambiental
► Associação Suíça de Proteção à Natureza (SBN, sigla em alemão)
► Coiab – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
► Usaid – Agência de Desenvolvimento Internacional)
► IEB – Instituto Internacional de Educação do Brasil
► ACT – Amazon Conservation Team
► CSF – Conservation Strategy Found
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