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Amazônias - Gente de Opinião
Amazônias

O habitar dos Parintintins


 

ABRAHIM BAZE (*)
De Manaus (AM)
Originalmente publicado no Portal Amazônia

 

Por antever-se possibilidades de explorá-lo, águas acima, até aos seus manadeiras, reencontrando novas drogas do sertão para o comércio internacional, foi o que durante o século XVII lusos e espanhóis porfiaram no estudo geográfico e econômico do antigo “Caiari” dos indígenas – o famoso rio Madeira, grande afluente da margem direita do Rio Amazonas.
 

Se a aventura alucinada, ou o sereno intento de penetração, de descoberta e conquista desse rio é uma das mais belas páginas da história colonial da Amazônia, não é menos belo o papel que lhe coube nos sistemas hidrográficos da Bolívia, do Peru e do Brasil.

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Um dos tradicionais retratos dos guerreiros e mulheres Parintintins, com adornos /ARQUIVO GOVERNO DO AMAZONAS
 


 

Segundo a lenda, ele teria nascido do seio do Madre de Dios e, como ao Beni os espanhóis chamaram “Rio de Los Palos”, a ele os portugueses chamaram rio das madeiras. O fato é que, descendo da altura de 3.500 metros, precisamente do Peru, das Serranias nevadas do “Querus”, o Madre de Dias, com este nome e, a seguir, com o de Pilcomayo, corre até nordeste e dirigiu-se para o sul na confluência com o Monu.
 

Deixando o território peruano e já no da Bolívia, esse imenso e volumoso rio perde o nome, para juntar-se às águas do Beni, rio de calha inferior à sua, com o curso de apenas 1.200 quilômetros, nascido nas nevadas de Chalcatayo. Nós vimo-lo em La Paz, da altura de 3.650 metros, arrastando vida urbana e, dias mais tarde, em Cochabamba, onde tem confluência com o Salto de Itama.
 

Na sua vida urbana ele foi Choqueyapu e Rio de La Paz, encontrando-se, entretanto, com o Mamoré. Perde novamente o nome e a personalidade, levando-nos a pensar que os rios na Amazônia, como os indígenas, obrigatoriamente mudam de nome também, mas estes é claro, segundo certas circunstâncias religiosas e sociais.
 

O Mamoré das contrafortes andinas, da Cordilheira Real, entre La Paz E Cochabamba, O Ruro e Sucre faz parte da nossa divisória com a República da Bolívia. As águas são volumosas pela contribuição modesta de vários rios, nascidos no intervalo de planícies baixas que separam os sistemas cronográficos da Bolívia e do Brasil.
 

O fato, porém mais importante na vida desses rios, aqui ligeiramente descritos, é que o Beni e o Mamoré, misturam as águas, dão origem ao Rio Madeira, cujo curso se desenrola por 3.240 quilômetros, sendo navegável de forma fascinante por navios de grande cajado, desde a foz até à cidade de Porto Velho, no Estado de Rondônia, conforme descrição de Alfredo Moreira Pinto, no seu “Dicionário Geográfico”.
 

Segundo Luís de Souza Martins, que atuou brilhantemente na Comissão demarcadora de Limites, sob a chefia do Comandante Brás de Aguiar, tendo sido Cônsul do Brasil na Colômbia, Letícia e Bogotá – a junção dos rios bolivianos, para a formação do rio Madeira, “verificou-se na latitude de 10º 12’20’S e na longitude O.G W” – o mesmo autor informa ainda: “Os desenvolvimentos do Beni e do Mamoré são, respectivamente, de 1125 a 1100 quilômetros”.

 

Margens altas e enchentes

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O Rio Madeira (Caiari ou Rio dos Cedros) nasce na Amazônia Peruana com o nome de Madre de Dios. No interior de Guajará-Mirim suas águas ganham a denominação de Rio Guaporé /MONTEZUMA CRUZ
 


 

As características geológicas da calha do rio Madeira foram definidas por Frank Keller e o seu irmão no “The Amazonas and Madeira River´ (Nova Iorque, 1874), sendo que o geólogo da Comissão de Investigação, chefiado por C.E Akers, em 1912 assim definiu o solo: “…um rico depósito de aluvias friavel, sobre o solo de argila vermelha, conquanto haja lugares em que uma regular quantidade de areia lhe embranqueces a superfície. Em ambos os lados do rio, as margens são bem altas e geralmente acima das marcas das enchentes em certos anos, porém, excepcionalmente, a água alcança o nível das casas.
 

“A 200 ou 300 jardas das margens, a terra baixa e torna-se pantanosa, subindo depois de novo, gradativamente a um alto nível. Nos lugares em que a floresta não foi derrubada encontra-se um depósito de Limo vegetal, mas nunca de grande espessura, tanto quanto a minha experiência esperava. Aqui e ali, pedregosa laterite aparece à superfície, o que é particularmente notável de Porto Velho, na Estrada de Ferro Madeira – Mamoré”.
 

Em algumas das terras pantanosas o solo é de argila cinzenta, de nenhum uso prático para fins agrícolas. Na maior parte da distância compreendida entre Manaus e Porto Velho, a terra é bem apropriada à produção de látex, cacau, milho, feijão, mandioca, castanha, batata-doce, arroz, banana e outras árvores frutíferas dos trópicos. A água do rio é carregada de materiais vegetais e, quando se dão inundações, após a baixa das águas, fica um rico depósito de limo preto.
 

A partir da Sede do Seringal surgem Casas, de Manoel de Souza Lobo, as Terras da margem direita do Rio Madeira são cobertas por espessa e imponente selva, no sentido de Porto Velho, com jogos de permeio de grande extensão e bastantes pitorescas, denominadas de três casas e dos Reis, este situado no Seringal Paraíso.
 

A referida selva é denominada por espécies vegetais do Vulto da Castanheira Bertholetiva Exelsa e da Muiratinga Olmedio Perara Sclerophslla Ducke.
 

A área cultural indígena do Rio Madeira, a que me refiro, está compreendida na área de 6727 quilômetros quadrados, atribuída pelo anuário do Brasil, do IBGE ao Município Amazonense de Humaitá.
 

Todos os aspectos fisiográficos acima registrados desdobram-se no chamado território dos índios Cauaia-Parintintins. Quilômetros e quilômetros de terras firmes são alternadas por várzeas, restingas, igapós, lagos, para nós, igarapés e rios, por matas fechadas, campinaranas, Campinas, caçais e campos-gerais, bastando esta referência para se avaliar o meio onde viveram grandes tribos indígenas, corajosos seringueiros, dentre eles Ferreira de Castro, que desdobraram participando de inúmeros episódios de vulto.
 

Foi nesse ambiente que Ferreira de Castro, ainda jovem, viveu e sofreu, marcando para o mundo um dos mais importantes episódios da Amazônia. Bem haja “A Selva, bem haja Portugal.

 

NOTA 
PEREIRA, Nunes. Moronguetá. Um Decameron Indígena. 2 vol. Rio de Janeiro, 1967.

 

(*) É membro do Instituto Geográfico Histórico do Amazonas, da Academia de Medicina do Amazonas, da Academia Amazonense de Letras. Exerce a função de Adido Cultural do Consulado de Portugal em Manaus. Criou seis museus na cidade. É apresentador dos programas “Literatura em Foco” e “Documentos da Amazônia”, ambos no Amazon Sat e, diretor do Museu da Rede Amazônica e Biblioteca e Memorial Senador Bernardo Cabral. Publicou 21 livros, dois deles em Portugal.

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