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O velho berrante, cada vez mais raro


 

O velho berrante, cada vez mais raro - Gente de Opinião
Fidelcino Machado, 73 anos, oferece à freguesia berrantes com três emendas, produzido artesanalmente. Vende ainda arreios, enfeites e cinturões /VALDENIR REZENDE

 

MONTEZUMA CRUZ
De Campo Grande (MS) 


Durante muito tempo os sertões de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul foram o paraíso dos tocadores de berrante, intérpretes de um som surgido há mais de três séculos, caracterizando o tropeirismo nacional. Legítimo integrante da cultura e do folclore, esse instrumento hoje é quase saudade por causa da mudança de hábitos e tradições. Também está em falta a principal matéria-prima: o chifre de boi guzerá, raça criada na Serra da Bodoquena. Os demais chifres obrigam os artesãos a fazerem emendas, lapidadas com esmeril.
 

De 1955 a 1962, tempo das grandes boiadas, as selarias campo-grandenses vendiam em média de dez a 15 berrantes por dia, cada uma. “Hoje demoram alguns meses para sair o estoque”, explica o dono da Selaria Sertaneja, na Rua 13 de Maio.
 

Ali ele oferece à freguesia cada vez mais reduzida, berrantes com três emendas, a R$ 110 a unidade. A buzina custa R$ 20 e o berrante curto R$ 30. O estoque demora até um ano para se esgotar. “Muita gente compra para juntar com outras peças de coleção ou para fazer decoração de casa”, ele explica. Só em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Tocantins ainda se utiliza o berrante para tocar gado.
 

Enquanto manuseia alguns exemplares trazidos por um fornecedor que vem poucas vezes à cidade ele comenta: “Há 40 anos os fabricantes traziam grandes quantidades e os fazendeiros compravam no atacado para organizar as tropas; ficavam uns dias na cidade, conversavam e se divertiam; hoje eles chegam, entregam os berrantes e voltam logo”.
 

Machado, também conhecido por Godói, concorre com outras sete selarias, todas elas experimentando fase semelhante de recessão nesse tipo de negócios. Arreios, cordas, estribos, argolas, esporas, cinturões, estrelas, chicotes, almofadas, amarrilhos e demais itens da estrebaria têm maior procura.
 

Se antes as comitivas boiadeiras cruzavam constantemente as estradas, atualmente elas são obrigadas a invadir o asfalto, como o Correio do Estado constatou ao longo da BR-262, próximo a Anastácio e Aquidauana. Nessa rodovia e em algumas poeirentas estradas vicinais, solitários tocadores seguem contagiando corações e mentes, entretanto, não mais numerosos quanto antigamente.
 

Tocadores de berrantes continuam existindo, mas o progresso do transporte do gado reduziu o número de comitivas. Seu Godoi conta que lava e lixa os produtos recém-chegados à loja. Pai de quatro filhos, avô de oito netos e três bisnetos, embora nunca tenha sido boiadeiro, ele ergue o berrante com três emendas e toca. Pena que o som não saia na fotografia.

 

 

O velho berrante, cada vez mais raro - Gente de Opinião
O tropeiro da comitiva pantaneira caminha pela rodovia BR-262, tocando a boiada rumo a uma invernada em Anastácio (MS) /VALDENIR REZENDE


 

Som convoca bois e vacas para comer sal

Binga, guampo e buzina são outros nomes do berrante em diferentes regiões brasileiras. Os mais bem cuidados são tratados com azeite de mamona e estão sempre limpos.
 

Qual a função do berrante? Desde a sua criação esse instrumento serve para ajudar os tropeiros a agrupar os animais. Segundo Jairo Agrizzi, de Bernardino de Campos (SP) – um dos raros fabricantes que emendam chifres – os primeiros berrantes eram feitos do chifre do boi pedreiro, antiga raça surgida em meados de 1910, cujos chifres podiam chegar até 1,50m de comprimento.
 

“Mediam mais de um metro e faziam parte do transporte de boiadas de até 85 marchas; tinham som bastante grave.” Agrizzi fabricou um berrante especial para o cantor Sérgio Reis, que o propagandeou na televisão, em São Paulo.
 

A escassez de chifres longos no interior paulista levou Agrizzi a procurá-los em frigoríficos de Jacarezinho (PR). Ele também recorda os berrantes com anéis de prata, cujas bocas mediam até 40 centímetros e tinham como função chamar vacas e bois para se alimentar com sal. Também era usado para conduzir a boiada pronta. Em Jaguapitã (PR) o fabricante Adão de Oliveira adquire chifres em Santa Catarina e Mato Grosso. Nesses estados ainda existe boi carreiro, de chifre grande, da raça Guzerá, ideal para fazer berrante.

Ouça o toque de berrante
AQUI


 

Publicado originalmente no
www.correiodoestado.com.br

 

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