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Amazônias - Gente de Opinião
Amazônias

Os sacanas e a devastação


 


Luiz Leite de Oliveira (*)


Parece ficção dizer que existe floresta no Estado de Rondônia, Brasil. Ao longo dos anos, vem ocorrendo a devastação planejada na floresta e em sua biodiversidade na Amazônia Ocidental Brasileira.

Devastação feita por mãos humanas e de brasileiros.

A partir da década de meados dos anos 1970 e nos anos 1980, sob o tacão dos generais-presidentes Ernesto Geisel e João Figueiredo, o governo de Rondônia e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) estimularam a ocupação da Amazônia a qualquer custo.

Isso acontecia para que o ex-Território Federal recebesse gente, aos montes, primeiramente com o forte apelo militar “Brasil: ame-o, ou deixe-o”; depois, sob influência da democracia “lenta e gradual”.

Uma proposta falaciosa e estranha de reforma agrária passou ser aplicada. O convite para ocupar terras loteadas era irrecusável para os chegantes.

Na verdade, diante da irrecusável proposta de derrubar inicialmente 50 % da floresta nos lotes doados, o governo atraiu depredadores.

Nada a acrescentar às administrações excelentes dos ex-governadores, coronéis Humberto da Silva Guedes, o planejador, e Jorge Teixeira de Oliveira, o homem que instalou o Estado. Bom que se diga, apenas dois governadores no tempo do Território Federal do Guaporé e de Rondônia (13 de setembro de 1943 a 4 de janeiro de 1982) fizeram também administrações excelentes, e nesse longo tempo, apenas dois deles foram civis, engenheiros civis: Araújo Lima, que permaneceu no cargo dois anos e quatro meses, e Petrônio Barcelos, um ano.

Entre os anos de 1948 e 1952, com Araújo e Barcelos, os demais eram coronéis do Exército. Araújo Lima deixou grandes obras estruturais, de arquitetura. Aliás, todos os governadores do antigo Guaporé ficaram, em media no governo, apenas um ano e souberam administrar, pois traziam com eles um “staff” de alto nível, cultural e administrativo.

Levas de gente


Migravam para Rondônia nos anos 1970 levas e levas de gente... Famílias vieram pela BR-364 (ex-29), fazendo a rota de Rondon e, em sua maioria, nunca ouviram a história desse grande sertanista.

A procedência geral de todos era a roça, e os estados, em sua maioria do sul, sudeste e centro oeste.

Entre outros brasileiros, aqui chegavam capixabas, catarinenses, gaúchos, paulistas, mineiros e goianos, todos identificados inicialmente como se atendessem aos chamados pelo governo.

Não foi bem assim. Depredaram a floresta e o meio ambiente, derrubando-a e tocando fogo, depois, com as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, fizeram submergir a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e grande áreas no rio Madeira.

Havia muitos outros interesses, especialmente de governos e políticos (senadores, deputados federais), verdadeira escória: os sacanas.

Em poucos anos, todas as instituições estaduais (inclusive o poder judiciário) estavam ocupadas por pessoas de procedência desconhecida, até suspeitas. E assim, cada vez mais o rondoniense estava alijado do poder decisório.

Sim, nesse arranjo, o pior foi se concretizando, enquanto a escória instalou-se rapidamente nos poderes constituídos do território a oeste da Amazônia Ocidental.

Pode-se dizer que foi uma desculpa essa atração de gente para o território prestes a ser estado, por meio e um chamamento demagógico e irresponsável, associado à ganância de alguns em se apropriar de áreas imensas, ainda cobertas por florestas nativas. 

Outros que já tinham como aventureira a escória importada, focaram audaciosamente em interesses diretamente centrados na política, e assim se instalavam em áreas que não representavam os interesses da população de Rondônia.

Era um dura realidade: depredar a floresta, agredir ao meio ambiente.

O estado nascia com o slogan “a nova estrela" no azul da União”, na Bandeira Nacional. E assim se foi nossa biodiversidade, nosso patrimônio maculado pelo próprio Estado Brasileiro.

Uma leva de homens semianalfabetos desembarcou ao longo da BR-364, estabelecendo-se nas mais longínquas regiões. Com a criação do Estado de Rondônia, alguns deles ingressaram no governo, se tornando vereadores, prefeitos, governador, senadores, deputados, vereadores, prefeitos. Os sacanas.
 

Um grito parado no ar...Os sacanas e a devastação - Gente de Opinião
 

Jango Rodrigues  último ato, o menino  Nelson Rocha, Lia Rocha, Gláucia Ribeiro:
 um grito forte contra a depredação amazônica em 1978

 

Eis que, naquela cidade bucólica que ainda era Porto Velho, numa noite de 1978 aconteceu na Biblioteca Pública Francisco Meireles uma apresentação teatral feita por jovens rondonienses inconformados, o que resultou na manifestação popular que denunciava a devastação da Floresta Amazônica.

Eles entraram em cena teatralmente, à luz de velas na escuridão que significava também a escuridão da ditadura.

Jango Rodrigues, em seu último ato, Nelson Rocha, uma criança, Lia Rocha, Gláucia Ribeiro Lira, heróis no grito contra a depredação – inédito em Porto Velho naquele ano de 1978. Foi um grito parado no ar.

Ah! Fogo, floresta e, ao mesmo tempo, abundância de águas. Antevia-se como seria destruída a maior floresta tropical de planeta. E a plateia mantinha-se fria, como se nada entendesse. A música tocada fala em povo tangido como gado.

Noite das velas, talvez a única reação

Os atores eram Gláucia Ribeiro Lira, Lia Rocha de Oliveira, o menino Nelson (interpretando o índio caripuna), o saudoso Jango (que integrava o grupo Porantim de Teatro), e na direção do trabalho, eu e o psicólogo Paulo Lira.

Apenas um roteiro breve, criado na hora. O tema foi se estruturando, explodindo no momento em que a repressão não havia cessado no regime ditatorial.

Representava-se o fim da floresta. Todos de negro, velas nas mãos, sufocados, como se estivessem com olhos esbugalhados, submersos, alagados. O menino índio entrava em transe: olhos cheios de lágrimas, e fixamente, olha para o general Oswaldo Muniz Oliva (então comandante da 17ª Brigada de Infantaria de Selva), gritando: “Não nos destrua”. Em seguida, entrega-lhe uma vela, e sente a recusa.

Aquela apresentação com sons, imagens, e o grito feito por aquele grupo de declamadores do absurdo, um grande uivado na biblioteca, desaparecia na escuridão da noite, como se fosse o desesperado som dos bichos em fuga da floresta, dos ribeirinhos e índios acuados – tudo inédito e surpreendente. Parecia premeditação do que ocorreria nas décadas seguintes.

Garanto que os presentes naquela noite se surpreendiam, mas emudeciam. Na realidade ficaram amedrontados, alguns saíam para não se comprometerem ou não serem confundidos com “subversivos”.

Estava presente o que seria uma mostra de “Arte e Arquitetura” promovida pela Seção Regional do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) e que, de repente, penetra no ambiente, no inusitado.

O general comandante da 17ª BIS, a maior autoridade territorial depois do governador Humberto Guedes, não esperou terminar a última cena. Retirava-se, batendo os coturnos como se estivesse marchando.

A escadaria daquele prédio municipal parecia encarnar o teatro doabsurdo. Aí, as atenções voltavam-se para fora da biblioteca: aos berros, o general Oliva me reprimia: “Luiz Leite, não esperava isso de você! Você que criou essa armação comunista?”.

Não esperou minha resposta: “Estejam presos”. Esfriamos. O general mandava prender todos os manifestantes daquele ato simbólico, porque os considerou “subversivos à nação brasileira”.

Os sacanas e a devastação - Gente de Opinião

Cenas do teatro com a primeira manifestação ecológica em Porto Velho;
à direita, o menino oferece a vela ao  general[braços cruzados], que a recusa

“Eu conheço essa tática”, ele repetia com os dentes cerrados. Sua fisionomia simpática transformava-se. Sua careca brilhava sob a luz tênue das velas.

E o ato foi mesmo uma espécie de grito parado no ar, considerado pela ditadura um atentado a nação.

E hoje, deu no deu. Aí está o mapa que não mente, mostrando hoje a outra face da triste moeda triste. E ainda vendem mundialmente a imagem segundo a qual a Amazônia Brasileira seria o “pulmão do planeta”. Ora, ora...


Monstros elétricos

Recentemente agrediram o Rio Madeira, maior afluente da margem direita do Rio Amazonas; construíram represas para as usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau. O governo Dilma/Lula (PT) não se sensibilizou com nosso drama, e teve o desplante de dizer que a cheia de 2014 não ocorreu por causa das hidrelétricas. “Foi causada pelo degelo nos Andes”, repetiram diversas vezes os sacanas.

Eles disseram isso, apoiados por gestores do Serviço de Patrimônio da União, Ibama, Iphan, de senadores, governadores, prefeitos, e vereadores, em sua maioria pessoas pouco incomodadas com os desastres de hoje e de amanhã; gente que apoiou com unhas e dentes empreendimentos criminosos – gente sacana.

No movimento “Usinas já”, os rondonienses foram ludibriados e agora pagam pela energia mais, cara, como se daqui estivéssemos na seca e não a produzíssemos.

Compraram e calaram muita gente. Poucos rondonienses mostraram sua indignação.


(*) Arquiteto, presidente da Associação dos Amigos da Madeira-Mamoré.

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