Terça-feira, 26 de novembro de 2019 - 12h27
Para populações tradicionais e indígenas, as mudanças
climáticas são mais do que estampa em capa de jornal com dados alarmistas. É
realidade palpável no cotidiano: são cheias e secas extremas em lugares
alagáveis, mudança no ciclo de chuvas e, claro, ondas de calor que afetam
diretamente colheita, pesca e estilo de vida. Indígenas, ribeirinhos e
moradores da zona rural são primeiros a perceberem os efeitos dos
desequilíbrios ecossistêmicos causados pela mudança de temperatura do planeta.
Visando reunir os diferentes conhecimentos tradicionais
para entender os efeitos das mudanças climáticas ao redor do mundo inteiro, um
grupo de cientistas criou o projeto ‘Local Indicators of Climate Change
Impacts’ (LICCI). O LICCI reúne pesquisadores de diferentes instituições
localizadas no mundo todo; entre elas, o Instituto Mamirauá, organização social
vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações
(MCTIC).
O projeto é da Universidade Autônoma de Barcelona sob
orientação da pesquisadora Victoria Reyes-García, começou em 2018 e deve durar
cinco anos. Nesse período, cerca de 45 pesquisadores do mundo inteiro irão
reunir, baseados em um protocolo padrão, dados das percepções de populações
indígenas e tradicionais sobre as mudanças climáticas.
A ideia surgiu baseada em três premissas: a primeira é que
as populações locais têm interação mais aproximada com os ecossistemas e, por
isso, sentem esses efeitos de primeira mão; a segunda é que essas populações
são as principais afetadas por essas transformações no meio ambiente e a
terceira é que essas populações já estão se mobilizando na elaboração de
estratégias para lidar com esses efeitos.
“Um aumento da
temperatura na cidade pode trazer um desconforto para quem mora em ambiente
urbano, mas para um indígena que vive em uma área desértica, por exemplo, isso
muda completamente o estilo de vida dele impactando diretamente os recursos que
ele pode acessar”, afirma André Junqueira, um dos pesquisadores do LICCI.
O projeto irá criar, assim, uma rede de outros
pesquisadores interessados em avaliar como sistemas de conhecimento contribuem
para a compreensão dos impactos das mudanças climáticas.
Metodologia
Entre os dias 18 e 23 de novembro, os pesquisadores
integrantes do projeto realizaram um workshop na Universidade Autônoma de
Barcelona com explicações e treinamento da metodologia que será utilizada,
previamente elaborada pelos idealizadores do projeto.
O método prevê a realização de entrevistas e oficinas
participativas em diferentes locais do mundo. Os dados resultantes ficarão
disponíveis a interessados em desenvolver políticas de adaptação, modelos de
mudanças climáticas e outras pesquisas sobre o assunto.
Na região do Médio Solimões, na Amazônia Central, a
pesquisadora associada do Grupo de Pesquisa em Arqueologia e Gestão de
Patrimônio do Instituto Mamirauá, Júlia Vieira, será a responsável por essa
coleta de dados com as populações ribeirinhas que vivem na área.
Júlia já realizou anteriormente pesquisa etnográfica em
comunidades das reservas de desenvolvimento sustentável Mamirauá e Amanã,
unidades de conservação da região, com o objetivo de entender como os ribeirinhos
de diferentes ecossistemas amazônicos – no caso, várzea e paleovárzea – são
afetados por eventos climáticos extremos e como se adaptam a essas situações.
“Ser incluída como uma parceira do projeto é uma grande
oportunidade de padronizar a metodologia já realizada com a do grupo
internacional. Isso permitirá que a região do Médio Solimões seja incluída em
uma avaliação global. Assim, esperamos
dar maior visibilidade para as problemáticas climáticas que vêm ocorrendo
localmente e consequentemente, ter maior atenção e planejamento nas ações de
apoio e fortalecimento das comunidades locais", afirma a pesquisadora, que
atualmente é aluna de doutorado do Programa de Pós Graduação em Botânica do
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) sob orientação de Charles Clement (Inpa), Ângela M.
Steward (UFPA) e Tamara Ticktin (Universidade do Hawaii).
“Pesquisadores como
a Júlia são fundamentais para o projeto porque eles têm um conhecimento
detalhado das populações com as quais eles vão trabalhar. Esses dados do Médio
Solimões vão poder ser contrastados e dialogar com dados do mundo todo, então
saem de um estudo local e ganham escala”, afirma André.
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