Segunda-feira, 20 de dezembro de 2010 - 19h09
Jovem mãe da Resex Cazumbá-Iracema, no Acre. No País ocorrem 50 mortes para cada mil mulheres durante a gravidez, no parto ou no pós-parto. No Canadá é de cinco para 100 mil. Gravidez na adolescência na Amazônia é a mais alta do Brasil //MONTEZUMA CRUZ |
DANIELE CHIARETTI
Valor Econômico
SÃO PAULO, SP – Se a boa notícia da Amazônia é que o desmatamento nunca foi tão baixo na história deste país, a má notícia é que os indicadores sociais mostram uma região com problemas crônicos e preocupantes. Apesar de alguma melhora, a Amazônia está distante do Brasil em relação à pobreza, às doenças, ao saneamento básico e à saúde materna. Colocando foco em alguns desses parâmetros, os brasileiros que vivem em nove Estados da floresta parecem fazer parte de outro país.
A pobreza, por exemplo, afetava 42% da população amazônica em 2009. A média brasileira naquele ano era de 29%. Segundo dados do mais recente Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase 24 milhões de pessoas moram na Amazônia e 80% estão nas cidades.
O crescimento da população da região nos últimos 20 anos foi de 41% (a média brasileira bateu em 31%), e a migração tem papel importante nesse número. Em 2009, mais de 10 milhões de pessoas viviam com menos de meio salário mínimo por mês.
Paradoxo: sem água potável, sem saneamento
Paradoxalmente, na região que mais tem recursos hídricos no mundo, o acesso à água potável e o saneamento básico são serviços precários. Em 2009, 34% da população amazônica não tinha água encanada. A metade não possuía coleta de esgoto adequada - ou seja, ligada à rede ou com fossa séptica.
Não há dados disponíveis sobre tratamento do esgoto. O que se sabe é que, há dois anos, 81% dos municípios amazônicos não tinham nenhuma rede de coleta de esgoto.
Estes dados foram recolhidos, analisados e agora estão sendo divulgados em um ambicioso raio X da região, feito pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), um dos mais respeitados centros de pesquisa da floresta, com sede em Belém.
Em "A Amazônia e os Objetivos do Milênio 2010", pesquisadores examinaram a evolução das metas propostas pela Organização das Nações Unidas (ONU) para 2015, colocando foco na situação dos nove Estados da Amazônia Legal em saúde, educação, renda e condições de vida. Observaram a performance de 25 indicadores, cruzando dados do IBGE, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), dos ministérios da Saúde e do Trabalho, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Instituto Socioambiental (ISA), para citar algumas das fontes.
Família acreana viaja de canoa em busca de recursos médicos na cidade. Em 2009 a pobreza no norte brasileiro afetava 42% da população; média nacional naquele ano era de 29% /MONTEZUMA CRUZ |
Melhora tímida, abaixo da média nacional
A intenção do trabalho era mapear como a Amazônia está em relação aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, estabelecidos pela ONU em 2000, e que têm como meta, por exemplo, reduzir pela metade, entre 1990 e 2015, a proporção da população em extrema pobreza, reduzir em 75% a taxa de mortalidade materna no período ou chegar a 2015 tendo estabilizado a incidência de malária e de outras doenças graves.
A conclusão é que, embora tenham sido registrados progressos na maioria dos indicadores analisados de 1990 a 2009, a melhora é tímida e está muito abaixo da média nacional. "Fizemos um retrato social da Amazônia olhando para 2015", diz Adalberto Veríssimo, pesquisador-sênior do Imazon e um dos autores do trabalho. "O que vimos é que a Amazônia ainda é pobre, com taxas de violência e doenças muito graves e precariedade em serviços básicos", continua.
Embora em educação, renda e saúde tenham sido verificados avanços de 1990 a 2009, o quadro é de grandes deficiências. "Os indicadores sociais ainda são vergonhosos, o Brasil não pode aceitá-los", prossegue Veríssimo. "Um país com economia emergente não pode ter indicadores desses em uma região tão estratégica como a Amazônia."
Subnotificações
Os pesquisadores apontam, no entanto, sinais positivos verificados nas últimas duas décadas. Também na Amazônia registrou-se um sensível aumento no acesso à educação (com igualdade entre homens e mulheres) e redução da mortalidade infantil, embora neste tópico os pesquisadores desconfiem de sub-registros nas estatísticas oficiais.
Discrepâncias entre a escolaridade das populações urbana e rural são muito agudas. A segunda apresentava taxas de analfabetismo 2,5 vezes superior às áreas urbanas /MONTEZUMA CRUZ |
O estudo mostra que existiu um forte aumento na taxa de freqüência escolar de crianças e adolescentes entre 7 e 14 anos do ensino fundamental. Era 71% em 1991 e subiu para 90% em 2009, algo muito parecido ao do resto do Brasil. O caso de adolescentes cursando ensino médio é espantoso: passou de 9% em 1991 para 47% em 2009.
O desafio na floresta é o mesmo do Brasil: melhorar a qualidade do ensino. Na Amazônia, as discrepâncias entre a escolaridade da população rural e urbana são muito agudas. Segundo o IBGE, a população rural da região apresentava taxa de analfabetismo 2,5 vezes superior às áreas urbanas.
Na redução da pobreza também houve ganhos. Entre 1990 e 2009, a pobreza extrema (gente que vive com menos de um quarto do salário mínimo) diminuiu de 23% para 17% na região. No mesmo período, ocorreu uma redução de 20% para 11% na pobreza extrema no Brasil. No fim de 2008, 1,9 milhão de famílias na Amazônia se beneficiaram com o Bolsa Família - ou seja, 18% de todos os inscritos no país.
O maior trunfo da região é sabido e festejado - a queda histórica nos índices de desmatamento - e o vigoroso aumento no número de áreas protegidas. Mas agora, a presidente eleita, Dilma Rousseff, e os novos governadores da região têm pela frente o desafio de manter esse cenário sob controle e cumprir os compromissos de reduzir as emissões de gases-estufa causadas pelo desmatamento. "O relatório mostra que, em quase todos os indicadores, a Amazônia está na lanterninha do Brasil", diz Veríssimo. "Esse é o legado da economia do desmatamento, que, felizmente, está sendo jogada no lixo."
Biodiversidade
O lado B do contexto amazônico está além da floresta e da biodiversidade. "A região está avançando, tem grandes projetos econômicos, recebe muitos migrantes, mas a riqueza gerada aqui não está sendo revertida em capita social", argumenta a engenheira florestal Danielle Celentano, outra autora do trabalho e consultora do Imazon. "Aqui, o que se verifica são problemas realmente estruturais."
Danielle trabalhou em um relatório anterior do Imazon sobre o tema, de 2007, e lembra que a melhor notícia daquele estudo era a queda na mortalidade infantil. Agora, de 1990 a 2009, o dado se repete e confirma a tendência anterior: a mortalidade de crianças até um ano caiu 52%, ou seja, passou de 51 para 25 óbitos para cada mil nascidos vivos. No Brasil, a taxa caiu de 45 para 23 no período.
A diarréia aguda, que poderia ser facilmente evitada e tratada, foi responsável por 6% das mortes de crianças até cinco anos na Amazônia em 2006. Mas a drástica queda na mortalidade infantil é, sem dúvida, o melhor resultado apontado pelo estudo, mesmo se há um alerta que esse dado pode estar distorcido pelo forte sub-registro.
Na outra ponta, um dos piores resultados que apareceram no trabalho do Imazon relaciona-se à saúde materna. Danielle lembra que, na Amazônia, verificam-se 70 mortes para cada 100 mil mulheres durante a gravidez, no parto ou no pós-parto. O mesmo dado para o Brasil é de 50 para 100 mil. Em países desenvolvidos, como o Canadá, é de 5 para 100 mil. A gravidez na adolescência na região é a mais alta do Brasil.
Brasil é líder mundial em hanseníase. Teve 41 mil casos em 2007, dos quais, 40% na Amazônia. Pará e Maranhão são os líderes nessa infeliz estatística PORTAL UFPA |
Hanseníase, recorde negativo
Saúde é um dos temas mais complicados na Amazônia. Relatórios oficiais apontam que é no Norte onde a aids mais cresce no Brasil. A malária caiu de 1990 para cá, mas continua elevada: em 2009, registraram-se mais de 306 mil casos novos na região. A taxa de incidência de tuberculose caiu 47%, e a de leishmaniose se manteve estável, o que são pontos positivos, mas a dengue disparou.
Um recorde negativo é o de hanseníase. O Brasil é líder mundial na doença. Em 2007, foram 41 mil casos novos no Brasil, 40% registrados na Amazônia. Pará e Maranhão são os líderes nesta infeliz estatística. "Controlar a hanseníase não está entre os objetivos do milênio, mas, como é um dado muito gritante, resolvemos dar destaque", diz Daniel Santos, engenheiro ambiental do Imazon e também autor do estudo. Em 2007, havia menos de um médico para cada mil habitantes na Amazônia. A média brasileira é de dois médicos para cada mil pessoas.
Luta pela terra, recursos naturais, um caldeirão explosivo
SÃO PAULO – Os pesquisadores do Imazon adicionaram ao trabalho um capítulo sobre paz. "Na Amazônia, o avanço da fronteira do desmatamento é um processo violento", diz o texto. Os conflitos pela terra e pelos recursos naturais, os assassinatos rurais e a alta violência urbana, além dos constantes registros de condições de trabalho próximas à da escravidão, fazem da região um caldeirão explosivo. Em 2008, foram 6.815 pessoas assassinadas na Amazônia, o que correspondeu a 14% dos homicídios do país.
O relatório aponta uma estatística sombria: 35% das cidades na região têm taxa de homicídios superior à do Rio de Janeiro. "Tentamos mostrar o que precisa melhorar aqui, com rapidez. Esperamos que o estudo sirva de base para políticas públicas", diz Santos.
Originalmente publicada na edição de hoje, 20/12/2010 do Valor Econômico.
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