Quinta-feira, 24 de dezembro de 2015 - 14h09
LUIZ LEITE DE OLIVEIRA (*)
Porto Velho é amazônica, mas tem características de uma cidade americana da Philadelphia. No início, quando foi construída, tinha tudo a ver, modo de vida, principalmente, para ingleses e americanos, para que se sentissem em casa.
Só que aqui o inverno não era de neve, mas de muita chuva. E o caminho do trem era na selva, The Jungle route.
Em maio de 1907, quando começou a ser implantada em parte suas edificações eram pré-fabricadas, trazidas em pedaços, colocados como montagem de um jogo, num imenso tabuleiro de xadrez e, tornando-se realidade, a partir do projeto urbanístico, americano. Em parte, aquela cidade em implantação, em parte sobre um aterro, era um estranho aglomerado urbano, vivo, quando o Brasil ainda vivia dentro de padrões medievais, no começo do século 20.
Porto Velho resplandecia inicialmente, assustando a todos. Planejada para ser o ponto inicial da ferrovia com previsão para se durar mil anos.
Os dois planos topográficos – ruas para trilhos embaixo, retilíneas no alto, com as caixas-d’água – organizaram cuidadosamente aquela cidade. Ao mesmo tempo em que se construía a Estrada de Ferro Madeira Mamoré. A morfologia do terreno é valorizada e protegida pelo tombamento 1.220 T-87 do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, assinado em 11 de novembro de 2005.
Em 1912 estavam concluídos os dois empreendimentos, tanto a cidade de Porto Velho planejada, quanto à ferrovia. Ambas fascinavam e atraíam curiosos; chegava gente do mundo inteiro para conhecer, ver aquela espécie de Babel, uma parafernália com suas grandes oficinas ferroviárias em forma de balão que descia na curva abaixo de Santo Antônio, nascida à margem do rio Madeira, no meio da selva,jungle route, naquele começo de século 20. Incomparáveis.
Assim, tanto a ferrovia e aquele condomínio de luxo, espécie de legião estrangeira, surgiam juntos, assustando o mal humorado escritor Mário de Andrade, anos depois, quando ele visitou na década de 1920 a região e, no livro O Turista aprendiz fez questão de ignorar solenemente a estranha cidade planejada e a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM).
Planejada sim, em dois planos de sua topografia. Na parte baixa da cidade estava o pátio ferroviário, também chamado de fábrica de trens, em seu entorno foram organizados o setor de administração, saúde, residencial, clubes, etc.
Três Marias, símbolo de Porto Velho revestido em 2015 com linguagem cinematográfica /Foto Ricardo Peres
Gigantes cilíndricos
As três caixas-d’água metálicas, estrategicamente, colocadas
na parte alta, além de outras edificações. Da população periférica à Avenida Divisória, no Café Central, subúrbio as chamava de Três Marias.
Impunham-se esguias, imponentes, metálicas, suspensas e entrelaçadas, parecia lançar-se no espaço soltas e leves. Hoje poderiam ser comparadas a um foguete. Pré-fabricadas, foram instaladas entre 1910 e 1912, pela companhia construtora da ferrovia Madeira Mamoré, cujo projeto e execução dessas imponentes estruturas ficaram a cargo da empresa Chicago Bridge & Iron Works. Montadas em lâminas de aço, protótipos de nove metros de diâmetro, cada. Coladas esses painéis, por rebites, formando belos e gigantes cilindros.
Nesse mesmo plano, também no alto, estavam cinco altas torres dos telégrafos sem fios, que faziam a EFMM ligar-se ao mundo, enquanto Rondon, nessa época ainda desenrolava fios da linha de telégrafo que ligava Cuiabá a Vila de Santo Antônio, por sua vez nada sabia sobre o surgimento de Porto Velho.
No alto e baixo, distribuídos nos planos, ficavam também, as moradias de alto padrão, os escritórios, as casas dos funcionários da ferrovia, chamados de "categoria", os armazéns. Por meio do telégrafo sem fios, já se falava com Manaus, Rio de Janeiro, Londres e Nova Iorque. Quando o marechal Cândido Rondon chegou a Santo Antônio, em 1913, esticando os fios saídos de Cuiabá, por um vacilo foi parar na foz do rio Machado com o Madeira, deparando-se com Porto Velho, que naquela localidade já se comunicava por meio do telégrafo sem fio.
Porto Velho em 180 graus: de um lado, uma das caixas-d'água, do outro, a margem do Rio Madeira /Foto Dana Merril
Em Porto Velho moravam trabalhadores de mais de 50 nacionalidades que construíam a EFMM. E, como numa Babel, de todas as línguas, montavam as edificações pré-fabricadas importadas. Uma cidade estranha surgia e criava-se na Floresta Amazônica. Falavam-se todos os idiomas possíveis e imagináveis. Mas o tabloide publicado em inglês The Porto Velho Times era aguardado todos os finais de semana.
Bloc and avenue– traçado e característica retilínea implantada em plena selva à margem direita do grandioso Rio Madeira, pela empresa americana da May, Jackill & Randolph, entre 1907 e 1912. As edificações eram pré-fabricadas e rapidamente montadas. Como um brinquedo gigante que se estruturava, assombrando os visitantes daquela legião estrangeira.
Porto Velho, amazônica, mas com características de uma cidade de Philadelphia, aliás, tinha tudo a ver, principalmente, para os ingleses e os americanos, que se sentiam em casa. Só que aqui o inverno não era de neve, porém, muito chuvoso. Assim é o inverno amazônico.
À noite, em 1912, a luz elétrica, incandescente, já iluminava as edificações e as avenidas de Porto Velho. Cruzava a cidade iluminada, entrecortada por trilhos nos quais circulavam litorinas, automóveis e principalmente as Public Locomotive Works de Philadelphia. Em outro momento...
Cartão postal da direção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, com grafia da época, exposto no Museu de Nova Iorque
Aos poucos, a partir dos anos de 1930, na administração inglesa com Arthur Bell, essa cidade mantinha-se bastante organizada de primeiro mundo. Depois, já Estado Novo, era a Ditadura Vargas, essa cidade e a ferrovia, aos poucos foram sendo desmontadas. Hoje, restando sua estrutura urbanística e urbana implantada com início da cidade.
A iluminação especial às três caixas-d’água, projetadas neste final de 2015, coloca roupagem nova, surpreendente para muitos, o que pode ser novidade, e agora se apresentam belíssimas pela primeira vez. Isoladamente, são imagens surreais.
De certa forma elas foram vestidas condignamente, iluminadas, e se expressaram como grandes intérpretes da beleza e da arte. Suas imagens, valorizadas, nos encham de orgulho, de nosso passado, de nossa história.
(*) O autor é arquiteto, urbanista, pesquisador do patrimônio histórico, e da Associação de Amigos da Madeira Mamoré (Amma). Pesquisa fotográfica Ricardo Peres e Nelson Rocha.
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