MONTEZUMA CRUZ
Nossa primeira safra cacaueira teve como destino Hamburgo (então Alemanha Ocidental). Foram apenas quinhentas sacas, cerca de 30 toneladas de um produto com alta qualidade, conforme atestavam na época os homens da Comissão Executiva do Plano da Lavoura (Ceplac). 1
Quarenta anos atrás, o grupo Fischer festejava essa conquista. O agrônomo Assis Canuto acreditava no êxito dessa lavoura, apesar dos percalços sofridos por conta da disseminação do fungo da vassoura-de-bruxa (Crinipellis perniciosa). “Essa exportação demonstra a viabilidade de transformar o futuro Estado de Rondônia num importante pólo exportador, via Porto Velho”, ele previa. Depois, elegia-se deputado federal.
O grupo Fischer havia conseguido financiamento da antiga Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e pretendia beneficiar as colheitas aqui mesmo. Minha matéria saía publicada na edição de 8 de novembro de 1978, na seção “O negócio é notícia”, de O Globo, do qual fui correspondente.
A partir da repercussão dessa primeira exportação, travou-se uma batalha burocrática e anti-rondoniense nos escalões do poder. Ciumeira de todos os lados. Os de fora, por causa da iminente fartura que um dia aqui se alcançaria; os daqui, temendo o menosprezo pelo fruto genuinamente amazônico – como sempre deveria ter sido, não fossem as mãos do homem, que um dia o transportaram para a Bahia.
Na presidência do Conselho Consultivo dos Produtores de Cacau, Humberto Salomão Mafuz disparava seus petardos. Em documento entregue ao presidente Ernesto Geisel, ele condenava os investimentos nos cacaueiros rondonienses. Sustentava-se na ocorrência da “vassoura-de-bruxa” (Crinipellis perniciosa).
Houve manobras, devemos reconhecer.
A Ceplac em Porto Velho – e aqui lembramos o saudoso engenheiro agrônomo e pesquisador Frederico Álvares Afonso – o contestou. Afinal, a cacauicultura dava seus primeiros passos em Rondônia. Seria um erro desacreditar no êxito das lavouras de um produto nativo da Amazônia, tal qual é a mandioca, a raiz brasileira.
O ex-governador Humberto Guedes revelou-me em Brasília que o então ministro da Indústria e do Comércio, Ângelo Calmon de Sá, rejeitara, em 1978, proposta de expansão da lavoura cafeeira em Cacoal e no território. Segundo o coronel, ele entendia que Rondônia teria muito mais vocação mineral, por causa da expressiva produção de minério de estanho (cassiterita).
É de se supor que Calmon de Sá usava seus poderes ministeriais para desfavorecer, também, a cacauicultura no futuro estado. Ele fora um dos diretores do sinistro Banco Econômico S/A*.
Com apenas mil pés, o cacau concentrava-se inicialmente na região de Ouro Preto do Oeste, a 330 quilômetros da Capital. Ariquemes plantaria em seguida, mais nove mil pés, nos projetos Burareiro e Marechal Dutra. Em Ouro Preto ficava a sede do plantio experimental da Ceplac e do projeto integrado de colonização do Incra. Deu muito trabalho a luta contra a “vassoura”, mas esse é outro capítulo da história que também inclui a Aninga, maior compradora no extinto território, quando o cacau custava 50 cruzeiros o quilo. Naquele período, o engenheiro Nilton Camargo coordenava a Ceplac.
Foi uma peleja para o governo territorial, fortalecido pela Ceplac, persistir e conviver com fungos hoje debelados pela ciência, no momento em que o produtor também sentia seu primeiro desestímulo.
Nada contra bons baianos, mas que houve conspiração, ah! se houve.
(*) Apesar de receber ajuda do governo através do Programa de Estímulo à Resstruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), o banco sofreu intervenção em 1995 e entrou em liquidação judicial em 1996.
Quinta-feira, 26 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)