O manejo do pirarucu (Arapaima gigas), realizado em diferentes partes da Amazônia, é símbolo de um modelo de conservação onde os recursos naturais podem ser utilizados de maneira sustentável. Hoje, é possível realizar o manejo em diversas regiões da Amazônia onde o peixe já chegou a ser escasso, sem que isso resulte em impactos significativos para a sua conservação.
Esse patamar só foi alcançado porque pesquisas científicas conseguiram compreender como e quando a espécie se reproduz, o que permitiu que se determinasse um período de defeso, durante a época de reprodução, e um tamanho mínimo para a captura, com o qual a maioria dos pirarucus já reproduziu pelo menos uma vez.
No caso do pirarucu, apenas indivíduos com mais de 1,5 metro podem ser manejados. O mesmo processo de pesquisa já foi realizado com outras espécies, como o acará disco (Symphysodon aequifasciatus), espécie ornamental já liberada para manejo, a partir dos estudos do Grupo de Pesquisa em Ecologia e Biologia de Peixes (GP Peixes) do Instituto Mamirauá, organização social fomentada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).
Os fatores que determinam as características reprodutivas de um peixe são diversos e se relacionam com as adaptações evolutivas ao meio ambiente pelas quais a espécie passou ao longo do tempo.
Hermafroditismo
O hermafroditismo é encontrado em diversas espécies na Amazônia. Os peixes hermafroditas podem ser divididos em duas categorias: os de hermafroditismo simultâneo e de hermafroditismo sequencial.
No hermafroditismo simultâneo, até o momento observado apenas em espécies marinhas, o indivíduo apresenta nas gônadas porções masculinas e femininas. Durante o período reprodutivo, o peixe pode se comportar como fêmea ou macho, de acordo com a proporção entre os gêneros encontrada no ambiente, entre outros fatores sociais e comportamentais.
Os peixes com sistema reprodutivo sequencial nascem com apenas um tipo de gônada. Esse sistema também é dividido em dois tipos: os peixes protândricos e protogínicos.
As espécies protândricas, como o apapá (Pellona castelnaeana), produzem apenas peixes machos, que podem desenvolver gônadas femininas para que a reprodução ocorra, de acordo com fatores externos e comportamentais. O processo inverso acontece com os peixes protogínicos, que, em sua maioria, nascem fêmeas, mas podem desenvolver gônadas masculinas, como o surubim (Pseudoplatystoma punctifer).
Promiscuidade, poligamia e monogamia
Durante o período reprodutivo, os peixes podem utilizar diferentes sistemas de acasalamento. Uma das possibilidades é a promiscuidade, quando cada espécime procura acasalar com a maior quantidade de indivíduos do sexo oposto possível para garantir a continuidade da espécie. Esse tipo de reprodução ocorre, geralmente, em peixes migradores, como o Jaraqui (Semaprochilodus insignis).
Há também os peixes poligâmicos, divididos entre poligínicos, quando um macho acasala com várias fêmeas durante a reprodução, e poliândricos, quando o processo inverso acontece e uma fêmea pode acasalar com diversos machos.
No caso de espécies monogâmicas, o indivíduo escolhe um par que será seu parceiro até o final do período reprodutivo. Esse tipo de peixe apresenta cuidado parental bem desenvolvido, como o pirarucu, cujos machos tomam conta dos alevinos (filhotes de peixe) até que estejam fortes o suficiente para sobreviverem ao meio.
Qualidade ou quantidade
Para que a reprodução ocorra de forma bem-sucedida, gerando a maior quantidade de descendentes saudáveis possível, diferentes estratégias podem ser utilizadas pelos peixes. Essas estratégias podem ser divididas em três categorias: estratégias de equilíbrio, oportunistas e sazonais.
As espécies que utilizam estratégias de equilíbrio prezam pela qualidade da ninhada, produzindo um número menor de descendentes, a partir de ovócitos maiores, que desenvolverão alevinos maiores e mais aptos para sobreviver ao ambiente externo.
Os peixes oportunistas esperam que as condições do ambiente estejam favoráveis para desovar, geralmente durante épocas de chuva e maior quantidade de alimento na água. Essas espécies apresentam a maturidade sexual precoce, ovócitos pequenos e desovam em grande quantidade, não dependendo para isso do ciclo hidrológico local – as mudanças na dinâmica da água, como as temporadas anuais de cheia e seca. Um exemplo de peixe oportunista é a piaba (peixes da família Characidae).
As espécies sazonais, como o tambaqui (Colossoma macropomum), possuem o período reprodutivo curto e sincronizado com a dinâmica dos rios. Os peixes que utilizam essa estratégia acumulam energia para desovar em grande quantidade e com ovócitos pequenos, no local e momento apropriados para o sucesso da ninhada. Os indivíduos de estratégia sazonal não apresentam cuidado parental.
Ministrado pela pesquisadora Jomara de Oliveira, do Grupo de Pesquisa em Ecologia e Biologia de Peixes do Instituto Mamirauá, durante o 16º Simpósio sobre Conservação e Manejo Participativo na Amazônia, o minicurso “Biologia reprodutiva de peixes amazônicos” explicou esses e outros aspectos sobre a reprodução de peixes na Amazônia. O evento aconteceu no dia 2 de julho, na sede no Instituto Mamirauá, organização social fomentada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), em Tefé, no Amazonas.