Domingo, 5 de setembro de 2010 - 14h53
Memélia Moreira (d), Eliane Lucena (e) e, com óculos escuros, Jaime Sautchuck /ÁLBUM DE FAMÍLIA |
MEMÉLIA MOREIRA (*)
De Miami, Flórida (EUA)
Era uma segunda-feira qualquer de maio de 1971. E, também, a primeira vez que participava de uma “reunião de pauta”. E logo na Veja. Um pouco tensa, muito curiosa e, principalmente, insegura. Afinal de contas, estava com quase 24 anos, voltando para o Brasil depois de um tempo de reflexões em Paris, pronta para salvar o mundo com minha Bic e agenda de anotações e, sem mais nem menos um emprego numa revista de alta tiragem.
Quando entrei, no limite do horário, quase todos os repórteres já ocupavam as cadeiras disponíveis. Olhei um por um e, confesso, fiquei intimidada. Só gente assim, vamos dizer “importante”. Mas, o chefe, abriu um sorriso tão largo, tão espontâneo e tão envolvente, que soltei o ar dos pulmões. Era o “professor” Pompeu de Souza, chefe da Sucursal da Veja em Brasília e, anos depois, senador da República. O sorriso devolveu minha pele. Há horas ela não me cobria.
Pompeu de Souza dirigiu a sucursal de "Veja" em Brasília e foi senador |
Rumo ao Xingu
Discutiram as matérias já publicadas, brincaram, tomaram café e eu, quieta, procurando um lugar para as mãos. Foi quando, de fato, professor Pompeu passou a distribuir tarefas. Pra mim restara um “pautícula” no Ministério da Saúde. Nada que provocasse tesão jornalístico. Claro que não reclamaria. Mas (há momentos em que as conjunções adversativas mudam a história de um povo), quase no final, professor Pompeu, aquele mestre inesquecível se dirige a todos dizendo:
‘Vão inaugurar uma estrada lá no Xingu. Tem avião. Vai e volta no mesmo dia. Aviso que aquele lugar é cheio de pium” (mosquitinho insuportável). Continuava quieta, enquanto o coração pulava de 80 para 150 ou 200 batidas por minuto. Meu Deus, eu queria ir.
Ninguém se manifestava. Foi quando enchi o pulmão de ar, contei até 25, liberei a coragem e perguntei: “qualquer um pode ir?”. O Mestre respondeu. "Qualquer repórter sim, e com um fotógrafo". E aí? Como revelar em frente de todos que eu não ousava dizer “sou repórter”. Pompeu de Souza, que provavelmente deve ter passado apuros na sua primeira pauta, entendeu e disse “Vá você. E me faça matéria detalhada de quantas pessoas, do churrasco, dos empresários, entreviste índios, autoridades…” Eu já não ouvia, sonhava.
Raoni, lendário cacique do Povo Indígena Txucaaramãe, do Xingu |
Churrasco com gosto de querosene e botas de Jockey Club
Sob o título “Índios, tratores e bibliotecas”, a matéria saíu dia 22 de maio de 1971, se não me engano. Conheci o grande chefe Raoni, do povo Kaiapó, com quem fiz minha primeira entrevista, comi churrasco com gosto de querosene, vi as esposas dos empresários paulistas, os mais interessados na famosa Estrada BR-080 (Brasília-Manaus, que nunca foi concluída), usando botas como se estivessem num Jockey Club, conquistei a amizade de uma colega jornalista chamada Eliane Lucena, que era do Estadão e até hoje minha melhor amiga, vi as primeiras e ainda tímidas devastações da Amazônia e, antes mesmo de começar a escrever, já sabia que o professor Pompeu de Souza não me dera uma pauta para a edição seguinte da revista.
Ele traçara a pauta da minha vida e me entregara uma causa para a qual lutar. Para sempre. E até hoje 39 anos depois daquele maio tão presente, na minha memória, continuo a defender os direitos dos povos indígenas, os direitos da Terra e da Vida.
(*) A autora é jornalista. Trabalhou em revistas e jornais brasileiros entre os anos 1970 e 80, numa época em que a cobertura de assuntos indígenas fazia parte da pauta diária, religiosa e estatutária nas Redações. Texto originalmente publicado no Blog “O Mundo é plano”, da jornalista Clara Favilla.
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